O ano de 2023, em geral, foi muito bom ao agronegócio nacional, seja em produção, exportações, preços e mercados. Foi o primeiro após as anormalidades de mercado causadas pela pandemia, a invasão russa na Ucrânia e os sérios problemas climáticos em várias regiões do mundo.

Mas começamos 2024 sem o mesmo ímpeto do ano anterior. Aliados a sérios problemas climáticos em várias regiões do país, os preços das commodities estão voltando a patamares mais próximos ao que chamamos de “históricos”.

Em longos períodos de preços altos – e em 2022/2023 terminou o mais longo deles – a tendencia é esquecermos que a bonança um dia vai acabar, que os preços vão cair, que os custos vão pressionar o fluxo de caixa e muita gente vai ser “pega de surpresa”, se é que isso ainda pode existir num mercado tão profissionalizado.

É nesses momentos, em que a curva se inverte, que costumamos parar e pensar no que deixamos de fazer ou o que poderíamos ter feito diferente.

Risco é uma condição inerente ao Agro, mas que pode ser fortemente mitigado com as ferramentas disponíveis atualmente no arsenal das ciências, tecnologias, finanças, relações comerciais, internacionais e inteligência de mercado.

Terminamos 2023 com uma ótima entrevista do colega Marcos Jank (InsperAgro), na qual, onde entre outras coisas, alertava: “Precisamos ser mais modestos. Não estamos alimentando o mundo”.

Chamava a atenção para a já tradicional arrogância de alguns setores de nosso Agro e essa frase gerou forte debate nos vários grupos que dialogam sobre o Agro nacional. Voltaremos a esse tema mais à frente.

No dia 7 de janeiro passado, o USSEC (US Soybean Export Council) publicou propaganda na mídia especializada internacional onde dizia que a soja americana é a com a menor pegada de carbono em comparação a seus concorrentes. Na publicação completa, mostrava como chegou a esse cálculo.

Foi uma gritaria geral no Brasil. Até mesmo colegas ambientalistas entraram na defesa da agricultura brasileira em relação a esse acinte. Entre o conselho de Jank no parágrafo anterior e a publicação do USSEC podemos fazer algumas considerações interessantes.

No livro As Grandes Estratégias, de John L. Gaddis, encontramos ensinamentos baseados em eventos marcantes da história mundial que exemplificam a diferença entre o alerta sobre a soberba do nosso setor e a propaganda americana.

O Agro brasileiro, por sua competência nos últimos 30 ou mais, navegou em correntes favoráveis para crescer. Escreve Gaddis:

“...Tendo determinado seu destino, você zarpa, motiva os remadores (produtores), ajusta o barco conforme os ventos e as correntes (mercado e ambiente de negócios), evita bancos de areia e rochas (riscos), prepara-se para as surpresas e despende energia finita com eficiência (competência). Você controla algumas coisas e se alinha a outras (transformações de mercado da produção ao consumo / novas tendencias), usa o equilíbrio (inteligência de mercado) sem jamais se esquecer a razão de se equilibrar. Ir de onde está para onde deseja chegar (estratégia de persuasão em contraste a estratégia de confronto/reação)”.

Na propaganda, o USSEC usa a estratégia de persuasão para, num exercício de leitura científica baseada em mudanças do uso do solo (LUC), quantificar sua pegada de carbono, enquanto nós, utilizamos e temos sempre utilizado a estratégia de reação/confronto. Em vez de propor uma leitura própria das nossas competências e qualidades, só reagimos.

Nada poderia ser melhor que esse diálogo provocado por duas publicações tão distintas para abrir nossos olhos nesse início de 2024, pois o mundo iniciou no decorrer do ano passado uma grande discussão sobre sistemas alimentares, e isso tem tudo a ver conosco.

Além dos tradicionais fundos e empresas europeias e americanas, a iniciativa conta com o protagonismo e o apoio de participantes atípicos nesse meio, os países árabes e seus bilionários fundos soberanos, que têm, além de dinheiro, muito poder político.

Nem cabe aqui debater se essas transformações serão efetivas ou não, mas trarão sim novas pressões no mercado de alimentos, da produção ao consumo, dando nova dinâmica ao conceito de segurança alimentar.

No campo da produção, não tenho dúvidas de nossa competência. No campo das relações internacionais, comerciais e as novas dinâmicas decorrentes das pressões advindas com a mudanças climáticas, estou bem apreensivo.

Segundo pesquisa da PwC divulgada pelo Fórum Econômico Mundial em 15 de janeiro último, para 33% dos CEOs no Brasil as empresas que dirigem serão economicamente instáveis em 10 anos.

Se a pergunta inclui a manutenção do atual modelo de negócios, esse índice sobe para 41%. Uma tragédia eminente.

Mas não acaba aí, pois as mudanças climáticas trazem novas pressões. A PwC estima que aproximadamente 55% do PIB global depende altamente ou moderadamente da natureza. O nosso, com certeza, depende muito.

Diante de tal realidade, 41% dos CEOs mundiais afirmam aceitar retorno menor por investimentos pró-ambiente, mas no Brasil esse número cai para perigosos 29%.

Talvez isso explique a aceleração do desmatamento do Cerrado, o berço das águas do Brasil, a continua poluição e assoreamento dos rios em consequência do exíguo investimento em saneamento e prevenção de erosões e da tragédia representada pelos lixões Brasil afora, para citar apenas algumas de nossas fraquezas.

No mesmo livro de John Gaddis encontramos um trecho que dá sentido a esse percentual tão baixo entre os empresários brasileiros:

“Outro tipo de crescimento desafia o ambiente. É focado em si mesmo e, por conseguinte, ignora o exterior, estabelece direção, passo e proposito próprios. Sem prever obstáculos, não assume compromissos. Tal qual um predador incontrolável... ele ignora a direção para onde vai até ser tarde demais”.

Nosso governo parece que ainda não entendeu, tal qual uma parcela significativa do empresariado, quais são as novas relações e tendências internacionais decorrentes do novo equilíbrio econômico e geopolítico

Empreitadas ambiciosas exigem incentivos relevantes. Aqui, entra a segunda parte de minhas apreensões. Nosso governo parece que ainda não entendeu, tal qual uma parcela significativa do empresariado, quais são as novas relações e tendências internacionais decorrentes desse novo equilíbrio econômico e geopolítico.

Isso ficou estampado ao vermos a ausência do presidente da República e do ministro da Fazenda no Fórum Econômico Mundial.

Nesse momento atual do mundo, é a política e a economia que determinam os rumos para o futuro. Todo o resto faz parte do conjunto, mas apenas num contexto iconográfico. Assim, os donos do poder (do dinheiro) querem ouvir quem tem as chaves do comando político e econômico. Parece uma oportunidade perdida quando lideramos o G-20 e aguardamos a COP 30.

Passado esses dois eventos voltaremos a fila normal da avalição dos donos do poder e, pela primeira vez em 10 anos, não estamos entre os 10 países focais para investimentos. É imprescindível voltarmos com urgência a essa lista.

Temos a agenda mundial de médio prazo em nossas mãos. É calcada no tripé Alimento (segurança alimentar), Energia (segurança energética) e Florestas (segurança climática – água), mas não vemos no universo empresarial e político no Brasil qualquer estratégia de coesão que nos ilumine nessa jornada. Mas, ainda há tempo. Feliz 2024!