O agronegócio é um dos pilares da economia brasileira, representando aproximadamente 25% do PIB nacional. No entanto, apesar de sua relevância, o setor ainda enfrenta desafios significativos na adoção de tecnologia e na atração de investimentos estruturados.
O grande potencial de transformação do agro passa pelo fomento a empreendedores que buscam criar valor de longo prazo, garantindo maior eficiência e sustentabilidade para toda a cadeia produtiva.
Nos últimos tempos, tem se discutido amplamente se venture capital e agtech são modelos incompatíveis. Argumenta-se que os longos ciclos de desenvolvimento, a fragmentação do mercado e as barreiras regulatórias tornam o setor agro inadequado para o modelo de venture capital.
A realidade, no entanto, é mais complexa e cheia de nuances. O problema não está na incompatibilidade entre venture capital e agtech, mas na tentativa de aplicar um modelo de investimento genérico a um setor que possui características próprias e dinâmicas específicas.
O setor agtech desafia os modelos tradicionais de venture capital. Os ciclos biológicos e de safras são imutáveis, independentemente do horizonte de investimento.
Os produtores rurais não são clientes facilmente impressionáveis por soluções tecnológicas superficiais; eles exigem resultados tangíveis e confiáveis. Além disso, a escalabilidade de uma startup agro depende da combinação de soluções, principalmente da conectividade, e não apenas de marketing e aquisição de usuários, mas também de logística, distribuição e integração com sistemas de produção já existentes.
Essa complexidade exige uma abordagem diferenciada para os investimentos.
O ecossistema de venture capital na América Latina é estruturalmente diferente do que se vê nos Estados Unidos. As principais barreiras para startups em estágio de crescimento na região incluem a limitação do mercado de capitais, a mentalidade de investimento voltada para curto prazo, a dificuldade de saídas para startups e a ausência de uma cultura de longo prazo.
Nos EUA, o venture capital é impulsionado por um mercado de capitais altamente desenvolvido, onde startups podem crescer e acessar saídas via IPOs na NASDAQ e NYSE. No Brasil, a B3 é dominada por setores tradicionais, como commodities e bancos, com pouca participação de startups de tecnologia.
Para alinhar o venture capital ao agronegócio e torná-lo mais eficiente no Brasil, algumas mudanças são essenciais. Investidores precisam reavaliar suas expectativas de retorno, compreendendo que nem todas as startups agro seguirão a mesma trajetória de crescimento acelerado de um unicórnio de software.
Modelos de financiamento híbridos, como revenue-based financing - modelo de financiamento onde os investidores recebem uma porcentagem da receita da empresa até que o investimento seja retornado - e blended capital - que combina diferentes fontes de financiamento -, podem complementar o venture capital tradicional e oferecer maior flexibilidade.
Dado que IPOs são menos frequentes no Brasil, é crucial desenvolver um mercado secundário robusto para permitir a compra e venda de participações privadas. Isso atrairia family offices, fundos de private equity e investidores institucionais interessados em startups em estágio avançado.
As corporações também desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do ecossistema. Elas possuem vantagens que os VCs tradicionais não têm: conhecimento de mercado, redes de distribuição e influência na cadeia de suprimentos. Em vez de imitarem fundos de venture capital, essas empresas podem atuar como catalisadoras de inovação, oferecendo capital, suporte estratégico e validação de mercado para startups.
O governo pode desempenhar um papel importante na catalisação de capital, criando mecanismos como co-investimentos, fundos de fundos e financiamentos públicos para fomentar o desenvolvimento de startups agro, sem distorcer o mercado.
Para que o venture capital tenha sucesso no agronegócio brasileiro, é essencial fomentar uma cultura de longo prazo, alinhando investidores, startups e corporações em uma mesma direção.
O setor possui um imenso potencial para gerar inovação e impacto positivo, mas isso exige um ajuste de rota, com maior valorização de soluções tecnológicas aplicáveis e um comprometimento real com a modernização do campo.
A construção desse futuro passa por investimento inteligente, suporte estruturado e um ecossistema que favoreça a integração entre o agro tradicional e o agro tecnológico.
Fernando Rodrigues é fundador e managing partner da Rural.