Depois de quase dois anos como Secretário de Comércio Internacionais do Ministério da Agricultura em Brasília, Roberto Perosa mudou de endereço.

Há quase um mês, desde que assumiu a presidência da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), durante a semana ele mantém residência em São Paulo, a poucos passos da sede da entidade.

“Posso vir a pé para o escritório e economizar tempo importante para o dia”, pondera o executivo, que sabe bem o quanto o trânsito da capital paulista pode consumir da agenda.

E tempo é justamente o que ele não quer desperdiçar. Desde que chegou à Abiec, Perosa vem trabalhando a todo vapor.

Entre as metas para seu primeiro ano à frente da entidade está a abertura de novos mercados - algo que Perosa tem expertise em fazer. À frente da Secretaria, entre janeiro de 2023 e outubro de 2024, o Brasil abriu 200 novos mercados para produtos agrícolas.

Nesta entrevista ao AgFeed, Perosa contou mais detalhes sobre os planos para ampliar as exportações de carne bovina em 2025 e também sobre o papel de destaque que o Brasil vem conquistando no mercado internacional.

“As exportações cresceram 26% em um ano e sem deixar de abastecer o mercado interno, que consome 70% da carne produzida. Nenhum outro setor cresceu tanto quanto a carne bovina brasileira”, afirma.

“Nós chegamos a quase US$ 13 bilhões exportados esse ano e a tendência é crescer mais, lembrando que ainda tivemos a desvalorização do dólar. Se fosse um dólar de 4,90, 5 reais, as exportações já teriam passado de US$ 14 bilhões”.

Para 2025, ele revela que a perspectiva é de mais crescimento, puxado não só pela abertura de novos mercados, mas também pelo aumento da demanda em mercados já existentes.

O déficit na produção de carne bovina nos Estados Unidos, cujas exportações diminuíram, também devem contribuir.

“Os países do mundo que querem comprar carne hoje, em grande volume, só tem um lugar para vir. Isso também contribuiu para o incremento das exportações”, diz.

Ele avalia ainda que essa demanda deverá seguir firme por até três anos, devido à dificuldade de recuperação dos rebanhos bovinos nos EUA.
Com a perspectiva de abertura de novos mercados, Perosa prevê que 2025 seja um ano de novos recordes.

“Estou muito animado. Nós temos uma projeção de crescimento entre 10% e 12% na receita e no volume. É claro que isso depende de uma série de variáveis, obviamente, mas se os mercados forem abertos, deveremos ter novos recordes”,prevê.

Entre os mercados prioritários, Perosa destaca Japão, Coreia do Sul, Turquia e Vietnã. Segundo o executivo, esses mercados representam quase 30% do consumo de proteína bovina no mundo e o Brasil ainda está “de fora” deles.

“Exportamos para mais de 157 países, mas não para esses quatro. Então nós estamos exportando para 70% e tem 30% de potencial que ainda está fora. É um número muito relevante”.

Perosa explica ainda que esses mercados demandam cortes dianteiros, a exemplo dos que já são enviados para a Ásia e que são pouco consumidos no Brasil, onde 70% da carne brasileira é consumida.

“Aqui no Brasil, esses cortes não têm tanto valor agregado, porque não é cultural e não existe grande demanda. Mas na Ásia são muito demandados. A única exceção é a Turquia, onde pode haver demanda por cortes premium.”

Além do aumento do volume,esses países pagam um preço até 30% mais alto pela carne bovina. “E nós, sendo os maiores exportadores de carne bovina do mundo, não podemos ficar fora, porque os nossos competidores estão presentes nesses mercados”.

“Além disso, os preços da carne bovina nesses mercados são altos, então os exportadores vendem neles e depois entram com uma medida mais barata em outros mercados, prejudicando a nossa competitividade. Por isso, é importante que a gente esteja presente também”, pondera.

Segundo o executivo, as negociações com esses mercados já haviam sido iniciadas no ano passado, quando ele estava na Secretaria, e estão próximas de avançar. “Eu diria que os mercados mais próximos hoje são o Japão e a Turquia”.

Promoção internacional

Como parte da estratégia para a expansão de mercados, ele destaca ainda a ampliação da parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex-Brasil) para a promoção da carne bovina brasileira por meio da marca Brazilian Beef.

“Essa parceria com a Apex é fundamental, faz com que a gente abra novas possibilidades de mercado, tanto para cortes convencionais quanto de carnes de maior valor agregado”.

Além disso, a Abiec, que hoje conta com um escritório em São Paulo e outro em Brasília, deverá ter três escritórios internacionais ainda no primeiro semestre de 2025.

"Quem quer comprar carne hoje, em grande volume, só tem um lugar para vir"

“Estão previstos um escritório em Washington, em Bruxelas e um em Beijing, na China, para cuidar desses importantes mercados que têm diferentes concepções e demandas”.

“Na Europa, por exemplo, queremos desmistificar qualquer coisa que tenha sobre a produção brasileira. Na China, por ser o grande mercado consumidor, é fundamental estarmos presentes. E a Apex vai ser a nossa parceira. Tanto que os escritórios da Abiec deverão ser próximos aos da Apex nesses países.”

Ele explica ainda que a presença da Abiec em feiras internacionais também será ampliada.

“Nós costumávamos participar de duas, três grandes feiras internacionais por ano e algumas pequenas feiras menores. Nós estamos incrementando isso, querendo passar isso para 15 feiras anuais, vamos quintuplicar o trabalho de promoção comercial do Brasil”, calcula.

Outra coisa que deve mudar é o posicionamento durante as feiras internacionais. Tradicionalmente, a Abiec costumava fazer um churrasco brasileiro nos estandes, para apresentar a carne bovina aos visitantes.

Perosa explica que, para os próximos eventos, a Abiec estuda firmar parcerias com chefs locais para apresentar pratos tradicionais dos países feitos com a carne bovina “made in Brazil”.

“Temos avaliado essa possibilidade de utilizar a carne bovina em receitas locais, para aproximar o nosso produto da realidade de cada mercado. É mais fácil adaptar os costumes com as receitas locais, utilizando a carne brasileira, do que levar apenas o Brazilian Steak”.

Outra prioridade da Abiec para 2025 é trabalhar as questões tarifárias. Perosa explica que, em alguns mercados, os concorrentes do Brasil possuem tarifas mais competitivas. Para ele, é preciso aumentar o debate em torno do assunto para alinhar a competitividade.

“É importante trabalharmos junto com o governo para estimularmos esse debate, a fim de criar condições de igualdade de competição para acessarmos os mercados de forma mais igualitária”, pondera.

Apetite chinês

Depois do crescimento da participação da China nas exportações de carne bovina nos últimos anos, Perosa acredita que a demanda continuará grande, mas não deverá crescer no mesmo ritmo de anos anteriores.

“Do final de 2022 para cá, a importação de carne bovina chinesa se estabilizou, mas a participação do Brasil aumentou. Não é que a China esteja consumindo mais. A importação chinesa está em torno de 3 milhões de toneladas fixas nesses últimos anos. A participação brasileira nesse montante é que aumentou”.

Segundo Perosa, a China está optando pelo Brasil como parceiro preferencial nas suas importações por uma série de questões logísticas. “E isso nos traz uma grande responsabilidade, mas também um atestado de garantia, de qualidade e de competitividade da nossa carne”.

O presidente da Abiec explica que entre os fatores que colaboram para essa boa relação está o fato de que o Brasil tem capacidade de oferecer o volume e a qualidade exigidos por aquele mercado. “Nós estamos prontos para atender as demandas. De onde vier a demanda nós vamos atender”.

No entanto, ele destaca a importância de diversificação de mercados como estratégia comercial.

“É sempre importante diversificar. Não podemos apostar tudo em um cliente só. Por isso a abertura de novos mercados tem essa importância. Até porque existem situações geopolíticas que podem acontecer e afetar a demanda de um mercado ou outro”.

Outra vantagem competitiva da carne brasileira está na variedade de produtos e na rapidez para atender à crescente demanda global.

“Nos últimos anos o Brasil veio se tecnificando tanto, imprimindo tanta tecnologia nessa área frigorífica e na produção de bois que hoje nós conseguimos atender todas as frentes: a carne ingrediente, a carne gourmet e a carne premium. Isso faz do Brasil um fornecedor completo para qualquer país do mundo”.

Sobre o anúncio de salvaguarda feito pelo Governo Chinês no final de dezembro, o executivo explica que o processo, aplicado a todos os exportadores da carne bovina, pode durar até oito meses e não impacta os embarques da proteína.

“A salvaguarda é uma análise da indústria nacional sobre a competitividade frente à indústria internacional. Não há o grave dano à indústria nacional e tampouco a subida repentina da importação. No caso do Brasil, que vem exportando de forma constante, menos ainda. Vamos acompanhar as investigações, apresentar as nossas razões e auxiliar o governo chinês no que for possível para que eles tenham os resultados”.

Ele explica que, nesta terça-feira, assinou a petição credenciando a Abiec como representante de todas as indústrias brasileiras junto ao processo de investigação do governo chinês.

“Todas as informações que eles solicitarem, nós vamos repassar para contribuir com as análises”.

Ele destaca o papel que o Brasil tem no mercado internacional, de complementar a oferta de proteína nos mercados. “O Brasil não está lá para competir e roubar o espaço dos produtores locais. A carne brasileira chega para complementar a demanda daquele mercado, como no caso da China.”

Como resultado, há a garantia de maior variedade à disposição do consumidor local. Isso evita a alta da inflação dos alimentos nos países, melhora o acesso da população a produtos de qualidade além de contribuir para a segurança alimentar do mundo”.

Posicionamento do Brasil para o mundo

Depois das declarações polêmicas do CEO do Carrefour, criticando a qualidade da carne brasileira e do executivo da Danone anunciando a suspensão de compra de soja do Brasil no ano passado, Perosa explica que 2025 será o ano de mostrar ao mundo o trabalho de excelência que o país vem fazendo na produção agrícola.

“Além do Brasil na presidência dos BRICS, nós teremos a COP30, é um ano em que teremos a oportunidade de estabelecer um diálogo e mostrar o trabalho que fazemos, que é diferente do que as pessoas imaginam mundo afora. Esses problemas recentes com a União Europeia acontecem por falta de conhecimento dos métodos produtivos brasileiros”, avalia.

Como parte da estratégia de combate aos ataques que o setor sofre, ele explica que está a ampliação da participação da Abiec em eventos internacionais de sustentabilidade.

“Mas é importante termos a consciência de que nós somos um grande player internacional, e que sempre seremos atacados. Às vezes, o ataque vem sob uma justificativa, mas na realidade o objetivo é preservar o mercado para determinado país. É algo com que teremos de conviver sempre”.

“Claro, há sempre espaço para melhoria da comunicação, temos que investir nisso, as empresas estão muito conscientes sobre a importância desse trabalho, mas sabemos que é algo que não vai mudar tão rapidamente”.

Sanidade e rastreabilidade

A sanidade do rebanho brasileiro é outro ponto de destaque dentro da estratégia do Brasil e que segue sendo uma vantagem competitiva do setor.

Enquanto novos casos de febre aftosa surgem em rebanhos da Alemanha, o Brasil se prepara para ter seu status como país livre de aftosa sem vacinação, anunciado em 2024, oficializado pela Organização de Saúde Animal, em evento previsto para maio.

“Esse status é inédito para o Brasil. Alguns estados eram livres de aftosa sem vacinação, e graças ao trabalho intenso do Ministério da Agricultura, conseguimos elevar a condição do país”.

“Assim como a China é com carro elétrico, nós somos com carne bovina, com outros produtos do agro. Cada país tem seu papel”

Para Perosa, o anúncio também é uma oportunidade para o Brasil.

“Mais uma vez iremos comprovar a sanidade do rebanho brasileiro. Cada vez mais o Brasil vai dando demonstrações de que tem produção sustentável e com grande qualidade. Essa atualização do status, vai abrir outras possibilidades de mercado”.

Ele destaca ainda que “por conta das características naturais do Brasil, de clima, terra, gente vocacionada, nós somos muito competitivos. Assim como a China é com carro elétrico, nós somos com carne bovina, com outros produtos do agro. Cada país tem seu papel de fornecer algo para a comunidade global”.

Outro “sinal” positivo do Brasil para o mercado internacional está no plano de rastreabilidade individual lançado em dezembro pelo Ministério da Agricultura.

“É claro que há um prazo para isso acontecer, mas esse plano é um sinal muito forte para o exterior, de que nós vamos ter uma disciplina nesse segmento”.

Ele destaca ainda a plataforma Agro Brasil Mais Sustentável, que traz uma verificação de diversos itens, de certificação trabalhista, tributária, enfim, todos esses itens que já tem no governo, de trabalho legal, etc.

“Junto com essa questão da rastreabilidade, vai trazer ainda mais garantias sobre a produção brasileira. Então, as narrativas vão se transformando, porque não tem mais o que você questionar na produção brasileira. Ah, tem rastreabilidade? Tem. Tem aderência social, legal? Tem também”.

“Isso passa a clara mensagem de que nós somos competitivos e temos todos os regramentos colocados. Começa desde o Código Florestal, até a verificação veterinária com o Serviço de Inspeção Federal (SIF), passando pela rastreabilidade e sanidade do rebanho”.

Cota Hilton

A cota Hilton, que no passado foi um caminho bastante trilhado pelos exportadores para fornecer carne de maior valor agregado à União Europeia com tributação reduzida para 20%, parece estar vivendo dias de pouca popularidade.

Perosa explica que o principal fator é a remuneração. “São diversas exigências colocadas pela União Europeia, sem o respaldo da remuneração. Por isso não é atrativo para o exportador”, pondera.

Ele explica ainda que no caso do Brasil, a grande diversidade de mercados, mesmo com remuneração menor, acaba se mostrando melhor negócio para a indústria.

Ele explica ainda que o acordo Mercosul-União Europeia deve ser positivo para o setor.

“Embora a cota do acordo seja de 99 mil toneladas para o Mercosul, sendo 43% para o Brasil, um volume pequeno frente às 80 mil toneladas que já embarcamos para aquele mercado”.

“Uma vez alcançado esse volume, o Brasil continua exportando, mas com tarifa. Como é hoje nos Estados Unidos e em diversos outros lugares. Então,o acordo traz um impacto positivo, porque essa primeira metade,não teria imposto, diferente da Cota Hilton, que tem tarifa reduzida”.