A janela para uma definição sobre a entrada em vigor do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, que criaria melhores condições para o comércio entre os dois blocos, se fecha a cada dia. O governo brasileiro e lideranças do agronegócio apostam, entretanto, que a diplomacia vai vencer e o termo, assinado em 2019, será ratificado ainda em 2024.
Isso porque apostar em 2025 – com Donald Trump de volta ao poder, suas ameaças de impor tarifas de 10% sobre importações e a resposta na mesma moeda das outras nações - é correr o risco de se ver em um cenário adverso, de aumento no protecionismo comercial ao ponto de inviabilizar qualquer acordo.
“Sou otimista e creio que, sim, vamos chegar a um acordo. O momento é de aparar as arestas. Acho que as condições estão colocadas, há interesse dos blocos, o momento político é importante e nunca tivemos tão perto de assinar. Ou de não assinar”, disse ao AgFeed o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Luis Rua.
De acordo com ele, a Cúpula do Mercosul, nos dias 5 e 6 de dezembro, no Uruguai, pode ser a oportunidade para a negociação ser ratificada. Rua participou, nos últimos dias, da reunião de outra cúpula, a do G20 no Brasil, e avaliou que as reuniões bilaterais e a presença de líderes globais podem ter ajudado, indiretamente, a destravar o acordo UE-Mercosul.
Além de Trump, entre os pontos que freiam a entrada em vigor da aliança dos blocos estão justamente o agronegócio - especialmente de agricultores franceses - e a pressão para que países do Mercosul cumpram regras e acordos climáticos e contra o desmatamento.
Bastou o presidente da França, Emmanuel Macron, vir ao Brasil para a reunião do G20 para produtores de seu país retomarem os protestos contra o acordo comercial, que, teoricamente, nem seria pauta da reunião de cúpula no Rio.
Agropecuaristas franceses querem garantias que os produtores do Mercosul seguirão as regras rígidas da União Europeia para pesticidas e antibióticos, por exemplo.
A ministra da Agricultura francesa Annie Genevard disse a uma rádio local que o país e outros membros da UE, como Holanda, Itália e Polônia, tentam um veto minoritário ao acordo “que não é bom e cristaliza o profundo descontentamento dos fazendeiros.”
A resposta dada a ela veio do primeiro ministro alemão, Olaf Scholz. Em solo brasileiro, ele considerou inaceitável a ideia de uma minoria barrar a concretização de uma negociação que se arrasta há muitos anos.
O chanceler já havia sido uma voz forte também na proposta do adiamento da entrada em vigor da EUDR, nova legislação antidesmatamento da União Europeia, confirmado no fim da semana passada pelo Parlamento Europeu.
Já o ministro brasileiro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou, em entrevista à Times Brasil, que “se não fosse pela França”, talvez o acordo já estivesse em vigor. “Protesto faz parte”, completou Rua, do Ministério da Agricultura.
Nem todos, no entanto, estão otimistas. Uma importante liderança do agronegócio brasileiro, que participou de parte das negociações entre os dois blocos durante décadas, é cética em relação a um acordo.
Segundo essa liderança, a pressão dos produtores europeus por regras isonômicas é absurda e cria um ambiente protecionista na Europa capaz de impedir qualquer acordo. Outro fator são as barreiras tarifárias de Trump, que terão um efeito dominó no mundo inteiro.
Otimista, mas cauteloso, Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone, avalia que o processo de negociação e as próprias reuniões como a do G20 permitem amadurecer pautas multilaterais importantes como a agenda ambiental de produção sustentável e a agenda climática, bem como fomentar a entrada em vigor do acordo UE-Mercosul.
“Eu entendo que a oportunidade do G20 como uma forma de tentar destravar o acordo e definitivamente colocá-lo em vigor é bastante peculiar e espero que seja exitosa”.
No entanto, França, de um lado, e Argentina, do outro, são as maiores ameaças para que o acordo entre os dois blocos entre em vigor, na avaliação de Lima.
“A França é um país protecionista e é um dos poucos países europeus, senão o único, que está ainda reticente quanto à ratificação do Acordo de União Europeia e Mercosul. Se o G20 vai permitir amadurecer e se colocar o acordo em vigor, com que ele seja ratificado nos parlamentos nacionais e entre em vigor, ainda é incerto, mas a França é a pedra no sapato, é um país extremamente protecionista, que sempre deixou claro que o agrobrasileiro não é sustentável, não é correto, não é adequado”, disse.
Para o especialista, o problema da Argentina é a proximidade do presidente Javier Milei com Trump, e a possibilidade de o país sulamericano deixar o Acordo de Paris, acompanhando o movimento que o presidente eleito dos Estados Unidos venha a fazer após assumir.
“Vejo França e a Argentina como potenciais ameaças contundentes ao Acordo da União Europeia e do Mercosul. E se esse acordo não entrar em vigor, joga-se fora uma oportunidade de mais de 20 anos de negociações regionais para criar um grande bloco comercial, que pode beneficiar os dois blocos”
O secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Luis Rua, considera que a Argentina tem muito interesse no acordo, pois ampliaria ao país um mercado importante de proteína animal e soja. Sobre a ameaça de Trump, Rua avalia que a pressão do presidente eleito dos Estados Unidos pode fortalecer os dois blocos e facilitar o acordo.