Houve um tempo em que bastava adubar com NPK e aplicar inseticidas na hora certa para garantir uma boa produtividade na agricultura. Mas a ciência foi avançando, com cada vez mais tecnologia nas lavouras, até que o chamado universo dos “insumos” ficou bem mais complexo do que a simples classificação de fertilizantes e defensivos.

A prova disso é a Abisolo, Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição. Quando foi criada, há 22 anos, representava menos de 10 empresas, na época em que surgia o “fertilizante especial”, compostos mais elaborados, como aqueles em que o nutriente é aplicado nas folhas das plantas, com foco em potencializar a produtividade.

Hoje a entidade tem 158 associados de 8 segmentos diferentes: fertilizantes minerais especiais, organominerais, orgânicos, condicionadores de solo, biofertilizantes, substratos para plantas, insumos de base biológica e adjuvantes.

Os dados consolidados do setor em 2024 serão divulgados no anuário da Abisolo que deve sair em abril deste ano.

O número mais recente se refere a 2023, quando somente os fertilizantes especiais representaram um mercado de R$ 22,64 bilhões, alta de 2% em relação ao ano anterior.

Para 2024, o setor espera um percentual maior de crescimento, mas dificilmente chegará a dois dígitos porque o desempenho está sendo desigual entre os diferentes segmentos. Enquanto foliares crescem de forma mais intensa, os orgânicos, por exemplo, desaceleraram, em função de preços mais baixos.

Em entrevista ao AgFeed, Roberto Levrero, presidente da Abisolo disse que a expectativa é que, em 2025, o setor volte a crescer dentro das médias históricas, em receita.

“Se você pegar a média dos últimos 5 anos, o setor cresce de 15 a 20% a ano, dependendo do segmento”, afirmou.

Ele diz que mesmo no período mais difícil, se considerada a venda em volume, também houve um avanço de cerca de 15%.

O crescimento mais tímido em receita, segundo Levrero, se deve ao pico de preços dos fertilizantes em 2022 quando houve uma disparada global na cotação das matérias-primas.

Para 2025, as vendas do setor em reais “têm chance” de voltar a subir 15%, disse ele, ao AgFeed.

Contam a favor, neste cenário, o potencial de expandir a adoção do uso de fertilizantes especiais, especialmente os foliares. Hoje a cultura da soja representa 42% do faturamento desse segmento, em função das áreas mais extensas. Também são mercados importantes os cultivos de frutas e hortaliças.

“O milho começou a crescer, mas nos últimos anos a cana também começou a crescer, o setor sucroalcoleiro começou a investir, não só no (fertilizante) convencional, mas nos especiais. Então, estamos falando em grandes áreas”. Esse cenário tende a manter forte o desempenho de fertilizantes especiais minerais, líquidos e sólidos.

Outras lideranças do setor acreditam que crescer 15% possa ser otimismo demais, já que a performance de cada um dos segmentos tem sido muito desigual, mas consideram que pelo menos “dois dígitos” seria factível.

Nos fertilizantes tradicionais, o mercado tem andado de lado. As entregas em 2024 tiveram um leve recuo de 0,5% em volume. Mas por que então os especiais seguem crescendo?

“Porque quem utiliza essa tecnologia é o produtor mais técnico”, respondeu Levrero. Ele garante que os investimentos foram mantidos e casos como a RJ da Agrogalaxy criam uma falsa sensação de o mercado não foi bem.

Na visão dele, o maior problema no setor de insumos foi uma importação excessiva em 2022 (o dobro do consumo do Brasil) que manteve os estoques elevados nas grandes revendas em 2023 e 2024.

“E também houve uma facilidade na liberação de crédito sem critério. Então isso estimulou muita gente que não estava, obviamente, estruturado e pronto para investir”, afirmou.

Regulamentação dos bioinsumos para destravar mercados

O mais recente grupo de produtos que foi incorporado no escopo da entidade foi o de bioinsumos. Muitos dos fabricantes associados da Abisolo produzem itens que ficavam “no meio do caminho”, com propriedades não restritas à nutrição ou defesa vegetal.

Um exemplo típico são os bioestimulantes, denominação comum em outros países para produtos que estimulam determinadas características numa planta, que pode ser, inclusive, sua capacidade de se defender de alguns patógenos. Mas na legislação brasileira não há o termo bioestimulante.

Boa parte do imbróglio envolvendo esses produtos foi resolvida com a aprovação da nova lei de bioinsumos em 2024. A Abisolo foi uma das entidades que participaram na construção do projeto substitutivo que levou ao acordo na legislação sobre o tema, no Congresso Nacional.

Algumas pendências, no entanto, ficaram para o processo de regulamentação, que ocorrerá agora, em 2025.

Roberto Levrero contou ao AgFeed que a entidade foi convidada a participar de um grupo no Ministério da Agricultura que vai tratar da regulamentação. A expectativa é de que o primeiro encontro seja realizado ainda no mês de março.

Enquanto isso, a associação também se articula com outras entidades como Aprosoja e Abbins para estabelecer uma proposta unificada, que será apresentada ao governo. Encontros vem sendo realizados desde dezembro, como mostrou o AgFeed em reportagem recente.

“Os fertilizantes e os defensivos, na maioria, já têm uma regulamentação meio que consolidada. Mas quando a gente vai para os biológicos, os microrganismos, esses ainda precisam, agora, criar um conceito, criar uma definição, porque existem produtos que têm dupla aptidão”, afirmou o dirigente, se referindo ao que deve priorizar nesse processo de regulamentação junto ao Mapa.

O setor admite que diversas empresas aguardam para lançar produtos ou enfrentam dificuldades no processo de registros quando se trata de itens que tem essa dupla finalidade. “Eu sei de empresas associadas que tem 8, 9 produtos novos que nem soltaram no mercado ainda (em função desta restrição)”.

A Mosaic seria um exemplo. O AgFeed mostrou que a emrpesa aguarda para lançar no Brasil produtos que são líderes de mercado em outros países e que combinam fertilizante mineral com biológicos.

Na fila de espera do mercado estariam principalmente inoculantes e bioestimulantes.

O desafio é detalhar regras que contemplem os diferentes segmentos como fertilizantes, inoculantes, biodefensivos e até mesmo os produtores rurais, em função da produção de biológicos on farm.

“No ano passado a gente conseguiu harmonizar o texto básico da lei e agora a gente está reunindo esse mesmo grupo, trazendo todas as entidades em uma mesa”, disse.

Para definir a legislação específica dos biofertilizantes, Levrero diz que foram 5 anos de discussão com o governo. Ele espera que o tema da dupla aptidão seja superado nesse processo de regulamentação, já que começar do zero o debate sobre uma nova lei ou decreto específico, seria muito prejudicial às empresas.

“A indústria está evoluindo em uma velocidade tão rápida na pesquisa que muitas matérias-primas que eram vistas como uma função única, hoje, elas estão abrindo leques, estão mostrando que aquela mesma matéria-prima tem outras funções que podem ser exploradas. O extrato de algas é um exemplo disso”, destacou o presidente da Abisolo

Levrero diz que a prioridade é garantir que a lei “não trave a inovação”. “Se eu criar uma lei que depende, para eu validar o meu processo, depende de outra lei, a inovação morre”.

Outro setor que está em busca de regras mais claras é o de adjuvantes. São produtos utilizados em conjunto com os defensivos agrícolas, que no passado já foram regulamentados pelo Ministério da Agricultura, mas deixaram de ser.

“As empresas não estão confortáveis dessa forma, queremos classificar (os adjuvantes) por qualidade e finalidade, dando mais garantia para quem agrega valor (fabricante) e parâmetros para quem consome”, explicou.

Neste tema, um grupo de trabalho, que inclui pesquisadores e empresas, está definindo uma proposta de regulamentação, que também será apresentada ao Mapa.

Do ponto de vista econômico, a Abisolo admite que os adjuvantes representam um mercado quase tão relevante quanto o de fertilizantes especiais.