Dentre as propostas relacionadas à pecuária levadas à COP 28, em Dubai, destaca-se a implementação do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis e o seu Comitê Gestor Interministerial, conforme decreto presidencial Nº 11.815.

Em 2022, de acordo com estimativas da Athenagro, o custo da degradação de pastagens atingiu cerca de R$39 bilhões, próximo de R$60,00 por arroba (15 kg de carcaça) produzida no ano. A degradação das pastagens, portanto, é um dos itens de maior impacto negativo para o pecuarista.

Ao mesmo tempo que a importância do programa seja indiscutível, ainda há muito o que se debater sobre a viabilidade de implementá-lo dentro do cronograma, assim como suas estratégias técnicas e os recursos necessários.

Por mais interessante que seja apresentar o potencial do País e estabelecer planos de estado para atingi-los nos próximos anos, é essencial que o Brasil redobre os cuidados para não criar expectativas que não possam ser cumpridas.

O plano pretende recuperar e/ou transferir para outras atividades mais de 40 milhões de hectares de pastagens com algum nível de degradação. Os detalhes do plano ainda não foram divulgados.

No entanto, é fundamental que as estratégias de ações considerem os diferentes desafios técnicos que serão encontrados a campo. E, simultaneamente à recuperação das pastagens, é preciso garantir que os produtores freiem o processo de degradação.

De acordo com as análises realizadas nas últimas edições do Rally da Pecuária, atualmente seriam cerca de 5 milhões de hectares que precisariam ser imediatamente reformados, enquanto outros 18 milhões de hectares podem ser recuperados com tratamento em superfície, corrigindo e repondo as condições de fertilidade do solo, além de planejar o controle de plantas invasoras e insetos.

A economia obtida com a recuperação, que pode ser feita sem revolvimento do solo, representa 35% a 50% dos custos necessários para reforma da área, dependendo das condições.

Ainda existem outros 26 milhões de hectares que, entre 12 e 24 meses, deverão entrar em condições de alerta devido à perda de qualidade.

Se nada for feito, ainda que seja apenas um descanso – usando o jargão da pecuária – dependerão de recuperação em um primeiro momento e de reforma no último caso.

E a fila não para. Outros 45 milhões de hectares de pastagens se preparam para entrar em estado de alerta no período de 24 a 48 meses.

Se considerarmos a quantidade de área envolvida, frear o processo de degradação é ainda mais importante do que recuperar as pastagens degradadas.

Em 2022, de acordo com estimativas da Athenagro, o custo da degradação de pastagens atingiu cerca de R$39 bilhões

E qualificar as condições a campo é de extrema importância, visto que não é interessante que 40 milhões de hectares sejam tratados como se estivessem nas condições dos 5 milhões de hectares que necessitam, obrigatoriamente, de reforma imediata.

Executar o plano não é tarefa fácil do ponto de vista operacional. Tecnicamente, no entanto, a área mencionada no decreto é perfeitamente executável.

Extrapolando a produtividade média do público pesquisado via Rally da Pecuária, na média das últimas 4 edições, toda a produção brasileira poderia ser concentrada em pouco menos de 60 milhões de hectares. A produtividade média destes entrevistados foi 2,7 vezes superior do que a média nacional no período analisado.

O público que trabalha de forma mais profissional na pecuária – a pecuária comercial – opera com produtividade média de 110 kg de carcaça/ha/ano, considerando o ciclo completo como referência. O índice é 65% superior à média brasileira, que gira entre 65 e 70 kg de carcaça/ha/ano.

A pecuária comercial, portanto, ocupa cerca de 95 milhões de hectares, o que nos permite concluir que existam mais de 60 milhões de hectares de pastagens praticamente ociosas no Brasil, número 50% maior do que a meta apresentada no programa.

O que está se dizendo na prática, portanto, é que nos próximos anos, algo deverá acontecer nestes 40 a 60 milhões de hectares, seja a regeneração por abandono depois do processo de degradação, seja a conversão para outras atividades que pode ser, inclusive, uma pecuária bem conduzida.

A área de pastagens ociosas deve estar nas mãos de 600 mil a 800 mil proprietários de bovinos que acabam não participando do mercado

Se houver planejamento e coordenação para a execução do programa, trata-se de um plano que tem tudo para dar certo, visto que orientará, através de políticas públicas, que o processo ocorra de forma ordenada e acelerada.

Por outro lado, o desafio de executá-lo é muito maior, e mais complexo do que simplesmente apresentar números e embasá-los, tecnicamente. Essa área toda de pastagens ociosas deve estar nas mãos de 600 mil a 800 mil proprietários de bovinos que acabam não participando do mercado, com frequência.

Cada hectare disponível, e potencialmente recuperável ou transferível para outras atividades, possui um dono com suas próprias expectativas para a sua área. E parte destes donos não possui sequer os documentos de posse da terra.

Outro ponto a ser considerado. Quais serão os critérios de seleção para as áreas potencialmente eletivas para o programa?

O sucesso das atividades que podem ser conduzidas nessas áreas depende de diversos critérios, como índice pluviométrico na região, topografia, altitude, porcentagem de argila e outros quesitos que definem o potencial produtivo do uso do solo, ou seja, a aptidão agrícola da área.

E ainda sobre essa análise é preciso considerar o grau de degradação das pastagens e o orçamento que cada situação exigiria para recuperá-las ou simplesmente mantê-las.

Em muitos casos apresentados publicamente através de estudos, o conceito de degradação de pastagens tem sido confundido com a baixa produtividade, consequência da aptidão agrícola da área. Essa diferença conceitual, caso não seja considerada, pode levar a frustrações dos objetivos ora almejados.

O programa é ousado! Para que essa ousadia não se transforme em mais uma promessa não entregue, é fundamental que ele seja tratado conforme a complexidade do tema.

De nada adiantará mapas e apresentações tecnicamente embasadas se não houver profissionais preparados, em contato com os produtores, para executar um plano muito bem elaborado e versátil diante dos inúmeros imprevistos que surgirão a cada etapa de sua execução.

Ah, e o problema de sempre: imprescindível concluir a regularização fundiária, titularização das terras e validação do CAR (Cadastro Ambiental Rural). Afinal, tais questões não eram simples conversa de ruralistas, como pregavam os representantes do extremismo ambiental.

Não se protege o ambiente sacrificando as pessoas.

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária