Chapada dos Guimarães (MT) - O timing para a realização da reunião do grupo de trabalho de agricultura do G20 em Mato Grosso não poderia ser pior. As 43 delegações de diferentes países que viajaram ao estado foram recebidas com fogo, muita fumaça e um cheiro forte permanente no ar.

E as chamas continuam. Enquanto a reportagem do AgFeed retornava nesta sexta-feira, 13, do Malai Manso, resort onde foi realizada a reunião, à capital de Mato Grosso, Cuiabá, havia pelo menos quatro focos de queimadas às margens da rodovia MT-351.

Mas se o ambiente era hostil, pelo menos no campo das negociações bilaterais e climáticas, o governo brasileiro considerou o saldo final como positivo: o grupo aprovou, por unanimidade, uma declaração que traz sinalizações desejadas pelo País, como o incentivo à recuperação de pastagens, uma das nossas principais bandeiras no âmbito agroambiental.

“G20 não tem disputa. Ou se aprova por unanimidade ou não se aprova”, disse o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, em entrevista a jornalistas após a última etapa da reunião entre ministros da agricultura do G20, realizada nesta sexta-feira, 13 de setembro.

É a primeira vez em cinco anos que é publicada uma declaração – e não uma carta, como vinha acontecendo. Com a ratificação em um documento, os países signatários se comprometem a adotar as políticas públicas estabelecidas no documento e a colocá-las em prática.

"Conseguimos, com o esforço de todos, uma declaração que certamente dará um novo rumo à produção agropecuária e à pesca sustentável do mundo. Acho que esse é o resumo desses dias de trabalho", disse Fávaro.

O texto final trouxe quatro prioridades: fomento à sustentabilidade da agricultura e dos sistemas alimentares; ampliação da contribuição do comércio internacional para a segurança alimentar e nutricional; o reconhecimento do papel essencial da agricultura familiar, camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais para sistemas alimentares sustentáveis, saudáveis e inclusivos e a promoção da integração sustentável da pesca e aquicultura nas cadeias sociais locais e globais.

Fávaro disse também que houve, no texto, a inclusão da proposta do governo de fazer a conversão de cerca de 40 milhões de pastagens degradadas como modelo a ser inspirado pelos demais países.

“Não podemos criar contrassenso: se o combate à fome é a prioridade, isso está atrelado a mais alimentos sendo produzidos a preços mais competitivos. Onde vamos intensificar a produção de alimentos e que não seja contra o meio ambiente ou sobre as florestas ou cerrados? Uma das formas é a inclusão de novas tecnologias, aumento de produção e produtividade. Isso está na declaração, mas também o modelo brasileiro de ocupar e que deve ser utilizado por todo o mundo.”

“Em todos os espaços do mundo, há terras em estado de degradação que podem e devem ser recuperadas, pelo próprio fato de (trazerem a possibilidade de) geração de oportunidades ambientais, recuperando o que está degradado e passar a produzir alimentos de qualidade em maior volume e maior escala. Foi um exemplo virtuoso que foi aceito por todos e está dentro da declaração”, emendou o ministro.

Mudanças climáticas e livre comércio

O documento menciona também as mudanças climáticas, como também indica que os "impactos acelerados" das alterações do clima estão se manifestando de "forma mais rápida e imprevisível" e estão "exacerbando a insegurança alimentar global" e a "desnutrição".

"Houve o reconhecimento de todos de que as mudanças climáticas chegaram, chegaram para ficar e com muita intensidade", afirmou Fávaro.

“Nós precisamos agir de forma concreta para enfrentar essas adversidades climáticas. Os compromissos firmados com agricultura regenerativa, com combate ao desmatamento, com valorização de boas práticas, o uso de bioinsumos, de tecnologias mais modernas e eficientes, com respeito ao meio ambiente, foram os grandes compromissos firmados”, acrescentou o ministro.

O documento indica que é “essencial desenvolver, compartilhar e implementar rapidamente práticas agrícolas sustentáveis que aumentem a resiliência e mitiguem os efeitos adversos das mudanças climáticas, bem como transformar os sistemas alimentares em nível nacional, regional e internacional.”

A declaração afirma ainda que há uma necessidade "urgente" de ações para "proteger, conservar e restaurar a biodiversidade, florestas, água doce, oceanos, para promover o uso e gestão sustentável da biodiversidade e do solo para alimentação e agricultura, e promover culturas resilientes ao clima, bem como garantir direitos de posse sobre a terra, pesca e florestas e gestão integrada de recursos hídricos.

Para botar em prática tudo isso, o grupo prega cooperação técnica e inovação, "compartilhando melhores práticas e promovendo inovações que abordem os desafios globais de segurança alimentar e nutrição e desenvolvimento sustentável."

Um dos principais pleitos do B20, braço de iniciativa privada do G20 - o acesso financeiro à transformação sustentável - também está no texto, que destaca "a importância de promover o acesso a financiamento, tecnologias inovadoras, treinamento, desenvolvimento de capacidade e serviços de extensão para pessoas sub-representadas e em situações vulneráveis para reduzir desigualdades, especialmente para mulheres, jovens, povos indígenas e comunidades locais."

Em outro trecho, a declaração diz incentivar a "coordenação com instituições financeiras internacionais e outros parceiros de
desenvolvimento para promover investimentos responsáveis em práticas agrícolas", como forma de promover um ambiente de comércio "justo e não discriminatório".

O tema das barreiras comerciais rondou a semana do G20 em Mato Grosso após a carta enviada pelo Brasil à União Europeia, em que o País pedia a suspensão da entrada em vigor da lei antidesmatamento do bloco, prevista para acontecer na virada de 2024 para 2025.

"Um sistema de comércio multilateral transparente, justo, previsível, aberto, não discriminatório, inclusivo, sustentável, equitativo e baseado em regras, com a OMC em seu núcleo, é fundamental para promover mercados globais justos e funcionais, especialmente em tempos de incerteza e crise de segurança alimentar global", diz o texto da declaração.

E, em um momento em que a Petrobras volta a produzir fertilizantes, com o objetivo de tornar o Brasil um player nesse mercado, o texto dedica dois tópicos específicos sobre o assunto.

"Encorajamos esforços para melhorar sua produção e uso sustentáveis e mais eficientes, ao mesmo tempo em que minimizamos impactos negativos na biodiversidade", diz o documento. "Enfatizamos a importância de aumentar o acesso a fertilizantes, inclusive por meio do fortalecimento da produção local de fertilizante", emenda o texto.

O repórter viajou a convite da JBS.