A sequência de falta de competitividade do etanol hidratado, que a rigor vem desde o meio do ano passado, e o apoio das cotações do açúcar que já bateram recordes de 11 anos em abril, resultou em um cenário que há muito não se via no setor sucroenergético.

Mesmo que as usinas queiram produzir mais açúcar, daqui até o final da safra 23/24 do Centro-Sul, não conseguirão.

E nem que quisessem fabricar menos etanol, também não seria possível.

O limite do mix entre o adoçante e o biocombustível atingiu o pico de 50% para cada um dentro da quantidade de cana, como informou a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), em seu relatório da primeira quinzena de julho.

Industrialmente falando, precisaria haver mais folga das unidades na “cristalização do caldo, que já deve ter batido nos 80%”, sendo que acima disso o “residual é só álcool, mas precisa ser fábrica muito moderna para se obter um mix mais flex, que possa ser mexido ao longo da safra e isso demanda investimentos”, explica o consultor da MB Agro e membro de conselho de algumas usinas, Alexandre Figliolino.

O resumo, simplificado, é que, do que falta a ser moído de cana na atual temporada do Centro-Sul, metade deverá ser direcionado para a commodity. A outra metade, portanto, para o combustível renovável, sobretudo se mantendo a qualidade da cana medida pelo ATR (total de açúcares recuperáveis).

“Logo, as indústrias vão ter que destinar 50% da matéria-prima para o etanol, mesmo com preços baixos”, complementa o especialista Ricardo Pinto, da RPA Consultoria.

Pelos números da Unica, no acumulado da safra, de abril a 15 de julho, o processamento bateu em 258,25 milhões de toneladas, mais 10% sobre o período passado.

Nesses três meses e meio, as processadoras da região que vai de Goiás ao Paraná produziram 15,47 milhões de toneladas de açúcar (+12,6 milhõe/t) e 11,95 bilhões de litros de etanol, em expansão de 5,96%, porém determinada pelo anidro, enquanto o hidratado caiu 3,91%, para 6,83 bilhões de litros.

A entidade não faz projeções, de modo que a diferença que falta a ser colhida e moída precisa ser descontada das estimativas do mercado.

Há observações mais conservadoras, como a da Safras & Mercado, em 575 milhões de toneladas, outras mais intermediárias, entre as quais a última da Datagro, em 590 milhões/t.

Ambas devem apresentar revisões altistas, como a divulgada pela StoneX nesta quinta-feira, 27 de julho. Amparada pelos resultados positivos de produtividade pelas chuvas do segundo semestre de 2022 e pelas condições favoráveis deste ano, inclusive favorecendo a moagem, a consultoria global elevou a estimativa para 606 milhões de toneladas.

Então, se for usada uma régua média de 595 milhões de toneladas, subtraindo-se o que a Unica apontou, cerca de 336,8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar vão subir as esteiras das moendas até dezembro, sendo, que, portanto, 168,4 milhões/t virarão açúcar e o mesmo volume gerará etanol.

Torcida para preços

O problema para a usinas é que não há no horizonte do semestre capacidade de recuperação dos preços do etanol hidratado – o tipo que realmente faz diferença em volume frente ao anidro.

A política de preços para a gasolina da Petrobras não deve ser alterada e, segundo avalia o trader Martinho Ono, da SCA Trading, existe “um mar de etanol [em poder das usinas] para ser comercializado”.

O consumo se retraiu ainda mais em julho, com as férias reduzindo a circulação de veículos, e deverá até ficar abaixo dos 1,4 bilhão de litros conquistados em junho (menos 3,3% sobre junho 22).

“Precisa chegar a 1,5 bilhão de litros mensais para ao menos melhorar a rentabilidade via consumo”, diz Alexandre Figliolino, ex-diretor de Agronegócio do Itaú BBA, pontuando que esse volume de consumo seria atingido se a paridade de preços com a gasolina descesse a 65%.

Em relação ao açúcar, sem que as usinas consigam aumentar a vazão produtiva, a torcida é para que se mantenha com preços firmes.

Maurício Muruci, analista de sucroenergia da Safras & Mercado, lembra que a commodity ainda tem fôlego, embora possa não voltar aos cerca de 26 a 27 centavos de dólar por libra-peso do início da colheita, quando precificou alta de 11 anos.

“Mas não está ruim, além do mais a maioria das usinas já fizeram o hedge àqueles preços”, argumenta ele.