Por Gustavo Lobo, Leila Harfuch e Lauro Vicari

A estratégia brasileira para mitigação de emissões de gases do efeito estufa (GEE) passa diretamente pelo setor agropecuário. Essa relação se materializa nos compromissos firmados pelas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) e nas próprias políticas e planos apresentados pelo governo nas últimas décadas, como o Plano ABC+.

Fica clara a necessidade de transformação desse setor no sentido de uma produção sustentável, garantindo produtividade, baixa emissão de GEE e resiliência climática.

Essa transformação do setor agropecuário passa por intervenções produtivas e investimentos que reorientem os fatores de produção e que promovam a adoção de tecnologias e boas práticas agropecuárias.

Nesse sentido, a política agrícola vem incorporando elementos de sustentabilidade, especialmente via crédito rural e seus programas e subprogramas destinados à transição produtiva e resiliência climática. É o caso do RenovAgro (antigo Programa ABC) e subprogramas do Pronaf, como o Bioeconomia, Agroecologia, Floresta e Semiárido.

Todavia, entende-se que o financiamento de sistemas produtivos sustentáveis vai além dos subprogramas rotulados. É possível, por exemplo, financiar uma recuperação de solos em diversos programas do crédito rural, ou até mesmo com recursos sem vínculo a um programa específico.

Outro exemplo é o financiamento de custeio em áreas de grãos que adotam o sistema de plantio direto. Ou seja, existe toda uma massa de recursos não associados a programas e subprogramas rotulados, mas que possuem um amplo potencial de redução de externalidades ambientais negativas, alinhados à jornada de sustentabilidade da agropecuária.

A quantificação do total de recursos oriundos da política pública com potencial de mitigar impactos ambientais negativos no setor agropecuário é uma tarefa complexa, que esbarra na ausência de um sistema taxonômico homogêneo (ainda em debate) até na própria estrutura de dados do crédito rural, que possui limitações de informações para este objetivo.

De todo modo, é fundamental a construção de estratégias para a devida contabilização dos recursos destinados a empreendimentos em transição produtiva, a fim de garantir maior transparência, melhorar a capacidade de comunicação positiva sobre as iniciativas de política pública destinadas à sustentabilidade do setor e melhorar o processo de alocação de recursos, bem como refletir sobre mudanças nos instrumentos de política agrícola.

Entendendo que existem diversos custos de transação que limitam o acesso a esses recursos, conhecer o volume de operações e sua incidência é fundamental para ajustes na estratégia brasileira para atacar as mudanças do clima.

É exatamente nesse contexto e, tentando oferecer um caminho para a devida quantificação dos recursos da política de crédito rural alinhados à jornada de sustentabilidade, que desenvolvemos uma metodologia exclusiva, capaz de oferecer, a partir de alguns pressupostos e utilizando como bases conceituais (taxonomia) políticas públicas consagradas como o Plano ABC+ e a PGPM-Bio, diferentes cenários para o cálculo desse montante de recursos.

A metodologia se baseia na estrutura dos microdados do crédito rural (Sicor), oferecendo 5 níveis para a observação dos recursos associados à jornada de sustentabilidade. No primeiro, mais conservador, consideram-se somente aqueles recursos vinculados a subprogramas rotulados (com finalidade de sustentabilidade bem definida).

No último nível, mais holístico, outras características dos contratos vão sendo incorporadas, como os produtos (itens) financiados e outras variáveis que atestam sobre as estratégias de manejo. Na safra 2023/2024, os recursos alinhados à jornada de sustentabilidade da agropecuária variaram de R$ 8,9 bilhões (cerca de 8,4% do volume de recursos de investimento) até R $70,8 bilhões (cerca de 21,3% do volume de recursos para custeio e investimento).

Além de dar destaque às limitações e vantagens da aplicação da metodologia, o trabalho também oferece diferentes recortes desses recursos, como: por programa, atividade, finalidade, fonte de recursos e região. Todo esse esforço também conta com um painel de dados interativo, onde o usuário pode explorar de forma customizada, diversas dimensões contidas na base de dados do crédito rural.

Entender a dinâmica dos recursos associados à jornada de sustentabilidade traz um olhar para o futuro da política agrícola e seus instrumentos de incentivo, assim como requer avanços na coleta de dados, mensuração e transparência.

Alocar de forma adequada os recursos da política pública, minimizando os custos de acesso pelos produtores e os custos de transação para as instituições financeiras, é fundamental. Essa metodologia contribui nesse sentido, além de dar visibilidade à jornada de sustentabilidade dos tomadores de crédito rural.

Ademais, esse esforço representa um avanço no que diz respeito ao debate da taxonomia, uma vez que a metodologia desenvolvida pode ser adaptada a todo e qualquer sistema taxonômico, dado que faz uma aplicação direcionada à própria estrutura de dados do Sicor. Trata-se, portanto, de mais um passo no caminho da transição, auxiliando no aprimoramento do financiamento climático e na mitigação de riscos ambientais para toda a sociedade.

Gustavo Dantas Lobo é pesquisador da Agroicone e atua na agenda de política agrícola, em especial o crédito e o seguro rural.
Leila Harfuch é sócia gerente da Agroicone, com experiência em análises quantitativas aplicadas ao agronegócio, agricultura familiar, comércio internacional, mudança do clima e sustentabilidade.
Lauro Marques Vicari é pesquisador da Agroicone e atua em projetos de agricultura de baixo carbono e mudanças climáticas.