Amplamente comemorada por produtores rurais de Mato Grosso, a lei que proíbe incentivos fiscais a empresas que seguem os critérios da moratória da soja, pode ter pouco impacto sobre a relação dos produtores rurais com as tradings.
A opinião é de Frederico Favacho, sócio de agronegócios do Santos Neto Advogados, que atende grandes grupos do setor.
Na visão do advogado, o mercado deu muita atenção e repercussão à suposta “ameaça da suspensão dos benefícios das tradings”, mas o texto final, que foi sancionado pelo governador Mauro Mendes, levou em consideração também a visão das compradoras da soja brasileira.
A nova legislação estabelece o fim de incentivos fiscais e concessão de terrenos públicos para empresas que "participem de acordos, tratados ou quaisquer outras formas de compromissos, nacionais e/ou internacionais, que imponham restrições à expansão da atividade agropecuária em áreas não protegidas por legislação ambiental específica, sob qualquer forma de organização ou finalidade alegada".
Trata-se de uma vitória para a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT), que durante meses defendeu a aprovação da lei junto à Assembleia Legislativa do estado e agora também teve o apoio do governador.
Na prática, os produtores se sentem lesados ao serem excluídos da possibilidade de venda da soja às principais tradings internacionais, que aderiram ao acordo chamado de "moratória da soja", firmado em 2006.
Favacho relembrou que o texto final da lei foi o quinto substitutivo (emenda que substitui todo o texto de uma proposta original por outro). O texto inicial foi proposto pelo deputado estadual Gilberto Cattani (PL).
O projeto que foi aprovado pela Assembleia Legislativa teve dois itens vetados pelo governador. No texto final, o jurista crê que foram feitas “concessões importantes”. Ao mesmo tempo em que o governador apaziguou os produtores, mostrou uma conversa também com as tradings.
“O governador vetou dois incisos que feriam o direito de livre iniciativa, pois empresas podem adotar restrições determinadas, se quiserem”, disse.
No segundo artigo da lei, o parágrafo único diz que “a operação comercial que adotar requisitos distintos dos previstos na legislação brasileira, visando o cumprimento da legislação vigente no local de destino do produto, não será considerada em desacordo com os critérios para a concessão de benefícios fiscais previstos neste artigo, ficando sujeita à fiscalização pelos órgãos competentes”.
Na prática, se o país comprador da soja brasileira trouxer alguma exigência de não desmatamento em seu contrato com a trading, e ela, por sua vez, exigir isso ao produtor, a companhia não pode ser penalizada na lei mato-grossense com perda de benefícios fiscais.
A Aprosoja-MT alegou que o Código Florestal brasileiro permite que, ao adquirir uma fazenda, o produtor ainda possa desmatar 20% da área para desenvolver suas atividades. Os outros 80%, obrigatoriamente, precisam ser mantidos com vegetação nativa, na chamada reserva legal. Dessa forma, as empresas estariam exigindo algo diferente do que prevê a legislação brasileira.
O pleito dos produtores teve apoio até mesmo do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que declarou, durante evento em São Paulo, que as empresas "foram mais legais que a lei".
“Afinal de contas, a empresa está repassando uma demanda do mercado. As empresas reconhecem que o EUDR (regras de desmatamento da União Europeia) está batendo na porta, e que elas terão que aderir. Já é uma restrição maior que a lei nacional”, afirmou Favacho, da Santos Neto Advogados.
Diante disso, ele acredita que a lei promulgada no Mato Grosso saiu menos dura que a encomenda, e abriu portas para se discutir as exigências do mercado.
Na visão de Favacho, da Santos Neto, a lei foi feita especificamente para combater a moratória da soja, mas acaba sendo mais razoável em comparação com leis parecidas em outros estados.
Com isso, a vitória comemorada por produtores e entidades como a Aprosoja, é mais política do que econômica, acredita o sócio do escritório de advocacia. “Produtores podem falar que ‘ganharam essa’, mas talvez no fim do dia vão descobrir que não foi bem assim”.
Para Favacho, a lei traz a percepção de que não há preto no branco, nem pró-produtores nem pró-tradings. “O mercado é soberano, e sofre influência das demandas internacionais de consumidores e destinatários. Não dá para dizer que [a moratória da soja] é algo tirado da cabeça das empresas, que querem levar vantagem. Às vezes o mercado exige isso”.
O jurista acredita que os países importadores preferem critérios simples e objetivos. No fim das contas, se a área foi desmatada legalmente ou não legalmente, não importa, avalia.
Do lado das tradings, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que representa empresas do setor, divulgou uma nota sobre a lei que foi sancionada.
Segundo a entidade, "a lei pode representar um risco à reputação do País como um produtor sustentável".
O texto destaca que "até 2006, a soja era apontada como principal vetor do desmatamento da Amazônia". O acordo foi criado, segundo a Abiove, porque os clientes do mercado europeu e entidades da sociedade civil exigiam ações concretas dos exportadores brasileiros.
Em entrevista ao Canal Rural Mato Grosso, o diretor da Abiove André Nassar afirmou que, com a sanção, as esmagadoras de soja e as indústrias de biodiesel ligadas a óleos vegetais perderão cerca de R$ 1,5 bilhão. Ele afirmou que poderia haver repasse ao preço de venda do produto ou mesmo uma redução no valor pago aos produtores.