Possivelmente você já tenha ouvido por aí a expressão: “O Brasil é uma potência agroambiental”.
Sim, eu também acho. Acho inclusive que, se o Brasil tem algo a oferecer ao mundo, é esta proposta de liderar um modelo de desenvolvimento sustentável capaz de garantir segurança alimentar e climática, não só a nós brasileiros como a uma parcela significativa da humanidade.
Do nosso desempenho nessa tarefa dependerá também o nosso peso no cenário geopolítico mundial.
Essa opinião não é só minha. Creio que essa ideia é compartilhada por expoentes tanto da área agrícola como da área ambiental no país.
Sim, inegavelmente o Brasil ocupa uma posição de destaque no mercado global de diversas commodities ligadas ao agronegócio, incluindo a carne bovina.
E o Brasil é também o detentor da maior parte da maior floresta tropical do mundo. Com outros quatro biomas em seu território, o país tem em suas fronteiras uma biodiversidade incomparável.
E um potencial gigantesco de reduzir suas emissões, seja na conservação e restauração de seus ativos ambientais, seja na aplicação de tecnologias de baixo carbono na produção.
Eu me lembro aqui que já ouvi a mesma expressão da “potência agroambiental” conjugada em diferentes tempos: no indicativo presente “é”, no futuro “será” e no futuro do pretérito, apenas como possibilidade: “seria”.
E aí é que entra o princípio que intitula este artigo: potência não é nada sem controle. A tirada não é minha. Algum publicitário de uma marca de pneus a inventou. E eu escutei uma amiga ambientalista falar isso sobre desmatamento.
O Brasil pode ser uma potência ambiental, mas não será se não conseguir controlar quem ilegalmente está derrubando a floresta e tomando terras públicas.
O Brasil pode ser uma potência do Agro. E, de fato, foram os controles implementados principalmente na parte sanitária do País que garantiram nosso acesso ao mercado mundial.
Garantir sanidade por si só deixou de ser suficiente para acessar mercados. Não conseguiremos ampliar nossos mercados se não conseguirmos garantir o controle sobre a origem legal do que exportamos
A coisa é que quem está no Agro sabe há algum tempo a importância de controles para dentro da porteira. Hoje, nas lavouras mais tecnificadas, nutrientes e defensivos são aplicados em dosagens milimetricamente calculadas e precisamente distribuídas de acordo com a necessidade de cada pedacinho da lavoura.
Garantir sanidade por si só deixou de ser suficiente para acessar mercados. Não conseguiremos ampliar nossos mercados se não conseguirmos garantir o controle sobre a origem legal do que exportamos. Custos são calculados na ponta do lápis, ou melhor, em sistemas de gestão informatizados que acompanham cada ação feita na fazenda.
Na pecuária a coisa demorou, mas engatou. Nenhuma fazenda de pecuária que quer permanecer no negócio opera hoje sem saber exatamente no seu rebanho qual o desempenho individual de cada animal.
Nosso desafio hoje é estender o controle não só dentro da porteira, mas ao longo da cadeia produtiva. Isso significa aprimorar as formas como fazemos rastreabilidade no país.
O desafio da rastreabilidade, especificamente na pecuária, passa por duas perguntas básicas.
A primeira é: como registrar a informação que conecta o trinômio animal-propriedade-proprietário ao longo da vida desse animal? Ou seja, por onde ele passou desde que nasceu até o abate no frigorífico?
A segunda pergunta é: estas propriedades por onde o animal passou atendem a critérios básicos de conformidade socioambiental?
A essas duas perguntas, somam-se: onde estão os territórios com maior risco no país para cadeia da carne? Quais são as ações públicas e privadas que devem ser aplicadas nesses territórios? Como criar mecanismos de reinserir produtores na cadeia em um processo que ao invés de excluir, possa ser includente e positivo? Que incentivos podem ser postos em prática para que produtores ao longo da cadeia possam compartilhar informações com o mercado?
A nosso favor temos soluções tecnológicas e exemplos que hoje tornam perfeitamente possível encontrar caminhos a tudo isso. Temos também um histórico de erros e acertos que pode e deve ser aproveitado.
O que precisamos é de lideranças no setor que nos façam o país avançar para uma política ampla de rastreabilidade bovina, capaz de nos levar a um novo patamar no mercado.
A nosso favor temos soluções tecnológicas e exemplos que hoje tornam perfeitamente possível encontrar caminhos
E quando falamos de mercado, falamos não só no acesso a clientes interessados na nossa carne e couro, mas falamos também de investidores interessados no potencial do setor, mas que também querem evitar riscos socioambientais em seus investimentos.
O Brasil já é o maior exportador do mundo. Temos o desafio de manter nossos clientes e conquistar novos. A agenda do clima é transversal, e está sendo incorporada às politicas de compra, de investimento e nas regulamentações de mercados consumidores.
Erradicar o desmatamento ilegal da cadeia produtiva é tão crucial para nosso futuro hoje como era erradicar a febre aftosa quando a Abiec surgiu.
Rastreabilidade individual, da origem ao mercado, é o que nos permitirá uma evolução nos controles sanitários maior do que o que já temos, um controle socioambiental da cadeia, acesso a novos clientes e mercados e também incentivos aos produtores que estão reduzindo sua pegada.
Apostar na carta de que não precisamos fazer nada porque o mundo “depende de nós” é uma irresponsabilidade que só dá força aos que pretendem que a carne seja substituída nas dietas da população global em nome da crise climática.
Cabe a nós decidir se o Brasil potência agroambiental é para agora, ou continuará no campo das possibilidades. E de novo lembramos, potência não é nada sem controle.
Fernando Sampaio é diretor de Sustentabilidade da Abiec (Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carnes Industrializadas)