Paulista de Campinas, Guilherme Campos Júnior teve muito trabalho nos últimos dias. Depois de ser nomeado como novo secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), uma das principais pastas do setor, tem nada menos do que um Plano Safra de quase R$ 480 bilhões para pôr em prática.

Mas os desafios do ex-deputado e, até recentemente, superintendente do Mapa em São Paulo, vão muito além disso. A Secretaria de Política Agrícola (SPA) foi um dos alvos da polêmica envolvendo suspeitas de irregularidades no leilão para importar arroz – que acabou suspenso – e a consequente demissão do líder da pasta Neri Geller, em função de eventuais conexões com pessoas ligadas a empresas que participaram do leilão.

Em meio a uma série de reuniões em Brasília, Guilherme Campos recebeu o AgFeed, admitindo que ainda é cedo para adotar posições mais definitivas em relação a temas cruciais da pasta, como saber qual volume o Mapa conseguirá junto ao governo para subsidiar o seguro rural.

O secretário garantiu, no entanto, que vai se empenhar na busca de mecanismos alternativos e, principalmente, no acesso do “dinheiro barato que tem lá fora” para complementar o financiamento do agronegócio.

Campos Júnior disse que vai buscar inspiração no que já fazem agentes de mercado privado para “em breve” ter novas alternativas, que serão anunciadas pelo ministro Carlos Fávaro, e não por ele, fez questão de ressaltar.

O secretário foi indicado pelo PSD, mesmo partido de Fávaro. Foi indicado pelo presidente da sigla, o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Assim, diferentemente do que havia com Geller, que mantinha independência política no cargo, Campos deve trabalhar bem alinhado ao ministro, com o se nota na entrevista a seguir.

Qual sua expectativa ao assumir a secretaria de política agrícola? Pretende implementar algum plano específico?
Quem implementa plano não é o secretário, é o ministro. Sou muito grato ao ministro pela indicação do nome. Sou grato às bancadas do PSD, tanto da Câmara quanto do Senado, por estar referendando meu nome no cargo e ao presidente do partido, o Gilberto Kassab, por estar todo mundo de acordo com a indicação.

Qual o maior desafio que encontra no Mapa?
Para a função de secretário, existe uma série de ações que já estão em curso. A principal delas é o Plano Safra. É garantir a execução daquilo que foi colocado a público e foi exaustivamente concebido e colocado para que os produtores possam estar fazendo uso. Os mais de R$ 400 bilhões da agricultura empresarial e os mais de R$ 74 bi da agricultura familiar.

Cabe a nós procurarmos alternativas para cada vez mais melhorar a oferta de recursos para os investimentos, para o custeio, para que o dia a dia da agricultura brasileira possa estar acontecendo. E sempre, mais uma vez, a orientação vem do ministro. Estaremos aplicando uma política que é do ministério, não é da secretaria. A secretaria é um dos caminhos que são usados para essa política.

O senhor já tinha relação com o agro, antes da política?
Eu sou comerciante, filho e neto de comerciante. Nós temos uma propriedade em São Paulo, em Valinhos, que produziu figo, durante muito tempo. Então eu cresci no meio de plantação de figo. Frequentei a tradicional festa do figo e a Expo Goiaba, que é a festa da Goiaba, desde criança. Frequentei com os meus pais e depois como presidente de entidade. Eu fui presidente da Associação Comercial de Campinas durante muito tempo.

Frequentei, como vice-prefeito de Campinas, como deputado federal e também quando estava nos correios. Frequentei com o Sebrae e representando como superintendente (do Mapa, em São Paulo) e agora será como secretário.

Na sua visão, considerando objetivos que tem hoje, o que seria sinal de uma missão cumprida, ao final de sua gestão na SPA?
Eu passei já por várias funções públicas. E na função pública, você está trabalhando por algo que não é seu. É público. E o que eu sempre procurei ter como norte é entregar melhor do que está recebendo ou descobrir, ao longo dos trabalhos, no que a gente poderia estar contribuindo com a experiência das atividades anteriores e aquilo que pudesse ser aplicado nesse mundo do agro.

Como assim?
O agro precisa também na área dos financiamentos, na área da busca dos recursos, ter novas opções. Se nós pudéssemos trazer o dinheiro barato que está lá fora para o mundo do agro brasileiro, seria aí um grande avanço, um grande avanço mesmo.
E como o Brasil tem uma vertente muito forte na exportação, a lógica diz que não seria alguma coisa tão fora de questão. Mas implementar aquilo que aparentemente tem lógica, são outros 500. Então é instrumentalizar e dar a oportunidade de se trazer esse recurso que está muito mais barato lá fora, aqui dentro, ganhando cada vez mais competitividade.

O uso do mercado de capitais e títulos que conectam o investidor com o capital estrangeiro podem ser um caminho?
Isso, sem dúvida. E também tendo uma preocupação de que os recursos oriundos do Tesouro estão cada vez mais escassos, cada vez mais disputados, cada vez mais olhados com lupa. Naquilo que há 10 anos atrás o agro nadava de braçada com recursos do Tesouro, hoje já não está assim. Pelas limitações orçamentárias é cada vez mais disputado. E o agro tem que procurar alternativas de financiamento.

Pode dar detalhes de como seria esse incentivo ao acesso de capital estrangeiro?
Prefiro não comentar, porque é um assunto que o ministro Fávaro tem uma pressa muito grande. Esse tipo de anúncio tem que partir do ministro.

Sabemos que ele tem conversado com a associação das fintechs, por exemplo...
Também, mas não é só isso. Tem coisas representativas para acontecer, que podem reforçar esse crédito rural com juros mais acessíveis. O objetivo é ter uma oferta maior com custo menor.

"Tem coisas representativas para acontecer, que podem reforçar esse crédito rural com juros mais acessíveis"

Sobre o Plano Safra, uma das críticas do setor produtivo é que os recursos efetivamente liberados têm sido menores do que os valores que são anunciados. O que é possível fazer para minimizar esse problema?
É ter um acompanhamento mais apurado para que aquilo que se disponibilize chegue na ponta. Não é o Ministério que faz isso, tem todos os agentes financeiros que são os responsáveis para que esses recursos cheguem na ponta. Estamos próximos de todos eles, tanto os agentes públicos quanto os privados que têm acesso a esses recursos para fazer com que ele chegue no produtor, lá na ponta.

O senhor está marcando reuniões com os representantes dos bancos?
Ainda não deu tempo, estou no segundo dia.

Outra queixa frequente, nesse aspecto, tem sido a liberação de recursos para os produtores do Rio Grande do Sul, que demora a chegar na ponta.
Especificamente no Rio Grande do Sul, o governo federal, não só no Ministério, fez e está fazendo muito. Muito mesmo. Agora tem a formalização, a parte administrativa, a burocracia, que isso aí dá uma emperrada nas coisas. E só com o convencimento, principalmente dos órgãos de controle, da urgência, do nível de necessidade desses produtores, dessas pessoas, é que os processos poderão caminhar de uma maneira mais célere.

Tem que ter um acordo na formalização e um comprometimento também dos órgãos de controle pela excepcionalidade da situação que nós estamos vivendo. Não dá para tratar do jeito que sempre vem sendo tratado uma situação tão excepcional como essa de catástrofe no Rio Grande do Sul.

Pode explicar melhor?
Aqueles que tinham financiamento e foram atingidos pelo impacto das chuvas, cheia ou enxurrada, você identifica e tem que dar um jeito. Vamos prolongar, vamos dar um prazo, estender.

E tem aquele que era um pequeno, médio produtor rural, um agricultor familiar, que era capitalizado, não ia buscar recursos no sistema financeiro e viu todo o seu patrimônio ir embora. Como é que você socorre esse que não tem esse histórico financeiro? É difícil, porque você não tem esse histórico para mostrar ao órgão de controle.

Você deu a oportunidade dessa pessoa reconstruir sua vida a partir de um capital de giro imediato, um financiamento para comprar o animal, para restabelecer o seu rebanho, consertar ou comprar novas máquinas, reconstruir sua casa, sua silagem. Tem que começar tudo do zero.

E como isso pode ser resolvido?
Estamos conversando para achar uma solução É preciso entender o estado emergencial por que nós estamos passando. É uma condição muito próxima do que ocorreu na pandemia.

Os produtores gaúchos estão solicitando a prorrogação das dívidas que vencem em 15 de agosto. É possível?
Há vários problemas além desta questão do 15 de agosto. Tem essa questão dos produtores que eu citei. Vamos conversar com órgãos de controle como TCU, CGU, todas as esferas, para já fazer a coisa combinada, para que o órgão de controle também veja a situação e sinta também a necessidade de ter uma solução específica para esse momento. Não é uma regra para ser usada para o Brasil inteiro, mas é específica e única para esse momento de uma situação muito especial.

Em relação ao Rio Grande do Sul, uma coisa que temos que ter um olhar mais especial, pode ser uma das soluções, é o fundo garantidor.

Pode detalhar?
O sistema financeiro está emprestando e o ministério está garantindo aquela operação. Porque quem perdeu tudo não tem nada pra dar em garantia. É preciso criar esse fundo garantidor e todo o arcabouço legal. E algo parecido com o fundo garantidor para o seguro rural. Não é só o aporte do tesouro na questão do pagamento do prêmio. É ter um mecanismo que você consiga potencializar e alcançar uma gama maior de operações.

Qual sua expectativa em relação à garantia de recursos para o seguro rural?
A pauta seguro rural chegou para mim na época de deputado. E sempre o disco parece que está quebrado. Fica sempre naquele mesmo lugar. Tem que achar uma solução para o seguro rural. Tem que sair alguma coisa fora da caixinha do que vem sendo feito até hoje. O que é? Não sei. Mas tem que achar uma solução.

A CNA pediu R$4 bilhões para o seguro rural em 2025. É factível?
Agora, recurso de onde? É essa briga com o Tesouro. É achar alternativas para esse tipo de ação. No Plano Safra ficou alocado algo muito próximo de R$ 1 bilhão. Falar em valores para o próximo ano seria uma irresponsabilidade da minha parte.

Mas o senhor vai brigar pra ser quanto?
Vou brigar pra que atenda todo mundo.

Mas não teve ainda uma sinalização?
Estou aqui há 2 dias.

Algumas lideranças têm relatado que muitos produtores já não se enquadram no Pronaf e precisam acessar o Pronaf. Com isso, a alíquota do Proagro ficou bem mais alta. E a situação pode ficar inviável para estes médios produtores, já que os juros são em mais altos que o Pronaf também. É possível ajustar isso?
Aí temos que trabalhar ao longo deste ano aqui na secretaria pra que haja uma solução na proposta do próximo plano Safra. O que tem hoje é o que já está definido. As regras estão ali. Vamos cuidar da execução e do acompanhamento daquilo que foi planejado. Para que não haja esse tipo de colocação recorrente que você divulga, mas não chega.

O senhor está assumindo a secretaria após esse turbilhão que envolveu suspeita de irregularidade no leilão de arroz e afastamento do antigo secretário Neri Geller. Qual sua estratégia para que se consiga virar a página?
A página já virou.

Mas não precisa fazer um pente fino pra ver exatamente se há alguma distorção?
Especificamente no que couber àa secretaria, especificamente no que couber ao ministério com certeza, cada vez mais cuidado.

"O leilão de arroz morreu. O que está na pauta é a opção para o incentivo do plantio do arroz em outras áreas"

E qual sua opinião sobre o leilão de arroz?
O leilão de arroz morreu. O que está na pauta é a opção para o incentivo do plantio do arroz em outras áreas que não no Rio Grande do Sul, para diminuir a dependência do Brasil à produção gaúcha. É a principal ação do ministério especificamente nesse assunto do arroz. O arroz é uma commodity mundial, o Brasil compra e vende. Os especialistas com quem conversei aqui na secretaria me informaram que o que deu uma desestabilizada no mercado é que a Índia, que é o maior produtor mundial, deu uma segurada na exportação. Então aí deu uma desbalanceada.

Alguma outra prioridade, algo que mais lhe preocupe?
Acho que é tirar da pauta esse assunto que você colocou agora. É estabelecer a normalidade.

Vai precisar conversar com o Conab?
A Conab ficou numa situação que é uma gestão compartilhada com o MDA. Está formatado dessa forma. Eu tenho que achar um modus vivendi mais adequado pra essa gestão compartilhada.

Para que isso ocorra não precisará fazer mudanças em políticas ou até mesmo no time?
Estou chegando agora, vamos avaliar. Via de regra as pessoas que trabalham nessa secretaria são pessoas que têm uma memória do que acontece nos últimos 20, 25 anos na área do Brasil. São pessoas muito experientes, todos de carreira e aí tem que ouvir muito quem já conhece. E, no que eu puder, contribuir com a experiência de fora para abrir novas alternativas (de financiamento). Só naquele batidão não vai ser suficiente para segurar o que a safra brasileira precisa.

O financiamento da safra do Brasil é algo de um trilhão e meio (de reais). O governo é praticamente com um terço, é a parte pública. Esses outros dois terços são os agentes financeiros, são as cooperativas, são as traders. Então, tem muita coisa que já é usada por essa turma que a gente tem que ir atrás, saber o que é e aplicar também do lado de cá.

Haverá novidades em relação às linhas de crédito em dólar?
A linha em dólar já está andando bastante. Já tem um volume muito representativo que foi disponibilizado via BNDES. E está para vir mais. Foi um sucesso. E como ele é em dólar, ele tem uma adesão muito maior ao grande produtor, principalmente do Centro-Oeste, que tem sua produção focada na exportação.

Se você tira esse produtor, que pode pegar uma linha em dólar mais barata que é oferecida pelo governo em reais aqui, você libera parte daquele recurso que estava aí e bota no mercado interno para as outras culturas que não são basicamente de exportação.