O mercado projeta preços mais firmes para a pecuária de corte ao longo deste ano, puxados por uma oferta menor e expectativa de maior demanda.

Neste cenário, analistas consideram que haverá menos animais para o abate, uma possível melhora no consumo per capita de carne pelo brasileiro e ainda reflexos de mais um ano de influência do El Niño, o que pode afetar o vigor das pastagens.

“Com isso, a oferta pode diminuir e melhorar a margem de preços de venda. Um movimento possível é que os pecuaristas antecipem o descarte de matrizes ou atrasem a oferta de boiadas gordas. O mercado hoje sinaliza para uma diminuição de oferta e preços firmes até março”, diz Ana Paula Oliveira, analista de mercado de pecuária de corte da Scot Consultoria.

Outro ponto que fortalece essa previsão é uma certa estabilidade nas exportações de carne bovina, em volume. Segundo a Abrafrigo, que representa a indústria, foram exportadas 2,5 milhões de toneladas do produto em 2023, um avanço de 8,15% em relação ao ano anterior. A receita, porém, teve queda de 17% no período.

A média esperada de preços para 2024 é de R$ 270 por arroba, o que pode ser baixo no comparativo com 2022, que chegou a R$ 350, mas ao olhar para 2023, onde o registro bateu R$ 180 a arroba, os números são mais animadores para os pecuaristas.

Apesar da previsão de preços mais firmes para 2024, segundo os analistas ouvidos pelo AgFeed, um cenário de maior estabilidade só é esperado para 2025.

Os especialistas dizem que a oportunidade de aumentar a margem de lucros para o pecuarista em 2024 pode estar na compra de animais de reposição, que devem oferecer preços mais atrativos.

Talvez esses preços para o ano que vem sejam menores dos que foram praticados neste ano, mas ainda assim serão interessantes, na opinião da analista de mercado.

No grupo Campanelli, considerado o maior confinamento do Brasil, com abate de 100 mil cabeças por ano, no interior de São Paulo, a expectativa não é diferente.

“Aqui fazemos o ciclo completo, cria, recria e engorda. Então, para 2024 temos pontos de atenção em relação ao custo de produção que pode aumentar e aos preços da arroba, que eu acredito que fique na casa dos R$ 250, com oscilação de R$ 15, para cima ou para baixo”, diz Pedro Terencio, diretor do grupo Campanelli.

De qualquer forma, ele considera que o mercado traz também oportunidades:  “Como confinadores, esse cenário pode ser bem interessante. Pretendemos comprar animais de reposição. É um momento de adquirir mais unidades com um preço melhor, podendo ir além da reposição e aumentar o rebanho”.

Adriano Lopes, diretor do grupo Ilma Agropecuária que conta com três mil cabeças da raça Canchim em Angatuba (SP), diz que para 2024 a empresa pretende ir na contramão do mercado, projetando lucros para 2026 e 2027.

“Ao contrário de outros pecuaristas, aqui na Ilma não vamos diminuir o rebanho. Vamos manter o que temos hoje”, afirma. Para isso, estamos investindo em qualidade da pastagem e técnicas que vão contribuir nesses resultados a longo prazo”, diz.

“Em 2024 não vamos investir em estratégias de retorno imediato, vamos comprar animais de reposição mais baratos para colher os ‘frutos’ lá na frente ", conclui Lopes.

Ano de 2023 não deixa saudades

No grupo Ilma, onde dos 3,38 mil hectares, 60% são destinados à pecuária, a comercialização do gado destinado ao corte, no início de 2023, atingiu R$ 380 por arroba, mas no final do segundo trimestre os valores caíram drasticamente.

“Dos R$ 380 foi para R$ 200. No meio do ano tivemos que vender por R$ 180 a arroba, quase a metade do que recebemos em janeiro. No último trimestre do ano conseguimos dar uma recuperada vendendo a R$ 230.. O resultado de 2023 foi um desequilíbrio nas finanças. Nosso caixa trabalhou no vermelho, não deu para fechar as contas”, disse Lopes.

Essa conta também foi difícil de fechar no mega confinamento Campanelli. Terencio explica que a queda nos preços observada neste ano atingiu do pequeno ao grande pecuarista.

“Para nós, em termos de margem de lucros, 2023 foi o pior dos últimos dez anos. A maior parte do nosso custo de produção está na reposição, que é o momento da compra do boi magro. Nesse sentido, foi um jogo de tentar acertar as contas. Fizemos negócios comprando o boi de reposição baseado nos valores da arroba praticada naquela semana e quando chegava o mês seguinte o preço de venda do abate já tinha caído novamente. Foi desafiador”, diz.

O cenário de 2023 é considerado por especialistas do setor como um dos piores da história recente da pecuária de corte brasileira. Houve desequilíbrio na oferta e demanda no mercado interno, que fizeram os preços da arroba do boi despencaram.  Para completar, houve um caso atípico do mal da vaca louca no estado do Pará que provocou 29 dias de embargo nas exportações de carne para a China, principal comprador da proteína brasileira.

A Scot Consultoria explica que esse movimento começou antes de 2023.

“Com a forte retenção de matrizes em 2021, a safra de bezerros foi muito boa, e isso puxou os preços de bovinos de reposição para baixo, gerou um desestímulo à cria e mais fêmeas foram abatidas. Até junho, os abates registraram 15,7 milhões de cabeças (+8,0% em relação ao mesmo período em 2022), com a participação de 44,1% de fêmeas - o ano com a maior participação de nossa história”, diz Ana Paula Oliveira.

A consequência foi uma oferta maior do que demanda. “Tivemos uma maior oferta de carne, por conta da maior produção (volume mais alto de abate), queda na exportação, aumento na disponibilidade interna de carne bovina, estimulando a indústria a pagar menos por ‘essa carne’, uma vez que o escoamento seguia enfraquecido no país”, afirma.

A Scot acredita que 2024 ainda não sofrerá os impactos da redução de fêmeas de 2023, mas será um ano de transição com a oferta de bezerros refletindo o primeiro ano de abate de fêmeas no atual momento do ciclo pecuário de preços, podendo estimular a retenção de matrizes.

Contudo, o impacto será sentido em dois anos. “O maior ímpeto de retenção deve ficar para 2025, resultado do forte descarte de 2023 e de uma estação de monta pouco estimulada atualmente”, destacou a analista.