A cultura do trigo, no Brasil, parece que precisa provar, a cada dia, que merece estar no rol dos principais grãos produzidos no País. Em todas as safras há sempre uma dificuldade: clima, preço, competitividade, janela de plantio, ou todos os fatores ao mesmo tempo.
No final da década de 1980, o Brasil chegou a ser autossuficiente na produção de trigo, que era de 6 milhões de toneladas. Mas na assinatura do tratado que formou o Mercosul, o Brasil abriu mão desta sua conquista para vender produtos manufaturados à Argentina, de onde passaria a comprar o cereal. E assim durante décadas a produção brasileira praticamente não passava de 4 milhões de toneladas por safra.
O cenário só começou a mudar para valer recentemente, 35 anos depois do auge da triticultura. As safras de 2021 e 2022 foram muito boas com alta produção e bons preços ao produtor. Além de uma boa colheita nos estados da região Sul, começou a contar a favor do trigo a expansão para o Cerrado, principalmente em áreas irrigadas.
Em 2023 a previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) era que o Brasil produzisse 10,5 milhões de toneladas.
Consultorias privadas chegavam a apostar que o volume total poderia chegar perto dos 12 milhões de toneladas que o Brasil consome, quase realizando, de novo, a meta da "autossuficiência", que é relativa, porque segundo os especialistas, mesmo produzindo mais, o País seguirá importando e exportando o cereal.
O clima, porém, não permitiu que as projeções se confirmassem, principalmente pela situação nos maiores estados produtores – Paraná e Rio Grande do Sul.
A última estimativa da Conab sugere uma produção de 9,5 milhões de toneladas. Mesmo assim, os técnicos avaliam como um ótimo resultado, já que indica um novo recorde, ficando 23,7% acima da safra anterior.
“Nos últimos anos a área teve um incremento expressivo, especialmente no Sul do Brasil em termos absolutos. Um fator importante para isso foram os preços, que estavam mais valorizados nas duas últimas safras”, disse o agrônomo e analista do setor, Carlos Hugo Winckler Godinho, do Departamento de Economia Rural do Paraná, o Deral.
Godinho explica que o clima foi o principal fator de retração da cultura nesta safra. “As ocorrências de chuvas quando nós estávamos no terço final de nossa colheita e quando o Rio Grande do Sul estava em pleno trabalho de colheita foram fatores extremamente críticos, assim como as temperaturas altas na fração colhida antes do excesso de chuvas", lembrou.
Os estados do Sul enfrentaram fortes chuvas e semanas seguidas sem sol, o que atrapalhou também os cuidados com a lavoura, como o controle de fungos e pragas. “Os números da Conab, para o Paraná, apontam uma redução de 21% em relação ao potencial que tínhamos, devido as altas temperaturas e ao excesso de chuvas. Além disso, tivemos perdas em termos de qualidade”, ressalta o agrônomo.
Perspectiva para 2024
Na visão do analista ainda não é possível afirmar qual vai ser o comportamento do produtor na próxima safra. Ele lembra que os custos de produção estão muito próximos ao valor pago pela saca e que qualquer variação, pode influenciar na decisão do triticultor.
“O que nós já podemos dizer é que para 2024, diferente deste ano, o plantio de milho safrinha, não vai sofrer os problemas de atraso que aconteceram de 2022 para 2023 e, portanto, quando se planta mais milho safrinha, se reduz a área para o trigo, aqui no Paraná”, alertou.
Já em Minas Gerais o cenário é diferente. Segundo o produtor Eduardo Abrahim, diretor da Abrahim Sementes, da região de Araguari, no Triângulo Mineiro, o ano foi de recorde na produção de trigo tropical (as variedades adaptadas ao Cerrado), com excelente produtividade no sequeiro e no irrigado, mesmo que tenham ocorridos problemas pontuais com o clima.
“O mercado aqui está aquecido novamente, tivemos no início da safra (junho até início de agosto) preços remuneradores ao produtor e agora voltaram a níveis até superiores, ou seja, tivemos bom retorno financeiro”, ressalta ele.
Abrahim acredita que 2024 será um ano promissor e justifica: “a perspectiva para ano que vem é de um aumento significativo da área plantada principalmente pelo atraso na implantação das lavouras de soja, ainda temos produtores plantando uma safra que deveria ter encerrado no início de novembro. A janela para o milho safrinha está fechada e a do sorgo também comprometida, restando a janela para o trigo”, avalia o produtor.
Na visão da indústria, o sentimento de como vai andar o setor no próximo ano "parece estar muito pragmático", disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abritrigo), Rubens Barbosa.
Ele concorda que os efeitos do clima reduziram a produção e pioraram a qualidade do cereal dos estados do Sul, fazendo com que os moinhos acionassem o mercado externo para completarem suas necessidades. Com isso, as importações devem ficar entre 6 a 7 milhões de toneladas, segundo a Abitrigo.
“E esta deve ser a tendência para o setor em 2024, ser importador, por conta da redução da produção interna e pela volatilidade dos preços e da cotação nas bolsas internacionais”, concluiu Barbosa.