A ocupação do território, nos biomas Cerrado e Mata Atlântica, foi realizada com a derrubada da vegetação existente, matas, cerrados e campos, seguido do plantio de culturas anuais e perenes, muitas vezes tendo gramíneas de espécies exóticas e a pata do boi na dianteira.

A exploração dessas pastagens, pela ausência de reposição na fertilidade dos solos e desconhecimento de novas tecnologias regenerativas, levou à existência de extensa área, cerca de 50 milhões de hectares, dimensão maior que muitos países, em estágios diversos de degradação.

Hoje, quando o desafio climático da absorção de carbono se tornou prioridade, essa área deve ser vista como um ativo ambiental.

A pastagem degradada, de baixíssima produção vegetal, pouco absorve carbono. O bovino que vaga na região - também de baixa produtividade, não ganhando peso - é abatido com maior idade, emitindo mais carbono.

Destaco que nada tem a ver com pujante pecuária de corte encontrada em áreas de pastagens renovadas e rebanhos melhorados, onde a emissão de carbono dos bovinos é compensada pela absorção do crescimento vegetal das pastagens.

A produção agrícola nacional cresceu sempre avançando nessas áreas, empurrando a pecuária para a fronteira do desenvolvimento, levando a novas derrubadas de vegetação. Chegamos hoje no limite, com o desafio de produzir cada dia mais e melhor, dentro da prioridade da sustentabilidade que o equilíbrio climático exige.

Felizmente, significativos aumentos de produtividades zootécnicos e agronômicos, resultado de pesquisa publica e privada, têm viabilizado aumentos de produção muitas vezes maiores do que os aumentos de áreas cultivadas.

O reconhecimento desse ativo ambiental representado pela extensa área de pastagens degradadas exige atenção, conhecimento e ação. Trata-se de uma questão que supera interesses setoriais.

Deve ser vista como uma prioridade nacional. Pode avançar no enfrentamento da prioridade mundial das mudanças climáticas, no enfrentamento das emissões de carbono.

O Brasil pode sair da posição defensiva de mostrar que estamos superando as ilegalidades na Amazônia assumindo sua posição de verdadeiro líder. Uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.

Da liderança que tivemos na Rio Eco 92, percorremos inúmeras reuniões multilaterais, Conferências de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, (COPs), saindo de acordos de boas intenções para textos mais concretos, com muitas promessas e pouco de realmente efetivado.

Participamos das reuniões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas IPCC evoluindo na compreensão do que ocorre e assusta nas mudanças de cada dia.

Cumpre ao Brasil, que perdeu espaço no debate sobre mudanças climáticas, por um desvio político que superamos, recuperar a liderança.

País com matriz energética, do passado ao presente, muitas vezes mais limpa do que a grande maioria dos demais. País dos biocombustíveis, antes mesmo da atual pressão para nos afastarmos dos combustíveis fosseis. País que, pelas suas dimensões, aptidão e arrojo dos seus produtores, já tem uma agricultura de baixo carbono que continuamos a aprimorar e começa a ser copiada.

Essa extensa área de pastagens degradadas pode ser a oportunidade que esperávamos.

O Governo Federal anunciou amplo programa pautado em aumentar a produção agrícola incentivando com vultuosos recursos financeiros e premiando, com juros menores, a utilização de práticas sustentáveis e regenerativas. Estima dobrar a produção de alimentos em pouco mais de uma década.

Vale especial atenção, pois dobrar a oferta exige a responsabilidade e certeza de que os alimentos produzidos encontrarão a correspondente demanda a preços adequados à sustentabilidade da produção.

Não se trata de negar a existência de fome no mundo, mas de enfrentar a complexa questão da renda da população.

Destaco também que os aumentos de produtividade agronômicos que vêm sendo apresentados devem e precisam continuar a ocorrer, inclusive enfrentando com resiliência as imprevisíveis variações climáticas. Dezenas de milhões de hectares é área a ter ocupação planejada com grande critério.

A proposta é certamente boa, porém não muito diferente do que recentemente ocorreu. No passado, a cana-de-açúcar, entre outras culturas, deslocou áreas de pastagens e, mais recentemente, a ampliação do plantio de eucalipto, soja e milho também avançou basicamente nas áreas de pastagens degradadas.

O desafio verdadeiro, que ainda escapa, seria a criação de produção vegetal dedicada à absorção de carbono, nova, além das tradicionais, indo ao encontro da vertiginosa demanda desse novo bem ambiental. Essa sim tornaria a área degradada num verdadeiro ativo, vindo de encontro à emergência climática que enfrentamos.

Um desafio a ser enfrentado exigindo arrojo e conhecimento que a pesquisa e desenvolvimento tradicional, aliada ao emprego ainda virgem das ciências ômicas, podem possibilitar, desde que enfrentado com recursos, criatividade e liberdade. Vamos a ele!

Pedro de Camargo Neto é produtor rural, pecuarista e conselheiro de empresas do setor. Foi secretário de produção e comercialização do Ministério da Agricultura entre 2001 e 2002 e já foi presidente de importantes entidades do agronegócio.