Se o agro é o maior negócio do Brasil, com cerca de 25% do PIB nacional, tem peso ainda maior na Argentina. No país vizinho, as atividades relacionadas à produção agropecuária e à agroindústria representam mais de 30% do PIB.

Neste domingo, produtores rurais e empresários argentinos foram dormir com uma expectativa positiva, no curto prazo, para a retomada do setor, que vive uma grave crise. A eleição presidencial consagrou o deputado Javier Milei como novo presidente da Argentina nos próximos quatro anos.

Com quase 12% a mais de votos do que seu concorrente, o atual Ministro da Economia, Sérgio Massa, Milei terá o desafio de reerguer a economia – e, para isso, terá de passar obrigatoriamente pelo resgate da atividade no campo.

A expectativa de algumas das principais entidades ligadas ao agronegócio argentino é a de que as proposições econômicas de Milei beneficiem o setor.

Em nota oficial, a Sociedade Rural Argentina saudou a vitória do candidato e declarou que “o novo governo terá o apoio do campo, porque agora se abre uma grande oportunidade para trabalharmos juntos para fazer uma mudança radical nas políticas atuais”.

A entidade também afirmou que há anos alerta os riscos de mercados que sofrem intervenção, cotações nas exportações, distorções cambiais e impostos altos.

“Entre outros fatores, a produção fica estagnada. Trabalharemos lado a lado para que o novo presidente possa suprir a falta de oportunidades que muitos argentinos têm e que nós, produtores, possamos recuperar a confiança para produzir”, completou no comunicado.

Já a Coninagro, entidade que reúne produtores ligados a cooperativas, disse ao Clarín, principal jornal argentino, que vê o setor “no início de uma nova etapa”, e espera que o novo governo “traga bem-estar a todos os argentinos”.

“Esperamos que se fortaleça uma unidade, a busca acelerada de consensos que o campo e nossas cooperativas agroindustriais em todo o país precisam para gerar um trabalho mais genuíno”, disse a Coninagro.

A entidade ainda destacou que Milei “deve resolver urgentemente a inflação, os atrasos e as disparidades cambiais e libertar os mercados para gerar mais exportações”.

Já a Federação Agrária Argentina (FAA) também parabenizou Milei e se colocou “à disposição para contribuir e trabalhar para que o país avance juntos”. As federações alertaram que a profundidade dos problemas da Argentina exigirá amplo apoio e consenso.

Algumas das proposições econômicas do novo presidente em campanha podem afetar o agro logo de início, se confirmadas. Dentre elas, o fim das chamadas retenciones, uma série de impostos de exportação para o país, que está na pauta de promessas feitas pelo então candidato.

Milei prometeu acabar com esse tipo de imposto, que ronda os 10% ao ano, de forma gradativa em até dois anos.

Outra proposta de Milei envolve a chamada “dolarização da economia”, que nada mais é do que transformar a moeda americana na oficial do país vizinho, acabando com o peso.

Para Fábio Silveira, economista e sócio-diretor da consultoria MacroSector, é cedo para avaliar os impactos desse tipo de política. Em primeiro lugar, ele acredita que não é fácil colocá-la em prática.

Para além do apoio institucional e trâmites no Congresso argentino, Silveira avalia que, diferentemente de outros países da América Latina como Equador e El Salvador, que dolarizaram a economia, a Argentina é um país com uma economia muito mais robusta.

“Esses países são pequenos, então é mais fácil regular a questão monetária. E, ao adotar uma dolarização, o país precisa ter muito dólar, coisa que a Argentina não tem. Uma dolarização implantada de forma abrupta pode ser uma catástrofe, pois o país não tem dólar suficiente para abastecer os segmentos básicos da economia”, afirma

Com essa incerteza, o mercado internacional olha com desconfiança para a Argentina, o que acaba aumentando a aversão ao risco local, e por consequência, faz o dólar subir frente ao peso argentino.

Esse movimento, contudo, pode ser benéfico ao agro local no curto-prazo. “As exportações argentinas de soja e milho vão subir e abastecer o mercado internacional, e o preço da soja pode até ganhar uma valorização nesse processo, já que o país também deve ter uma redução nos juros em 2024, além do dólar mais forte que facilita a exportação”, avalia Silveira, da MacroSector.

Na avaliação do argentino Roberto Troster, que já foi economista-chefe da Febraban, a proposta de dolarização deverá ser revista por Milei. Ele avalia que a falta da moeda americana nos cofres argentinos pode gerar inflação em dólar no país ou uma crise de liquidez, ou seja, falta de dinheiro em circulação.

Já as propostas de Milei para dar fim às retenciones e para aumentar as exportações locais, se bem-sucedidas, podem fazer bem ao agro local, segundo Troster.

Por mais que ele não tenha maioria no poder legislativo, o economista avalia que o apoio do ex-presidente Mauricio Macri e de Patricia Bullrich, ex-ministra da Segurança da Argentina que ficou em terceiro lugar no primeiro turno e apoiou o vencedor no segundo turno, podem fazer a diferença.

“Milei é jovem. tem mais energia e, junto desses políticos experientes, pode dar fim às retenciones”, afirma Troster.

A política da dolarização também esbarra em outro discurso de Milei: o fim das relações econômicas com a China e o Brasil.

Javier Milei chegou a declarar em campanha que deixaria de fazer negócios com países que ele considerava “comunistas”, e usou o Brasil e a China como exemplo.

A questão é que as duas falas não se sustentam. Se de um lado Milei quer dolarizar a Argentina e precisa de dólares, o maior recebedor da moeda americana é justamente o agro, que, por sua vez, tem como principal cliente a China.

“As exportações argentinas para a China são fundamentais para que os argentinos mantenham o agronegócio, pois a indústria é minúscula. O país depende do agro, e não pode brincar com a China como se fosse um parceiro inexpressivo”, afirmou Silveira.

Diplomaticamente, apesar do discurso eleitoral de Milei, a China parabenizou a vitória do candidato. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Mao Ning, declarou em coletiva de imprensa que o país asiático “está pronto para trabalhar com o lado argentino para continuar nossa amizade, impulsionar nosso respectivo desenvolvimento e revitalização com cooperação de ganhos para todos e promover o desenvolvimento estável e de longo prazo das relações China-Argentina".

Silveira acredita que Milei deve moderar o discurso ao longo dos próximos meses e também não interromperá essas linhas de negociação.

Somado a isso tudo, a Argentina deve ter uma safra melhor neste ano do que no ano passado.
Na soja, a projeção da Bolsa de Cereais de Buenos Aires é de uma produção de 50 milhões de toneladas na temporada 2023/24, um volume 72,4% acima das 29 milhões de toneladas do ano anterior, que sofreu com condições climáticas adversas.

A área deve aumentar para 17,1 milhões de hectares em 2023/24, avanço anual de 5,6% ano a ano e 2,3% acima da média dos últimos cinco anos.

Para o trigo, que tem o Brasil como um dos principais compradores, houve uma redução de 15,4 milhões para 14,7 milhões de toneladas nas estimativas de produção da safra.

O país vizinho considera que as chuvas das últimas semanas favoreceram algumas áreas, mas não compensam os danos causados pelas geadas e pelo tempo seco durante os meses de inverno.

A preocupação, agora, além do El Niño, é com o clima político que virá após a posse de Milei.