O agronegócio representa um dos setores mais estratégicos da economia brasileira, sendo responsável por boa parte do superávit da balança comercial do país, com grande importância na geração de empregos e movimentação de diversas cadeias produtivas, como as que se referem a insumos, agroindústria e serviços.
Compondo mais de 25% do PIB nacional e quase metade das exportações do país, o setor entra em nova fase de desafios com a implementação da Reforma Tributária. Isso porque, embora a Lei Complementar nº214/2025 tenha como objetivo simplificar o sistema e reduzir distorções, seus efeitos sobre a competitividade do agro geram preocupações – sobretudo no que se refere à devolução de créditos de insumos e aumento do custo logístico.
Em busca de simplificar o sistema tributário do país, a Reforma prevê, basicamente a substituição dos tributos que incidem sobre o consumo: IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS dão lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços (de ordem estadual e municipal), à Contribuição sobre Bens e Serviços (de ordem federal) e ao Imposto Seletivo, aplicável a bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Como se sabe, o setor do Agronegócio possui características tributárias específicas, e será, portanto, diretamente impactado por essas transformações, com a geração de novas desafios fiscais, apesar das potenciais oportunidades para os produtores.
É relevante ressaltar, em primeiro lugar, que o texto da Reforma mantém a isenção para exportações, o que é positivo para o setor. Outro ponto favorável diz respeito à definição de alíquotas diferenciadas – zeradas ou reduzidas – para produtos da cesta básica.
A regulamentação prevê alíquota zero para itens como carnes, queijos, sal, óleos de milho, aveias e farinhas, beneficiando de forma direta os produtores rurais. Além disso, outros produtos agropecuários e determinados insumos terão redução de 60%.
Contudo, apesar desses pontos, a sustentação das margens de lucro dependerá da forma como será realizada a devolução dos créditos tributários pagos ao longo da cadeia produtiva do setor.
O novo modelo – do IVA dual, com IBS e CBS – segue o princípio da não cumulatividade plena, ou seja, todos os tributos pagos em etapas anteriores de produção devem gerar créditos.
Na prática, ainda existem dúvidas sobre como e quando eventuais créditos serão devolvidos, especialmente em relação a insumos que não se incorporam diretamente ao produto final.
Vale reforçar que o setor se utiliza de uma ampla variedade de insumos, como fertilizantes, defensivos, sementes, combustíveis e maquinários, e qualquer limitação na devolução de créditos causa impactos significativos nos custos de produção.
Logo, sem uma devolução rápida e integral, a rentabilidade e competitividade das empresas do agro podem estar em risco, considerando ainda que se trata de um setor com ampla concorrência e que enfrenta obstáculos próprios diante do redesenho das dinâmicas econômicas globais a partir do embate entre China e Estados Unidos e o “tarifaço” que recai sobre determinadas commodities brasileiras.
Outro ponto relevante nesse contexto envolve a tributação do frete e possível alta no custo logístico para os negócios.
Isso porque, com a definição da incidência do IBS e CBS sobre o frete, aliada ao fim de regimes especiais de ICMS concedidos por estados produtores, estamos falando de um potencial aumento significativo do custo logístico para o agro – por isso também a preocupação em relação a mecanismos compensatórios e à eficiência na recuperação de créditos.
O impacto pode ser ainda maior por se tratar de um setor altamente dependente do modal rodoviário, sendo, portanto, vulnerável a oscilações no preço de combustíveis, pedágios e impostos.
Com a incidência sobre serviços de armazenagem e operações interestaduais, há o risco adicional de uma pressão tributária cumulativa ao longo da cadeia de distribuição da produção.
Como as distâncias entre polos produtores e portos exportadores podem ser longas, ainda mais em um país com dimensões continentais como o Brasil, pequenos acréscimos em custos logísticos podem representar um valor expressivo em custos anuais; aumento esse que pode enfraquecer a posição brasileira no comércio internacional.
Isso posto, em relação a pequenos produtores rurais e cooperativas, a Reforma Tributária prevê regimes diferenciados, buscando equilíbrio na competitividade da cadeia.
Produtores rurais, sejam pessoa física ou jurídica, com receita anual inferior a R$3,6 milhões não serão considerados contribuintes do IBS e CBS. E esses produtores poderão conceder crédito presumido ao adquirente que for contribuinte regular, a fim de manter a não cumulatividade na cadeira e garantindo que o tributo pago não seja absorvido nas etapas seguintes.
Cooperativas também receberão tratamento especial, e operações em que o associado destina bens ou serviços para a cooperativa da qual faz parte, assim como operações em que a cooperativa fornece bens ou serviços a associados do regime regular do IBS e CBS, terão alíquota zerada.
Esses mecanismos podem reduzir, ao menos em parte, os impactos da Reforma para o agro, mas o êxito de toda a transição tributária dependerá de uma calibragem fina entre simplificação e competitividade, com efetividade na devolução de créditos e clareza nas regras de incidência de impostos nas etapas da cadeia.
Nesse sentido, não é exagero afirmar que os rumos da Reforma também serão decisivos para determinar se o país seguirá consolidado como potência agroexportadora ou se enfrentará perdas de eficiência no longo prazo.
Denilson Kasteller é Sócio e Diretor de Operações (COO) no Grupo FiscALL.