Um país se faz pelo seu povo.
Pode um país em desenvolvimento na América Latina, de dimensões semelhantes ao estado do Espírito Santo, servir de exemplo para o Brasil?
Sua renda percapta de 2022 (Banco Mundial) foi 49,8% superior à nossa, seu índice de GINI (mede desigualdade) é 5 pontos melhor que o do Brasil e a expectativa de vida da população é de 81 anos, contrastando com a nossa, de 73.
Trata-se da Costa Rica, o último país a ser inserido no grupo da OCDE e cercado de vizinhos com sérios problemas socioeconômicos e políticos.
Passei lá uma semana junto com representantes do Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Industria e Comercio e o Ministério do Turismo do Brasil.
Também um grupo de ministérios e entidades da Colômbia, todos a convite do Governo do Reino Unido para uma imersão na agenda de bioeconomia da Costa Rica, uma das mais antigas e bem-sucedida no mundo.
O programa começou a ser idealizado ainda na década de 1980, quando o país perdia cerca de 50 mil hectares por ano, ou 1% do território de floretas, e chegou a ter em 1987 apenas 21% do país com cobertura vegetal.
Comparando com o Brasil, nos últimos 10 anos findados em 2023, nossa perda florestal, somente na Amazônia, variou de 0,1 a 0,2%/ano do território nacional.
O plano de bioeconomia da Costa Rica deu sua largada em 1996 e é transversal a todas as áreas do governo e sob a coordenação do Ministério de Ciências e Tecnologia.
Possui eixos na agricultura, indústria, economia, planejamento, turismo, restauração, conservação, educação, ciência e tecnologia entre outros. Também fez fortes parcerias internacionais e contou com enorme apoio do banco mundial.
Depois de 27 anos a cobertura vegetal do país subiu para incríveis 65%, num misto de restauração florestal produtiva, de preservação permanente, sistemas agroflorestais e consórcios de cultivos agrícolas.
E, sob um regime de desmatamento zero, a constatação é do crescimento constante e uniforme da produção agrícola no país.
Em uma visita à maior cooperativa de produção de café e frutas do país, plantados em sistemas florestais com madeira, bananas e outras variedades de frutas, pudemos observar e acompanhar as pesquisas em bioinsumos, bioenergia e bioprocessos, que promoveram reduções das suas emissões para apenas 4,5kg CO₂E/kg de café produzido, embalado e colocado no porto de exportação.
Vale dizer que há experiencia ainda melhores aqui no Brasil. A diferença é que, lá, o programa de bioeconomia – que zerou o desmatamento e promoveu a restruturação verde do país com as florestas secundárias hoje em crescimento –, somado às remoções agrícolas, transformou o agronegócio do país em carbono neutro, caso raro para um país.
Num mundo onde o que vale é o benchmarking barato e o compromisso com a inovação fica apenas no fraco “preciso ser um pouco melhor que meu concorrente”, quem tem verdadeiro compromisso com a evolução se preocupa muito além que o concorrente – mas em seu comprometimento com o protagonismo, pois isso sim o difere de todos os demais e o mantém entre os líderes.
Se meu país é carbono neutro na agricultura, por que então gastar um bom percentual de meu orçamento com C&T? Não é o pensamento daquela cooperativa que visitamos.
Pelo contrário, trata-se de uma revolução evolutiva da consciência da elite intelectual daquele país, muito mais avançada que a nossa na visão contemporânea sobre e economia verde, seus potenciais e vantagens competitivas.
Na outra ponta da bioeconomia, voltada ao turismo, visitamos o parque nacional Manuel Antonio, na costa do Pacífico. Ele recebe cerca de 600 mil visitantes ao ano, sendo 95% de estrangeiros, que, assim, numa média de cálculo do turismo internacional, deixam aproximadamente US$ 600 milhões por ano na região.
Isso mesmo, um único parque. Há vários outros no país. O que esse parque recebe sozinho de turismo internacional representa quase 10% de todo o turismo internacional do Brasil por ano.
Isso deveria nos dizer algo.
A maior parte do financiamento dessa transformação veio de uma taxa de 3,5% cobrada sobre os combustíveis fósseis utilizados no país, mesmo modelo seguido por vários outros países no mundo. Não seria uma boa ideia ao Brasil?
À medida em que o país avança na transição verde, entretanto, mais se reduz o uso de fósseis e menor fica o valor para esse financiamento.
Engraçado isso: a transição verde, no longo prazo, pode se tornar um risco fiscal para o país caso essa virada de chave não esteja no seu planejamento estratégico.
Lá, o agricultor e a agricultura são respeitados, tanto quanto os outros setores da economia
E o que ouvimos dos representantes da Fundo Nacional de Financiamento Florestal (Fonafifo), que organiza esse sistema de bioeconomia e de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), é que os planos futuros para esse equilíbrio fiscal e financiamento da constante evolução da nova economia virão da ampliação e da evolução na eficiência da produção de alimentos, através da aplicação do estado da arte de novas tecnologias já existentes no mundo.
O estado do Espírito Santo foi buscar na Costa Rica – ainda no primeiro governo de Paulo Hartung, a partir de 2003 – a inspiração para seu programa de PSA, o Reflorestar.
Esse programa continua evoluindo governo após governo, pois o atual governador Renato Casagrande – que alternou com Paulo Hartung o governo do estado nos últimos 20 anos –, apesar da diferenças político-partidárias, manteve esse que deve ser o maior programa de PSA do Brasil e que já restaurou mais de 10 mil hectares.
Isso que prova que tamanho não é o problema, mas sim a competência. Por tudo isso, o ES é um exemplo de governança pública hoje no Brasil.
Um país como o Brasil, que gerou um VBP de R$1,25 trilhão na agropecuária em 2023, possuidor de um bom parque científico e com acesso as mais modernas tecnologias existentes, dotado de mentes brilhantes e capaz de fomentar mão de obra especializada, detentor da maior floresta tropical e da maior biodiversidade do mundo, um verdadeiro paraíso agroambiental, não precisaria estar nesse atual baixo status socioeconômico.
A Costa Rica nos mostra, apesar dos inúmeros desafios que ainda possui, que as soluções para a jornada da nova economia não estão apenas nos países ricos, mas entremeadas nas sociedades que se dispõe a trabalhar de forma colaborativa sem a criminalização de setores.
Lá, o agricultor e a agricultura são respeitados, tanto quanto os outros setores da economia.