Feijão por cima, por baixo ou ao lado do arroz? A pergunta gera debates acalorados, mas o fato é que a preferência do brasileiro por esse alimento no prato, seja qual for a posição, sempre garantiu uma conexão direta do feijão com o mercado interno. Será que o cenário pode mudar? A resposta está na China.
Nesta semana, o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), em parceria com a ApexBrasil, promove uma missão prospectiva na maior feira de alimentos do mundo, a SIAL Shangai. A viagem representa uma grande oportunidade para o chamado setor de pulses, que abrange leguminosas como lentilha, ervilha, além dos diferentes tipos de feijão consumidos pelo mundo.
Brasil e China estão se aproximando, com negociações em andamento para um acordo fitossanitário inédito entre os dois países. O consumo per capita de feijão na China tem crescido 400% anualmente, destacando-se a demanda pelo feijão-mungo, que movimenta mais de US$ 2 bilhões por ano em relações comerciais globais.
“Essa é uma oportunidade promissora para o mercado brasileiro, especialmente considerando a possibilidade de troca de tecnologias. A China tem avançado significativamente em pesquisas sobre o feijão. Mas também é preciso ressaltar que precisaremos ser competitivos para exportar feijão-mungo para o mercado chinês”, explica o presidente do Ibrafe, Marcelo Lüders.
De acordo com um levantamento realizado pela entidade, as importações de feijão-mungo pela nação asiática saltaram 172,27% entre os anos de 2018 e 2021, passando de 88,9 mil toneladas para 242,2 mil toneladas. Um cenário observado também em outras variedades de feijões, ervilhas, grão-de-bico, lentilha, entre outros. Atualmente, o país tem se abastecido com as produções de feijão-mungo da Austrália, Mianmar e da Costa da África.
Lüders ainda destaca que a área cultivada com feijões e pulses na China tem diminuído nos últimos anos, em detrimento do maior investimento na cultura da soja. O país quer aumentar sua autossuficiência no fornecimento da oleaginosa e a projeção é de um crescimento de até 40% na produção de soja até 2025.
“Além disso, o país asiático busca diminuir o consumo per capita de carne, uma questão intrinsecamente relacionada com a sustentabilidade, ao meio ambiente, os custos e ao crescente número de pessoas com maior poder aquisitivo”, ressalta Lüders.
A maior demanda mundial por proteínas vegetais para produzir os famosos hambúrgueres veganos também é vista como uma oportunidade.
No caso do feijão-mungo, a expectativa é otimista para o Brasil porque se trata de uma cultura com ciclo produtivo curto, de aproximadamente 60 dias, o que pode viabilizar seu cultivo como uma atividade complementar, especialmente nas áreas irrigadas do Cerrado.
No estado de Mato Grosso a estimativa é de que cerca de 42 mil hectares de feijões diferenciados, destinados a exportação, tenham sido plantados na safra 2022/2023 – e pelo menos 90% da produção prevista de 45 mil toneladas é de feijão-mungo.
Entre as empresas exportadoras, o clima ainda é de cautela. A Dassoler Agronegócios, de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, vem negociando em média, entre 18 a 25 mil toneladas de feijão por ano, entre caupi, mungo e azuki.
Do total, cerca de 90% são destinados à exportação para países como Índia, Paquistão, Egito, Indonésia, Japão entre outros. O restante da produção, de 10%, é comercializado em São Paulo.
O gerente comercial da Dassoler, Rodrigo Espessoto, destaca que ainda não criou uma expectativa em relação à efetivação do acordo Brasil-China no caso do feijão. “Nós ainda estamos esperando a liberação das exportações de gergelim para o país asiático”, afirma.
Ainda assim, Espessoto reconhece a importância da consolidação da parceria entre os dois países, tanto para a rentabilidade dos produtores brasileiros quanto para o avanço da pesquisa em feijão no país.
Ele explica que, com o fortalecimento dessa parceria, o feijão poderá deixar de ser considerado uma opção secundária para os produtores, muitas vezes cultivado apenas quando a janela ideal de plantio do milho segunda safra fica ajustada.
O diretor-executivo da Aprofir, Associação dos Produtores de Feijão, Pulses, Grãos e Irrigantes de Mato Grosso, Afrânio Migliari, diz que a potencial abertura do mercado chinês é uma oportunidade ímpar, mas que deve se concretizar daqui a 3 ou 4 anos.
“Portanto precisamos nos organizar, a negociação do acordo sanitário foi uma iniciativa dos próprios chineses, agora precisamos trabalhar para utilizar sementes certificadas, o que vai garantir mais tecnologia e também a rastreabilidade que será exigida pelos compradores internacionais", alertou Migliari.
Em paralelo, o setor se articula para buscar apoio do governo federal no incentivo à produção de feijão em pequenas propriedades rurais. Migiliari, que também é presidente da Câmara Setorial do Feijão, do Ministério da Agricultura, diz que o setor precisa de financiamento e de uma política de preços mínimos.
Grandes empresas de alimentos estão importando farinha de ervilha para fazer as “carnes" veganas, diz ele, poderíamos suprir esse mercado com farinha de feijão, mas é preciso estímulo. O dirigente explica que nos últimos dois anos houve um desestímulo ao feijão porque ele costuma concorrer com o milho segunda safra, que vinha apresentando preços recordes e alta remuneração aos produtores.