No mês de março passado, mais de 100 mil profissionais se espremeram nos corredores da feira Expo West Natural Products, na California (EUA). Para os não credenciados, um ingresso custava no mínimo US$800, ou seja, não era para amadores.

Poderíamos traduzi-la como uma feira de produtos de alimentação, saúde e bem-estar ancorada numa nova realidade de consumo, aquela construída sob a luz do ESG.

Dias antes da feira, a consultoria Mckinsey publicou um interessante estudo sob o título “Consumers care about sustainability—and back it up with their wallets” – numa tradução livre, “Os consumidores se preocupam com sustentabilidade - e assim abrem suas carteiras”.

Nada poderia confirmar mais o estudo do que caminhar pelos corredores da feira. Lá estavam à mostra uma variedade brutal de produtos rotulados como “ambientalmente sustentável, ecologicamente correto, comércio justo, vegano, orgânico, regenerativo” e outras designações relacionadas aos aspectos de responsabilidade socioambiental.

O estudo encontrou 93 diferentes citações relacionadas a ESG. Mas entender como os clientes respondem às reivindicações sociais e ambientais contidas nesses “claims” também é importante e não estava claro nas centenas de estudos realizados no passado.

Como exemplo, em pesquisa passadas com consumidores americanos (2020), a McKinsey verificou que 60% dos entrevistados disseram que pagariam mais por um produto com embalagem sustentável.

Mais recentemente (2022), a Nielsen IQ descobriu que 78% dos consumidores americanos dizem que um estilo de vida sustentável é importante. No Brasil, pesquisa do Instituto Akatu (2022) confirma o mesmo comportamento do consumidor.

O mundo está mudando e alguns setores e marcas já entenderam isso, mas o estudo foi checar a realidade por trás dessas “autodeclarações”. Eles analisaram cinco anos de dados de vendas nos EUA, de 2017 a junho de 2022.

Os dados abrangeram 600.000 SKUs de produtos individuais, representando US$ 400 bilhões em receitas anuais de varejo. Esses produtos vieram de 44.000 marcas em 32 categorias de alimentos, bebidas, cuidados pessoais e domésticos.

Eu particularmente, assíduo leitor de pesquisas sobre tendências de consumo, nunca vi estudo mais abrangente no mundo.

Resumindo muito os resultados, o estudo aponta:
• “Em muitas categorias, há uma ligação clara e material entre reivindicações relacionadas a ESG e gastos do consumidor”. Ou seja, o cliente está remunerando o protagonismo da marca.
• “As empresas provavelmente terão um impacto ESG maior e uma chance melhor de alcançar um crescimento muito acima do normal se incorporarem eventos relacionados a ESG de alto impacto em várias categorias e produtos”.
• “Os produtos que fazem declarações relacionadas a ESG tiveram uma média de crescimento cumulativo de 28% nos últimos cinco anos, contra 20% dos produtos que não fizeram essas declarações. São 8,5% de ganhos a mais num setor que movimenta anualmente US$ 14 trilhões, ou cerca de 2/3 do PIB americano.”

E o que isso tem a ver com o agronegócio? Talvez o nosso setor seja o que mais tem sofrido as dores da necessidade de se reconstruir após o assustador crescimento decorrente da revolução verde nos últimos 40 anos.

Talvez o nosso setor seja o que mais tem sofrido as dores da necessidade de se reconstruir após o assustador crescimento decorrente da revolução verde nos últimos 40 anos

O mundo está em transição no que diz respeito à energia, aos sistemas alimentares, a tecnologia, aos impactos ambientais, aos preços e o custo de vida, ao envelhecimento da população, à escassez de recursos, incluindo agora limitações por espaço e a escassez de água (eventos extremos) que limita a produtividade das culturas.

No Brasil, a vasta maioria dos rios e cursos d’água estão contaminados por esgoto, lixo, químicos e toda sorte de sujeiras. Para tudo que olhamos nosso setor está inserido para o bem ou para o mal.

Se as marcas de varejo necessitam mudar no curso das ações ESG, não conseguem sem incluir a agricultura e a pecuária nessa equação, o famoso escopo 3.

O Agronegócio é parte do problema e pode e deve ser parte da solução, assim como o setor da construção, da infraestrutura pública, do fornecimento de energia, da siderurgia etc. Todos são chamados e rever sua gestão estratégica e governança.

Hoje em dia, não podemos simplesmente produzir, fazer o que quisermos sem levar em consideração os efeitos do impacto na sociedade, como tão bem demostrou o estudo acima citado. Temos de discutir os nossos problemas e desafios.

Mudanças estruturais são necessárias em todos os setores, não apenas no Agro, e o Agro certamente não está isento de mudanças necessárias e necessidades de uma revolução evolutiva em seus modelos de negócios.

Vamos inovar, aprender, desenvolver coisas novas em diferentes ecossistemas de negócios dentro de uma dinâmica contemporânea. O negacionismo não é mais aceitável num mudo movido a ciência e tecnologia.

Precisamos parar de olhar para outros países e achar que esses têm exemplos a nos dar. Recentemente vimos uma profusão de notícias dizendo que devíamos olhar ao exemplo da Holanda, seja na produção, no comércio ou na política. Será mesmo?

Geralmente olhamos para a situação de outros países com uma mentalidade de fora e vemos apenas contrastes, conflitos e questões monodimensionais que nos interessam e respondem nossos medos e paradigmas.

Nosso setor precisa parar de achar que vivemos numa constante luta de agricultores contra governos autoritários, consumidores mimados ou ambientalistas radicais.

Não podemos chamar de autoritários os governos que realmente visam implementar e manter as leis e, cumprir as metas acordadas. Alguns chamam de autoritário tudo que é diferente de suas preferências pessoais.

Nosso setor compartilha recursos naturais frágeis: espaço, ecossistemas, ar e água. A questão é mais ampla, profunda e multifacetada e requer uma inteligência de mercado ainda ausente no todo, naquilo que chamamos de agronegócio nacional.

Nosso setor precisa parar de achar que vivemos numa constante luta de agricultores contra governos autoritários, consumidores mimados ou ambientalistas radicais

Essa revolução evolutiva ainda é uma exclusividade de raros setores, que se alimentam de ciência em suas várias faces. As novas gerações de consumidores e investidores clamam por essa revolução evolutiva, ainda incompreendida por muitos.

Na produção de alimentos, energia e na reconfiguração do que chamamos de economia verde, o Brasil pode ser imbatível e só depende de nós. As rusgas pautadas em paradigmas do século passado precisam ser superadas e as novas lideranças do setor precisam mostrar sua cara.

Por que nos falta coragem em dialogar sobre os chamados “temas impossíveis”?

Se a nossa geração conseguiu fazer muito e nos transformar num dos maiores produtores e exportadores de alimentos no mundo em tão pouco tempo, com o acesso as novas tecnologias, a nova geração que chega pode sim nos colocar entre aqueles que produzem o melhor alimento do mundo, com a preservação da biodiversidade, com inclusão social e baixa emissão de carbono.

Sustentabilidade é um ativo de colaboração pré-competitiva, não de marketing. Não precisamos do exemplo de ninguém, precisamos nos tornar o exemplo a ser seguido.

Marcello Brito é coordenador técnico do Centro Global Agroambiental e da Academia Global do Agronegócio da FDC-Fundação Dom Cabral, conselheiro de empresas privadas e ONGs.