No meu primeiro artigo para esta coluna, relatei minhas primeiras experiências como cidadão urbano convivendo com o agronegócio. Foi o início de um processo contínuo de conhecimento, desencadeado a partir de uma necessidade profissional.

Então como integrante da equipe diretiva da companhia que representa os negócios da marca McDonald's na América Latina, fui submetido ao desafio de abastecer com carne sustentável alguns dos restaurantes da rede no Rio de Janeiro durante as Olimpíadas de 2016.

Os passos iniciais dessa jornada estão no artigo anterior. Aqui, avanço em uma questão fundamental desta experiência: como falar disso com o consumidor.

À medida que as Olimpíadas se aproximavam, em igual proporção aumentava a pressão para termos hambúrgueres provenientes de carme sustentável. O anúncio desse lançamento havia sido feito em 2014 e deveria ser cumprido sem falhas.

As visitas de vários funcionários de outras partes do mundo se intensificaram e, em todas, o sistema produtivo, controles, rastreabilidade do produto e sua procedência, especificações, critérios do GTPS (Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável) e outros pontos eram vistos e auditados a exaustão.

Novamente tivemos oportunidade de visitar propriedades como a Água Viva, do produtor e conservacionista Caio Penido.
Nela podemos observar que a produção de gado segue vários critérios considerados como fundamentais quando tratamos de produzir de forma sustentável.

Preservação das nascentes e produção de agua na fazenda, separação dos animais por piquetes para que possam ser alimentados pelo pasto que é plantado, áreas de descanso com sombra, cuidados no bem estar dos animais, educação e treinamento para todos que lidam com a produção, convivência com os animais da região, incluindo as onças que são preservadas em seus habitats naturais.

Caio, que já foi presidente do GTPS e atualmente preside o IMAC (Instituto Mato-Grossense da Carne), pode ser citado como um dos representantes dos produtores que entenderam que produzir e preservar não só podem como devem andar juntos.

As visitas, realizadas por pessoas que além de não serem do campo eram estrangeiros, nos fizeram ver o quanto é necessário estar no campo para eliminar paradigmas e preconceitos gerados por informações que não correspondem à realidade.

Por outro lado, ficou claro o tamanho do desafio de comunicar a milhões de pessoas que jamais terão a chance de sequer chegar perto do campo o que tínhamos visto e vivenciado.

Tornar conhecido o esforço de toda uma cadeia de valor a expectadores de todo o mundo era uma oportunidade que não deveria ser desperdiçada.

Afinal das contas, seria a primeira vez que seria servida carne com critérios sustentáveis nos hambúrgueres da rede
E servir carne sustentável representa além do desafio da produção o desafio da comunicação.

Para o consumidor, que em sua grande maioria está nos centros urbanos, o significado de produção do campo já é distante, imaginem de um produto específico e produzido de forma diferenciada.

Para quem não está familiarizado com o tema, pode pensar que a carne sustentável apresenta algum diferencial visível que a diferencie da carne dita comum.

De outra forma, quem está no mundo da sustentabilidade sabe que muito produtos não apresentam ou não podem apresentar diferença com relação aos seus similares normais

No caso específico dos hambúrgueres, tanto nas especificações, formato, cor, textura, peso e caraterísticas sensoriais deveriam ser literalmente os mesmos do produto original, com os quais os consumidores estão habituados e esperando encontrar

Com base nessa falta de diferenciação entre os dois produtos, iniciou-se uma série quase interminável de discussões de como comunicar que seríamos a primeira empresa do setor a ter produtos originados de um processo de produção sustentável, sem que nada fosse visto diferente dos produtos atuais.

Nesse ponto é necessário abrir um grande parêntesis para discutirmos a credibilidade e reputação de empresas e marcas.

No mundo da sustentabilidade e ESG, estamos falando muito mais do COMO do que do QUE. Saber como foi produzido é tão importante quanto o produto per si.

No mundo da sustentabilidade e ESG, estamos falando muito mais do COMO do que do QUE. Saber como foi produzido é tão importante quanto o produto per si.

Produtos ditos sustentáveis, em sua grande maioria, podem não apresentar diferenças com relação aos seus antecessores.

A grande diferença estará em como foi produzido, transportado, como se dão as relações humanas na organização, o quanto as pessoas são respeitadas, de baixo de que ética a empresa opera.

Para as empresas que já estão na jornada de transformação para os seus produtos e operações baixo os novos estandares de sustentabilidade, notícias sobre o desmatamento e invasão de terras indígenas representam duros golpes para uma narrativa positiva do setor.

Os consumidores em geral, como é natural, vão privilegiar os seus produtos favoritos e que em termos de custo, caibam no seu bolso.

Como o conceito de sustentabilidade não é traduzido em produtos visualmente diferentes, a disposição por pagar mais para esse tipo de produto é baixa e ainda somente para nichos de produtos. Significa que eventuais custos adicionais não serão absorvidos pelos consumidores.

Caso fosse diferente, como mostram as algumas pesquisas com consumidores, já teríamos visto um boom de vendas desse tipo de produto.

Para ilustrar o dito acima, pergunto: quem sai de casa para comprar uma picanha sustentável para o seu churrasco de fim de semana?

Imaginem quando fazemos essa pergunta para o mundo dos hambúrgueres A resposta, se não é ninguém, está muito próxima disso.

Diferentemente dos cortes de carne, o hambúrguer está quase sempre acompanhado e com vários itens que compõem o produto. Significa que é importante, mas não decisivo no paladar final.

Dessa forma – e creio que foi a melhor decisão – os hambúrgueres provenientes da carne sustentável foram servidos durante a Olimpíada de 2016 sem nenhuma distinção contra os demais da rede.

A empresa tinha total controle das quantidades, procedência, rastreabilidade e outros controles, mas o consumidor que fez parte da história provando o primeiro hambúrguer sustentável do Brasil jamais soube que fez parte da história.

Em um futuro próximo, somente as organizações que compreenderem que a sustentabilidade é sinônimo de longevidade, merecerão estar no mercado.

Para os que como eu fizeram parte desse desafio, fica o aprendizado real de que a sustentabilidade é invisível e altamente complexa de ser comunicada.

Ela deve ser parte do DNA das organizações e fazer parte de todas as decisões e ações, mesmo que o consumidor ainda não entenda ou esteja disposto a pagar por ela.

Em um futuro próximo, somente as organizações que compreenderem que a sustentabilidade é sinônimo de longevidade, merecerão estar no mercado.

E o agro, como deve posicionar-se nesse contexto?

Não vejo alternativa que não seja investir em comunicar de forma verdadeira, transparente, franca e constante o que realmente ocorre no campo. Tarefa inglória em função da polarização existente no país e no mundo e onde imperam as fake news sobre o setor.

Urge educar o consumidor sobre o que significa a sustentabilidade e sua ligação com o agro.

Esforços conjuntos de comunicação e educação com as empresas que operam no retail serão fundamentais para que o agro chegue às mesas e casas dos consumidores de forma verdadeira e genuína.

Caso não seja feito, o campo sempre ficara à mercê da desinformação do momento, jogando literalmente por terra todo o esforço realizado na semeadura de que o setor pode e está sendo produtivo, responsável e sustentável ao mesmo tempo.

Leonardo Lima é fundador e CEO da Dreams & Purpose e conselheiro de empresas. Engenheiro químico de formação, foi diretor corporativo de Sustentabilidade da Arcos Dorados, empresa responsável pela operação da rede McDonald's na América Latina.