Com produtores divididos e sem ação concreta do poder executivo, a venda de terras e imóveis rurais a estrangeiros - tema dos mais polêmicos e sensíveis do agronegócio - voltou à pauta este mês no Supremo Tribunal Federal.
Após quatro anos a passos lentos no legislativo, coube ao STF retomar o assunto, em votação realizada na primeira semana de maio. A expectativa de uma parte do agronegócio é de que venha da Corte a segurança jurídica necessária a investimentos externos, o que evitaria a debandada de empresas que apostaram no setor e ameaçam deixar o Brasil.
Um dividido plenário do STF negou liminar concedida pelo ministro André Mendonça que suspendia todos processos judiciais sobre o tema por empresas brasileiras com participação majoritária de estrangeiros. Foram cinco votos favoráveis e cinco contrários.
Apesar do empate, a decisão de deixar seguir os processos, derrubando a liminar, só prevaleceu porque o regimento interno do STF prevê "solução contrária à proposta" em caso de divisões. A decisão, no entanto, não tratou do mérito e os dois processos dessa pauta sobre o tema caminham há quase uma década no Supremo, com julgamento iniciado em 2019, e ainda não têm prazo para voltar à discussão em plenário.
"O assunto voltou à discussão e a percepção de risco do investidor estrangeiro com esse tema aumentou muito. Antes, investidores ficavam confortáveis para investir por meio de sociedades, mas os contratos legais foram questionados e o tema evoluiu com gravidade para afugentar investimentos", resumiu Francisco de Godoy Bueno, sócio do escritório Bueno, Mesquita e Advogados, que atua em processos sobre o tema desde 2015, é advogado e conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB).
Segundo Bueno, a falta de um marco legal fez com que a discussão entre prós e contras sobre a negociação de imóveis para estrangeiros ficasse em segundo plano. Ele diz que grupos privados começaram a se apropriar das teses de proteção de mercado local em ações de interesses concorrenciais.
O jurista cita dois casos, ambos com empresas asiáticas do setor de celulose no País: o freio dado pela Justiça à Bracell, empresa de Cingapura, para ampliar suas plantações de eucalipto em São Paulo, e a disputa bilionária entre a gigante brasileira J&F e a Paper Excellence, da Indonésia, pelo controle da Eldorado Papel e Celulose em Mato Grosso do Sul.
"O risco de o Brasil perder novos investimentos aumentou ainda mais. Os escritórios estão mais cautelosos, com razão, e percebem que o judiciário não reconhece a estrutura jurídica para garantir investimentos que dependam da exploração da terra", completou Bueno.
Debate político
Se a Justiça colocou uma luz, mesmo que fraca, sobre o tema, no Congresso Nacional propostas sobre venda de terras e imóveis rurais a estrangeiros seguem paradas desde 2020. A última movimentação importante ocorreu em dezembro de 2020, quando o projeto de lei 2963/2019, do senador Irajá Abreu (PSD-TO), foi aprovado no Senado.
O PL foi para a Câmara e à proposta foram apensados outros projetos já em tramitação sobre o mesmo tema. Entre as propostas está o PL 4059/2012, com a urgência aprovada para que a seja colocado em votação sem passar por comissões.
Na época em que o projeto foi aprovado, o senador Irajá chegou a dizer em plenário que, "na última década, o Brasil perdeu pelo menos R$ 550 bilhões em investimentos no setor agropecuário por causa de 'controvérsias jurídicas' sobre a abertura ao capital estrangeiro.
Ao chegar na Câmara, foram anexados outros projetos à proposta, que já estavam em tramitação sobre o mesmo tema, inclusive com pedido de urgência, mas a votação em plenário até hoje não ocorreu.
No meio político se entende não há interesse do governo federal em levar temas deste tipo adiante. Em um raro consenso, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o atual, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), são contra a proposta, de olho nos votos de produtores rurais.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), informou que a bancada ruralista irá se debruçar, prioritariamente, em outros temas, como a melhoria das condições para o crédito rural, a aprovação do novo arcabouço fiscal e a questão das invasões de terra.
Principal voz do setor produtivo contrária à venda ou mesmo ao arrendamento de terras para estrangeiros é a Associação Brasileira dos Produtores de Soja, Aprosoja Brasil.
O presidente da entidade, Antonio Galvan, afirma que a posição dos produtores segue a mesma. A Aprosoja entende Brasil é um dos poucos países no mundo com estoque de áreas agricultáveis, sendo estratégico para o país manter um controle sobre este estoque.
Na opinião de Galvan, há um entendimento de que regras mínimas para aquisição de terras precisam ser mantidas, tais como a limitação da compra destes ativos por fundos soberanos, limites por tamanho de projeto e por áreas estratégicas, assim como áreas localizadas em faixas de fronteiras.
Entenda a polêmica
-A Constituição Federal, de 1988, prevê, no artigo 190, que "a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional"
-A lei que regula a venda de terras a estrangeiros é a 5.709, de 1971, anterior à Constituição. O texto impede a compra ou o arrendamento de terras com mais de 50 módulos fiscais por estrangeiros. O limite, por município, equivale a 25% do território sob controle de cidadãos ou empresas de outras nacionalidades. Uma mesma nacionalidade estrangeira não pode deter mais do que 10% da área de um município.
-Em 2010, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) foi pela validade da lei 5.709/1971 como a regulamentadora do artigo 190 da Constituição
-Entre os vários projetos de lei, o mais avançado no Congresso é o 2963/2019, aprovado no Senado e enviado à Câmara. Se aprovada e sancionada pelo Executivo, a nova lei revogará a anterior, 5.709/1971, e regulamentará o artigo 190 da Constituição. O projeto flexibiliza e impõe poucos limites às aquisições de terras e imóveis a estrangeiros.