O ano de 2023 não foi uma jornada fácil para produtores de leite. O cenário teve queda no preço, custo de produção elevado, e ainda o desequilíbrio na competitividade com o aumento nas importações de lácteos de países do Mercosul, situação que poderá persistir em 2024.

No primeiro trimestre deste ano o problema foi mais intenso. De acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), de janeiro a maio as importações de leite em pó cresceram 333% em comparação com o mesmo período de 2022.

Uma projeção feita recentemente pela CNA, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, indica que as importações totais deve fechar o ano com volume equivalente a 2,2 bilhões de litros de leite em 2023. A entidade diz que de janeiro a janeiro foram 1,9 bilhão de litros, avanço de 90%.

“O maior desafio em 2023 foi competir com as importações de leite em pó do Mercosul. Isso demonstra o quanto ainda precisamos aprender a jogar no mercado internacional de leite. Fomos pegos de surpresa e tivemos baixa capacidade de resposta frente a grande desvalorização do peso argentino e ao novo cenário mundial com a redução das compras da China", disse Geraldo Borges, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite).

O dirigente afirma que é necessária uma maior organização da cadeia do leite no Brasil. A produção brasileira este ano, segundo Borges, deve ficar abaixo do volume registrado em 2022, que foi de 34 bilhões de litros.

“Além da questão do Mercosul, o clima prejudicou o Sul do Brasil com excesso de chuvas e houve seca nas demais regiões", lembrou.

Borges diz que dois fatores macroeconômicos também contribuíram com o desestímulo à produção. "O primeiro foi a queda no consumo de lácteos pelo brasileiro e o segundo foram as incertezas econômicas nacionais provocadas pelos movimentos inflacionários da economia mundial”, ressaltou.

Cenário para 2024

Depois de uma pressão do setor, em 2023, com protestos de produtores rurais e mobilização de lideranças em Brasília, o Ministério da Agricultura divulgou um decreto em outubro com objetivo de frear as importações de leite.

A medida busca priorizar o mercado interno propondo que a indústria que compra leite in natura do produtor nacional tenha incentivo fiscal e, assim, garanta um repasse de preço melhor ao pecuarista.

Juliana Pila, analista de mercado da Scot Consultoria, acredita que em 2024 "os preços ao produtor devem trabalhar com a curva normal de preços acompanhando a curva de produção, algo que neste ano de 2023, devido ao aumento nas importações ,não aconteceu".

A CNA prevê que produção nacional de leite em 2024 fique estável, com volume de 34,1 bilhões de litros. A chance de melhora no preço, portanto, dependeria de uma possível redução nas importações.

Para Geraldo Borges, da Abraleite, o cenário deve continuar complicado no próximo ano, porque mesmo com as tecnologias que melhoram a produtividade, o pecuarista brasileiro tem dificuldade para competir.

Ele cita o exemplo dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, que possuem a Aliança Láctea do Sul, uma associação que trabalha com objetivo de adequar o leite dessa região para o mercado internacional.

"Eles já estão preparados no quesito qualidade do leite, sanidade do rebanho e vontade de exportar. Mas falta uma redução no custo de produção para que consigam ser mais competitivos", diz.

Borges afirma que o mercado internacional tem operado com preços abaixo de R$ 1,50 por litro. "A tarefa não é fácil, mas estão trabalhando na missão”.

A alimentação do rebanho representa entre 45% e 55% do custo de produção no leite. Para Borges, uma saída é fazer a integração lavoura e pecuária que resulta na fabricação própria de insumos, para a nutrição dos animais.

“Os produtores que desempenham melhores práticas nesses itens, são mais competitivos. Uma frase muito falada no nosso meio é ‘para ser um bom produtor de leite é preciso, primeiro, ser um excelente agricultor’, ou seja, produzir alimentos mais baratos e de melhor qualidade para o rebanho leiteiro, sendo em todas as categorias, dos animais jovens até os em produção”, diz o presidente da Abraleite.

Margens apertadas

A primeira metade do ano de 2023 foi marcada por uma menor produção, o que colaborou para o cenário de alta nos preços com as cotações trabalhando em patamares acima do registrado em anos anteriores.

De acordo com dados da Scot Consultoria, o ano começou com preços de janeiro, média nacional, a R$ 2,38/litro (valor pago ao produtor, sem o frete). Os valores começaram a subir e em maio foi registrado o pico do ano, com R$ 2,56/litro. No segundo semestre, o cenário foi de queda e em novembro, por exemplo, chegou a R$ 2,06/litro, redução de 23% em comparação a novembro de 2022 (R$ 2,53/litro).

Somando a queda nos preços com a alta no custo de produção, os lucros estão ficando mais estreitos a cada mês. “A margem do produtor em novembro, por exemplo, dada pela diferença entre o preço do leite e o indicador da Scot Consultoria de custo de produção, piorou 7,6 pontos percentuais em novembro/23, em relação ao mês anterior”, diz Juliana Pila.

Para 2024, o cenário não é animador. “Os preços do leite pago ao produtor devem continuar recuando até o primeiro trimestre de 2024”, diz Juliana Pila, analista de mercado da Scot Consultoria. “Com o retorno das chuvas, sazonalmente, há maiores volumes de leite sendo produzidos devido a melhora na condição das pastagens. Assim, com a maior oferta de matéria-prima, os preços tendem a diminuir”, afirma.

Ela destaca o que mais pode impactar o setor. “Os pontos de atenção para o próximo ano são em relação ao clima com efeitos do El Niño na produção nacional de leite e grãos; aumento da produção doméstica de leite na China, que pode diminuir as importações do gigante asiático e pressionar os preços no mercado internacional e influenciar na importação de lácteos brasileira”, diz.

Na fazenda, produtor busca alternativas

O produtor de leite, José Ricardo Vilkas, relata que observou essa montanha russa nos preços na fazenda Estância Santa Felicidade, em Angatuba, no interior de São Paulo.

“Eu até que comecei o ano otimista porque com a venda do leite eu estava pagando o custo de produção e obtendo alguma renda, mas de junho para cá esses valores foram caindo e agora, em dezembro, a situação que estou esperando para encerrar o mês e mesmo concluir o ano para fazer o balanço é alarmante, não está fechando a conta”, afirma.

Na fazenda de Vilkas, há alguns anos ele tirou as vacas do pasto e inaugurou o primeiro barracão de compostagem, que é um sistema de criação em confinamento. O método proporciona conforto ao animal, com sombra, cama macia e descanso intensificado. O resultado foi a melhora na capacidade reprodutiva dos animais e aumento na produtividade do leite, que passou de 90 vacas e 1.600 litros de leite por dia, em 2015, antes do confinamento, para 220 vacas e 9 mil litros de leite por dia, em 2023.

Os ganhos também foram ampliados em função da integração entre pecuária e lavoura. Os resíduos das vacas no barracão de compostagem geram um adubo riquíssimo que, no caso do Vilkas, é aplicado na lavoura de soja e milho.

Ele colhe os grãos e destina parte para a nutrição dos animais. O restante é vendido no mercado. Segundo ele, sobra para comercializar porque a produtividade com o “super fertilizante” tem aumentado a cada safra.

A fazenda também vem investindo em práticas voltadas ao bem-estar animal.

“O preço do leite e das commodities não dependem de mim, não posso fazer nada. Então, eu volto meus olhos para dentro da porteira. O casamento agricultura e pecuária me rendeu esse composto para a lavoura. Outro manejo que eu busco aprimorar a cada ano é criar tecnologias e mecanismos para melhorar o conforto das vacas. Quanto melhor for o dia delas, mais elas produzem”, afirma.

Para 2024 o plano de Vilkas é aumentar o rebanho. Para isso, os investimentos começaram já em 2023, onde desde o segundo semestre ele deu início a construção do segundo barracão de compostagem para abrigar mais animais.

“Hoje eu tenho 220 vacas e o projeto é que em 2024 chegue a 300 animais em lactação. E um detalhe: essas novas vacas são de cria da própria fazenda, pois com o conforto proporcionado pelo barracão elas são mais reprodutivas. Se tudo der certo, ano que vem a minha produtividade será de 10 mil litros por dia", diz.