Originário de regiões quentes e secas, o algodão é daquelas culturas que se adaptaram muito bem ao clima brasileiro. As 3,6 milhões de toneladas da pluma colhidas na safra 2023/2024 em 1,9 milhão de hectares, comprovam o sucesso da planta, cultivada principalmente no Centro-Oeste do país.

Além do clima favorável, os investimentos em tecnologia e a melhora dos tratos culturais são elementos que compõem essa receita de alta produtividade.

"Nos últimos 25 anos, a retomada aconteceu graças ao desenvolvimento de variedades melhor adaptadas ao clima brasileiro. O aumento do uso de insumos biológicos também contribui para esse crescimento”, avalia o diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Marcio Portocarrero.

O resultado é que o setor deve atingir já na próxima safra a meta estabelecida para 2030 e produzir 4 milhões de toneladas da pluma. A área plantada também deve ser 6% maior na temporada 2024/2025 e alcançar 2,1 milhões de hectares.

A boa rentabilidade da cultura é um dos fatores que devem influenciar nesse aumento de área. “Está melhor que o milho, fazendo com que muitos produtores acabem optando por plantar algodão ao invés do grão", explica o analista de inteligência de mercado do Itaú BBA, Francisco Carlos Queiroz.

Atualmente, o Brasil é o maior exportador do mundo, deixando para trás players tradicionais como os Estados Unidos. A quebra da safra norte-americana por conta das oscilações climáticas acabaram por favorecer o Brasil, que tomou a dianteira também na produção.

“A recuperação da safra americana veio tarde e ficou aquém do esperado. No Texas, principal estado produtor, muitas áreas foram abandonadas", explica Queiroz.

Para os próximos anos, mais do que ampliar a produtividade, o setor tem outros desafios: ampliar a demanda e equilibrar os custos.

"Nos últimos anos sofremos com o aumento da concorrência da fibra sintética e por isso ampliar a demanda pela fibra natural se faz necessário para continuarmos a crescer na produção e nas exportações” , avalia Portocarrero.

Um aspecto favorável ao algodão está na mudança de percepção dos consumidores, especialmente no mercado europeu, cada vez mais preocupados com o impacto do consumo e optado por produtos que priorizem a produção sustentável e a economia circular.

"Nesse quesito estamos prontos, pois atendemos a todos os critérios do mercado, produzindo com sustentabilidade, com respeito às normas e ainda temos um produto natural que pode ser reaproveitado de diversas maneiras, com uma longa vida útil" detalha o executivo.

Oferta e demanda alinhadas

A estratégia para ampliar a demanda pelo algodão brasileiro passa pela abertura de novos mercados. Segundo Portocarrero, a demanda global por algodão está estável há anos entre 24 e 26 milhões de toneladas. Na safra 2023/2024, o Brasil exportou 2,8 milhões de toneladas.

Com isso, os preços ao longo do ano oscilaram com tendência de queda, inclusive no mercado doméstico.

“Além da relação entre oferta e demanda, a cotação do petróleo também influencia os preços da fibra natural, uma vez que as fibras sintéticas são o principal concorrente", explica Queiroz.

Portocarrero explica que o setor tem condições de chegar a 5 milhões de toneladas produzidas até 2030, mas que esse estímulo à produção só será feito caso a demanda cresça proporcionalmente.

"Não faz sentido ampliarmos a produção se o mercado consumidor não acompanhar esse ritmo", pondera.

Entre os mercados consumidores do algodão brasileiro estão a China, Vietnã, Egito e Bangladesh. Somente os chineses compram cerca de 49% do produto brasileiro.

Para a safra 2024/2025, a estimativa do Itaú BBA é que o país compre 2 milhões de toneladas, volume 33% inferior às 3 milhões de toneladas da temporada 2023/2024. “Isso se deve principalmente à retomada da produção chinesa", analisa Queiroz.

A Índia também faz parte da lista, com relevância cada vez maior, já que o volume adquirido do Brasil saltou de 8 mil toneladas para 70 mil toneladas em apenas um ano. “É um indicativo de que eles reconhecem a qualidade do nosso produto", avalia Portocarrero.

Outro aspecto que pode turbinar a demanda pelo algodão brasileiro já no próximo ano é a tendência de que Donald Trump, presidente eleito nos Estados Unidos, faça um governo ainda mais protecionista em seu segundo mandato, impondo tarifas à importação.

"Com isso, pode ser que eles fechem o mercado para os têxteis indianos, que, em retaliação, podem ir buscar plumas de algodão em outros mercados, principalmente no Brasil", pondera Portocarrero.

Mercado doméstico

O executivo explica que há perspectiva de aumento da demanda também no mercado doméstico, já que o consumo brasileiro de algodão tem se mantido estável na casa das 700 mil toneladas. "Podemos chegar a 1 milhão de toneladas já em 2030", calcula.

Para tanto, ele considera que ações de engajamento e conscientização sobre a cadeia do algodão e os benefícios da fibra para a saúde e para o meio ambiente são fundamentais. “Também precisamos de uma política de estímulo aos produtos nacionais e de um cenário onde haja aumento do poder aquisitivo e melhora da taxa de juros".

Como exemplo, ele cita o projeto Sou de Algodão, iniciativa da Abrapa junto à indústria têxtil, designers e estilistas, chegando até os consumidores, levando informação sobre o setor.

Atualmente mais de 1,7 mil marcas participam da iniciativa, com o compromisso de utilizar pelo menos 70% de algodão na composição de seus produtos.

"Temos um mercado de 220 milhões de consumidores, nosso desafio é educá-los sobre as vantagens do consumo da fibra natural para a saúde e para o meio ambiente", afirma.

Além do aumento da produção no campo, ele considera fundamental a modernização do parque têxtil brasileiro, já bastante defasado.

A perspectiva é de que as indústrias tenham mais crédito disponível para investir em renovação de equipamentos, já que em setembro o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assinou o decreto que institui o programa de depreciação acelerada.

O programa define as 23 atividades econômicas - incluindo a indústria têxtil - que serão beneficiadas com créditos financeiros para a modernização do parque industrial. A primeira etapa prevê a liberação de R$ 3,4 bilhões para aquisição de máquinas e equipamentos até 2025.

Controle do custo

Os investimentos no uso de defensivos biológicos nos últimos anos estão contribuindo para a melhora da produtividade e competitividade do algodão.

A título de comparação, enquanto a produtividade média por hectare nas fazendas brasileiras é de 1.900 quilos, nos Estados Unidos, segundo maior produtor, essa média é de 950 quilos.

"Nosso desafio é seguir produzindo algodão de alta qualidade e manter a produtividade alta, reduzindo os custos, para que a conta feche", pondera Portocarrero.

Na opinião do executivo, para que isso aconteça, será fundamental um programa de atração de investimentos para a produção de defensivos e moléculas no mercado brasileiro, além da desburocratização do processo de aprovação de moléculas mais modernas e eficazes para o uso no país. “Estamos em média oito anos atrás de outros países na oferta de moléculas".

Ele considera a lei de defensivos, aprovada em 2023, fundamental para destravar a fila e contribuir para que o Brasil dê o próximo passo rumo ao aumento da eficiência agrícola. "Ter a produção local também contribuiria para a diminuição dos custos".

A aprovação da Reforma Tributária pela Câmara, no último dia 17 de dezembro, é outro elemento que deve contribuir para melhorar a competitividade do setor, na visão do executivo.

“É o ponto de reconhecimento do congresso sobre a importância do agronegócio para o Brasil e demonstra a preocupação em contribuir para que sejamos cada vez mais eficientes e competitivos".