Se antigamente escoar a soja de caminhão, por quase 2 mil quilômetros, das regiões produtoras de Mato Grosso até o porto de Santos já era algo quase “surreal” aos olhos de países desenvolvidos, o Brasil conseguiu nesta safra dar um passo a mais, ou melhor, colocar mais 500km na conta.
Estamos falando de um volume razoável de soja que no último trimestre deste ano, saiu dos estados do Centro-Oeste e acabou sendo exportado pelo porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, que fica a 2.500km de Sorriso-MT, por exemplo.
O AgFeed conversou com o diretor executivo da Anec, Sérgio Mendes, que confirmou o malabarismo logístico que mais uma vez as empresas fizeram para seguir aumentando as exportações de soja.
“A informação que tivemos é que cerca de 400 mil toneladas de soja de Mato Grosso teriam sido levadas para Rio Grande, custando pelo menos R$ 80 a mais por tonelada”, contou Mendes.
O dirigente ressalta que é um volume pequeno em relação ao recorde de 101 milhões de toneladas de soja exportadas que o Brasil está alcançando no ano. “Isso é previsibilidade", disse ele, lembrando que como Mato Grosso está "no meio do País”, uma parte é exportada pelo Arco Norte e outra parte desce para Santos e Paranaguá.
Este ano, porém, o duplo recorde nas exportações de soja e milho deixou Santos e Paranaguá super lotados.
"Em Santos o foco total era o milho e em Paranaguá a espera chegava a ultrapassar 100 dias, por isso as empresas tiveram que buscar outras alternativas”, disse o diretor da Viterra, André Campos, ao AgFeed.
Ao mesmo tempo, o segundo semestre do ano foi marcado pelos problemas com a seca que reduziu a navegabilidade dos rios da região Norte, diminuindo os volumes embarcados em portos como Barcarena e Santarém – portos do chamado Arco Norte . Em outubro, por exemplo, as barcaças tiveram que passar com 50% menos peso pelo rio Madeira e 40% da capacidade, no Tapajós.
Neste cenário, houve espaço para que cargas de estados como Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul fossem destinadas ao porto gaúcho de Rio Grande, que nesta época não tem grande volume para embarcar.
Um levantamento feito pela Anec mostra que o porto de Rio Grande deve fechar o ano com 10,4 milhões de toneladas de soja embarcadas, quase o dobro do volume de 2022, que foi de 5,67 milhões de toneladas.
O embarque mais "atípico" foi justamente em outubro, quando este ano foram exportadas por Rio Grande 2,1 milhões de toneladas de soja, ante pouco mais de 800 mil toneladas no mesmo mês de 2022.
"Foi um ano que veio muita soja de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para Rio Grande, porto que estava oferecendo uma melhor eficiência no carregamento e também prêmios melhores em relação aos outros portos”, relatou Franciele Linck, sócia fundadora da corretora Moeda da Terra, de Pelotas, no Rio Grande do Sul.
Segundo ela, tradings estimam que o volume que desceu para ser exportado pelo Rio Grande do Sul pode ter sido em torno de 2 milhões de toneladas, uma estatística difícil de ser feita no detalhe.
Linck afirmou que, mesmo com o frete mais caro, "ainda valia a pena para as empresas, porque os outros portos estavam com o carregamento muito atrasado”. A corretora considera também que o fato de a região Sul contar com mais disponibilidade de armazéns na comparação com o Centro-Oeste é mais um fator que pode ter influenciado a decisão.
A vantagem de preço vista principalmente em outubro e novembro, já não está ocorrendo em dezembro, segundo a corretora. Na última sexta-feira a soja para exportação em Rio Grande era cotada a R$ 143 reais a saca. Os dados de line up indicam que em dezembro os volumes previstos para embarque no porto de Rio Grande devem voltar a normalidade.
As principais corretoras internacionais também confirmam que o porto gaúcho virou alternativa no final do ano, com o “congestionamento” de navios visto principalmente em Paranaguá.
Flavio Almeida, sócio da ACI Commodities, com escritório em São Paulo, disse que para dezembro, por exemplo, na semana passada não havia soja sendo oferecida por Santos, porto que estava totalmente voltado para o milho. Já para Rio Grande sempre houve indicações de ofertas de compra e venda. "Mas chegava a ser US$ 25 por tonelada mais caro levar para lá”, admitiu. Ainda assim, a operação ficou viável para as tradings, em função da alta demanda pela soja brasileira em 2023.