Há mais mistérios entre o pasto e a gôndola do supermercado do que supõe a nossa vã filosofia. Parodiar uma recorrente citação da peça Hamlet, de William Shakespeare, pode ajudar a expressar o sentimento do executivo e pecuarista Victor Miranda ao assumir a presidência da Associação Nacional dos Criadores de Nelore (ACNB).

Miranda tomou posse semanas atrás com a intenção de atuar para explicar por que, em um momento de quedas expressivas da cotação da arroba do boi gordo no Brasil, não acontece uma redução da mesma ordem nos preços da carne ao consumidor.

Em entrevista ao AgFeed, ele sugere até mesmo colocar o Ministério Público em campo para analisar a atuação dos diversos elos da cadeia.

“Se persistir essa questão de tentarem baixar cada vez mais o preço de quem produz e não transferir essa baixa para a população, isso cabe um estudo da ACNB”, afirma.

“Inclusive a gente tentar fazer uma ação conjunta com o Ministério Público Federal para poder saber por que essa baixa não chegou na mesa da população”, destaca.

A Nelore, como a ACNB é mais conhecida no mercado, representa os criadores da principal raça bovina do País, com 80% do rebanho nacional – e, portanto, fornecedora da imensa maioria da carne consumida no Brasil.

Os associados da entidade têm sofrido com um cenário negativo, como há tempos não se via. Diferente do primeiro semestre de 2022, que apresentou bons preços para o boi gordo, com a cotação média da arroba passando até dos R$ 340,00, os primeiros seis meses de 2023 foram marcados por forte desvalorização.

Para se ter uma ideia, no acumulado de dezembro do ano passado a junho deste ano, o indicador do boi gordo CEPEA/B3 registrou queda de 10%.

O aumento na oferta de animais, somado ao baixo consumo de carne bovina no mercado interno, foram alguns dos fatores que contribuíram para essa redução, segundo o próprio CEPEA, Centro de Estudos em Economia Aplicada, da Esalq/USP.

Mas esta desvalorização está “muito exagerada”, na opinião de Miranda, diretor de pecuária do Grupo Heringer.

“Os atravessadores, os frigoríficos estão forçando muito nessa queda de braço e jogando os preços de quem produz de fato muito pra baixo”, reclama.

“E você não vê isso refletir na gôndola do supermercado. O boi gordo chegou a ser negociado por R$ 350,00 e chegou agora abaixo de R$ 200,00, então houve uma redução muito grande, de mais de 40%”, diz.

Para ele, a suspensão das exportações para a China no início do ano também não justifica a queda drástica nos preços pagos aos produtores, tendo em vista a posterior retomada das compras por parte do principal cliente da carne brasileira. Só no primeiro semestre deste ano, o país asiático comprou mais da metade do volume exportado pelo Brasil.

Além disso, Miranda destaca o aumento nos custos de produção. “Os confinadores, por exemplo, não estão conseguindo fechar a conta”, afirma.

“O preço da ração está muito caro em relação ao preço da arroba. Isso vai terminar por faltar produto, tanto para os frigoríficos quanto para o consumo interno e exportação”.

Vitor Miranda, presidente da ACNB (Foto: Fábio Fattori)

Na visão de Miranda, criadores de bezerros e confinadores são os mais prejudicados no cenário atual. Outro ponto preocupante, segundo ele, é o grande abate de vacas.

“Está exagerado o abate de fêmeas porque o bezerro caiu muito de preço, a reposição está barata. Então começa a não compensar criar. Vai faltar fêmea, vai começar a faltar bezerro, consequentemente o boi gordo vai subir de preço. Isso não é bom para ninguém”.

Para o pecuarista, a conjuntura atual aponta para uma recuperação dos preços do boi gordo nos próximos quatro ou cinco meses, enquanto a valorização do bezerro só deve ocorrer a partir de 2025.

Líder na produção de carne

Apesar da conjuntura desfavorável ao produtor, para o presidente da Nelore o Brasil tem total condição de se tornar o maior produtor de carne bovina do mundo. Hoje o País ocupa a segunda posição, atrás dos Estados Unidos.

Diretor do Grupo Heringer, Miranda é atuante no chamado mercado de gado de elite, que investe no melhoramento genético do rebanho.

Com cerca de 4 mil matrizes no plantel, a Nelore Heringer, pertencente aos fundadores da indústria capixaba de fertilizantes, é uma tradicional marca do setor, com quase três décadas de trabalho na pecuária.

Para Miranda, os investimentos que estão sendo feitos no setor, sobretudo por confinadores, devem ajudar o País a conquistar, em até cinco anos, o posto de maior produtor mundial de carnes.

Contam a favor do produtor brasileiro, segundo ele, o preço competitivo da proteína brasileira e a sustentabilidade.

“O pecuarista profissional, que é produtor de carne e produtor de grãos, respeita 100% a questão ambiental. Ele sabe que se fizer qualquer coisa isso vai trazer danos a marca da carne dele”, finaliza Miranda.