Depois de uma safra marcada pelo fenômeno climático El Niño, que trouxe uma produção maior na região Sul do Brasil, porém com prejuízos em Mato Grosso, produtores e analistas tentam descobrir o que a possível chegada do La Niña poderá trazer de surpresas nos próximos meses.

Para tentar entender este cenário, os analistas do Santander, Felipe Kotinda e Adriano Valladão, produziram um relatório revisitando os últimos anos em que o La Niña se formou e o que aconteceu com o preço dos grãos.

De modo geral, o fenômeno contribuiu para a elevação dos preços do milho e da soja no mercado externo por conta da falta de chuva nos três estados da região Sul do Brasil e, principalmente, na Argentina.

“Se a história servir de guia, o fenômeno La Niña pode significar preços mais elevados para o milho e a soja na próxima safra”, apontam Kotinda e Valladão.

Esta semana meteorologistas disseram que, neste momento, há sinais de aguas mais frias no Oceano Pacífico, que caracteriza a formação da La Ninã, mas que, ao contrario do que esperava no início do ano, as chances de que ele se instale até agosto agora são menores que 50%.

De qualquer forma, no período da primavera no Brasil, esta probabilidade segue acima de 80%, o que aumenta o risco de atrasos na estação chuvosa, com prejuízos para a próxima safra.

De acordo com o Santander, o La Niña da safra 2007/08 fez os preços do milho subirem 69%, considerando o intervalo de setembro do primeiro ano até abril do segundo. Na mesma medida, a soja avançou 39% no mercado externo. Ao mesmo tempo, o estoque dos grãos recuou, respectivamente, 1,5 ponto percentual e 8,2 pontos percentuais.

Na safra 2010/11, o fenômeno impulsionou o preço do milho em 84% e o da soja em 38% ao longo da temporada. Entre 2020 e 2022, quando a La Niña impactou três safras seguidas, o preço do grão avançou 72% e o da oleaginosa valorizou 31% no intervalo de outubro de 2020 e o mesmo mês em 2022.

O relatório diz ainda que, segundo dados da série histórica da Conab, as safras seguintes ao La Niña sã, em geral, menores do que as vistas no ano em que o fenômeno aparece.

Enquanto que na temporada 2007/2008 a produção nacional de soja foi de 60 milhões de toneladas, na safra seguinte o País colheu 57 milhões de toneladas. O mesmo ocorreu nas safras 2010/11 e 2011/12, quando a colheita foi de 75 e 66 milhões de toneladas, respectivamente.

“O La Niña é conhecido por trazer clima seco para a região Sul da América do Sul, o que prejudica as lavouras de grãos plantadas no segundo semestre e reduz o rendimento das culturas. Brasil e Argentina são produtores e exportadores chave no comércio global de milho e soja e, portanto, fixadores de preços”, ressaltaram os analistas.

Na contrapartida de uma safra menor no Sul do País e na Argentina, o Santander ressalta que a produção no restante do Brasil pode equilibrar a balança.

“Outras partes do Brasil poderiam compensar as potenciais perdas de rendimento do Sul, especialmente quando se considera que é provável que ocorra uma normalização dos rendimentos das culturas no Centro-Oeste do Brasil após um forte evento de El Niño, em 2023”, afirmaram os analistas.

Algumas empresas que têm operações concentradas no Cerrado brasileiro já falam em uma safra mais controlada à frente. Em uma call com analistas do mercado em março, o CEO da SLC Agrícola, Aurélio Pavinato, destacou que espera uma “safra cheia” na temporada 2024/2025.

Na matemática do executivo, 2024 deve ser um ano de ajuste de custo de produção. "O preço baixo das commodities está jogando uma pressão nos fornecedores", comentou na época.

Essa conta de preço de grãos se recuperando mais uma safra normal para suas colheitas traz mais rentabilidade para a SLC. "Historicamente, nem La Niña nem El Niño afetam o Mato Grosso, mas esse ano trouxe uma seca. A tendência para 2024, com o primeiro, é uma chuva normal na região, e isso é bom para SLC pois teremos uma safra 'cheia", comentou o CEO da empresa.

O Santander ainda ressaltou no relatório que a produção nos EUA e a demanda global mais lenta por parte da China podem jogar contra o aumento de preços dos grãos.

Nos Estados Unidos, o plantio da safra atual está quase concluído e próximo da média histórica. Segundo as projeções do USDA, 75% do milho está em “boas condições”, o que ressalta as perspectivas favoráveis para a produção norte-americana neste ano, relataram os analistas.

Nas últimas safras de La Niña, a inflação dos alimentos foi globalmente mais elevada, segundo o Santander. Para 2024, o banco espera que a inflação de alimentos fique em 4,5% neste ano e 4,7% no ano que vem, ainda sem incorporar o La Niña na equação. Atualmente a inflação de alimentos medida pelo IPCA está em 3,65% no acumulado dos últimos 12 meses.

Outro possível risco para a inflação dos alimentos é a carne bovina, de acordo com o Santander. “O clima mais seco pode piorar as condições das pastagens devido à menor precipitação em algumas regiões. Em última análise, uma reversão do ciclo pecuário no Brasil poderá ocorrer mais cedo do que o esperado”, afirmaram.