A resiliência da Ucrânia em seguir exportando cereais por rotas alternativas foi mais uma vez abalada com a notícia de que até mesmo os portos do rio Danúbio foram alvo de ataques russos, o que intensificou uma tendência de alta para commodities agrícolas que vem sendo verificada nos últimos dias.

Desde o fim do acordo no Mar Negro, que até uma semana atrás permitia rotas de exportação para a safra agrícola da Ucrânia, o mercado de commodities agrícolas vive dias tensos, de muita volatilidade, mas com tendência de alta, especialmente para produtos como milho e trigo.

Em entrevista ao AgFeed, o sócio diretor da Agrinvest Commodities, Marcos Araújo, explicou que, com o agravamento do conflito, e os bombardeios recentes direcionados aos silos e rotas de exportação, "o mercado já calcula que será necessário um ano para fazer obras de reconstrução e recompor a capacidade de exportação de grãos da Ucrânia”.

A alternativa no momento é a exportação por Constanza, na Romênia, via rodoviária, uma rota que tem capacidade de embarcar cerca de 1,2 milhão de toneladas por mês. Mas só a exportação ucraniana de milho, por exemplo, já foi de 30 milhões de toneladas no passado.

Segundo Araújo, antes da guerra, a Ucrânia chegava a exportar mais de 57 milhões de toneladas por ano, se somar os volumes de óleo de girassol, soja, milho, trigo e cevada.

"Após o agravamento calculamos que volume caia para 39 milhões de toneladas por ano e pode ser ainda menor com os bombardeios de agora", afirma Araújo.

Neste cenário, a demanda internacional pelo milho brasileiro vem aquecendo nos últimos dias, o que fez a Agrinvest revisar de 50 milhões para 54 milhões de toneladas a previsão para as exportações do cereal por aqui.

"Temos visto uma compra crescente por parte da Espanha, por exemplo e até o retorno de compradores que andavam afastados como Paquistão e Bangladesh", conta o analista da Agrinvest.

Marcos Araújo acredita que, no caso do milho, o produtor rural ainda poderá contar com bons preços nos próximos meses, em função deste cenário e também pelo clima seco que está prejudicando a safra agrícola de países do Hemisfério Norte.

Nesta segunda-feira, com a notícia do avanço dos bombardeios na Ucrânia e preocupações com o clima seco nos Estados Unidos, o milho fechou em alta de 6% na Bolsa de Chicago em relação à última sexta-feira.

No mercado brasileiro, a saca no porto de Paranaguá estava hoje em cerca de R$ 63, uma alta de aproximadamente R$ 2 na comparação com a semana anterior.

"Acredito sim o que o pior já passou. A previsão é recuperar, as mínimas já ocorreram no Brasil”, afirma Marcos Araújo.

Ele lembra que na bolsa brasileira B3 o milho esteve em R$ 92 em janeiro, depois começou a despencar à medida que a safra recorde do Brasil foi se desenhando, chegou a valer R$ 52, patamar que considera que não cairá mais "e agora está em R$ 58, em plena colheita da segunda safra".

As altas expressivas em Chicago nem sempre são repassadas aos grãos no Brasil em função da taxa de câmbio, que no começo do ano estava próxima de R$ 5,30 e hoje fechou em R$ 4,73, menor cotação desde abril do ano passado.

Para Flavio Almeida, da ACI Commodities, o Brasil tende a se beneficiar com os problemas geopolíticos e climáticos mundialmente, mas enfrenta uma barreira interna, que é o limite da logística nos portos.

"Vamos ver uma disputa entre soja e milho no segundo semestre e, por mais que a demanda por milho esteja aumentando, a tendência é de que a soja vença esta busca por espaço adicional, já que costuma oferecer mais lucratividade e vem apresentando ritmo vendas mais rápido por parte dos produtores rurais", explica.

Apesar disso, Almeida também concorda que os preços do milho já tiveram o seu pior momento e não devem voltar a cair.

Já Frederico Humberg, CEO da trading AgriBrasil, acredita que os efeitos dos bombardeios russos na Ucrânia nas cotações de grãos, especialmente do milho, devem ficar restritos ao curto prazo.

"A Ucrânia está produzindo 25 milhões de toneladas de milho, dos quais 19 milhões de toneladas vinham sendo exportados. Com os episódios mais recentes, estimo que as exportações caíam para algo entre 12 milhões e 13 milhões de toneladas", diz Humberg.

No entanto, ele lembra que o Brasil exporta cerca de 55 milhões de toneladas. "Ou seja, uma quebra de 6 milhões ou 7 milhões de toneladas no mercado mundial de milho não fará tanta diferença".

Para Humberg, os fundamentos de oferta e demanda global para o milho não serão alterados, e o mercado está tentando antecipar um cenário de menos milho disponível. "Não acredito que esta alta se mantenha no médio prazo".

Cenário para soja

No mercado da soja, os analistas alertam que há garantias de que os preços sigam firmes ou mantenham a tendência de alta.

As cotações da oleaginosa também vêm se recuperando na última semana com influência do óleo de soja – que muitas vezes concorre com o óleo de girassol restrito do Hemisfério Norte – e principalmente pela piora nas condições climáticas nos Estados Unidos.

Ainda assim, segundo Araújo, o preço da soja para março 24 que já foi de R$ 153 por tonelada no primeiro trimestre deste ano e depois caiu para R$ 130, agora está em R$ 137.

"Recuperou, mas está longe de voltar aos picos que já tivemos", diz Araújo.

O analista da Agrinvest lembra que no último trimestre do ano o Brasil concorre com a soja e o milho norte-americanos, o que traz mais pressão.

"E ainda temos o efeito da demanda chinesa, que está mais fraca devido às margens negativas da suinocultura e da indústria esmagadora por lá", completa.