A COP 28, concluída neste 13 de dezembro, explicitou de forma dramática a bagunça geopolítica em que vivemos. A China comprova ser uma potência vigorosa em rápida ascensão. Os Estados Unidos parecem ser uma potência vigorosa em queda gradual, enquanto a Europa demostra ser outra forte potência, mas numa trajetória plana.

A verdade é que nenhuma dessas três potencias (as maiores) mundiais mostrou ser forte o suficiente ou mesmo ter uma ação conjunta para impor uma agenda íntegra, transformadora e sustentável ao planeta a partir dessa conferência.

O melhor que produzimos foi o diplomático “transitioning away” para os fósseis e a “manutenção da meta de 1,5°C”, como diz o texto final, seja lá o que isso quer dizer.

Nessa nova face geopolítica, ninguém mais se envergonha ao anunciar como sede para a COP 29 o Azerbaijão, outro Petro-State autocrático na sequência de Egito e Dubai.

Na continuação da Rio 92, quando esse debate do clima se iniciou, não houve sequer um ano (não conta a anormalidade imposta pela pandemia) em que as emissões mundiais reduziram – ou sequer se estagnaram. Assim, tirando o demasiado uso das frases bem-produzidas por craques da diplomacia, em que mais podemos nos esperançar?

Quem esteve esses dias na opulência megalômana de Dubai não pode, em seu maior delírio, acreditar que as sociedades do petróleo imaginam um mundo pós petróleo, pois nada conseguirá remunerá-los na mesma escala.

A Expo City Dubai, local da realização da COP é a prova cabal dessa tese. Gigantesco, cruel com os participantes pelas longas filas e caminhadas de um pavilhão a outro dignas para camelos, enquanto assistíamos os funcionários, todos estrangeiros sob um sol escaldante e autoridades se locomovendo em seus carros elétricos tranquilamente (aos portadores de necessidades especiais, aquele não foi um lugar convidativo).

Isso diz muitos das sociedades autocratas do petróleo e sua influência em todo o mundo, dos Estados Unidos a China, passando pela Europa, que assim nunca se unem para uma agenda global verdadeiramente de transformação e sobrevivência, apesar dos impactos que já sofrem em razão das mudanças climáticas em seus territórios.

Se não conseguimos mudá-las na força e rapidez necessária, usamos de especialistas em estratégias de comportamento e de comunicação para criar outros caminhos e narrativas úteis. Essas nunca são o suficiente para uma transformação global, mas muito importantes ao planeta.

Então, se a COP para o Phase-out / Phase-down do Petróleo (2/3 das emissões globais) foi um fracasso, a da Agenda de Sistemas Alimentares, Agricultura e uso da terra (1/3 das emissões) foi um sucesso de público e mídia.

Com a assinatura de mais de 150 países, incluindo o Brasil, mais de US$ 7,1 bilhões foram mobilizados para o chamado Ação Positiva do Clima nos sistemas alimentares, que teve seu início de discussões ainda na COP 27 no Egito.

Há fundos, nomes e referencias muito bonitas como Climate Smart-Food and Agriculture, a já tradicional Agricultura Regenerativa, os sistemas agroflorestais e muito mais.

Também se falou muito em incentivos financeiros para contrapor o desmatamento legal, mas quando perguntávamos como seriam esses incentivos num mundo onde 70% dos pequenos proprietários rurais ainda não têm acesso a um financiamento básico, o silencio machucava nossos ouvidos.

Participei como moderador ou panelista de 21 eventos nessa COP 28 nos pavilhões do Brasil, do Consórcio da Amazonia, dos Estados Unidos, Reino Unido, agências e iniciativas internacionais, ONGs, bancos, centros de pesquisa e em eventos paralelos da presidência da COP.

Fui assistir a dezenas de outros numa agenda diária de pelo menos 12 horas por inacabáveis 11 dias. Esses cobriram sistemas alimentares e agricultura, mercados regulados e voluntários de carbono, descarbonização, financiamento climático, florestas, créditos de biodiversidade, integração sul-sul, bioeconomia e muito mais.

Somente uma coisa é transversal a todos esses eventos: a Amazônia e sua importância climática ao planeta.

Vendo tudo isso ficava com aquele sentimento de que todos olhavam para nós, brasileiros, com o olhar de quem observava incrédulo a um incompetente, ao vivo e em cores.

Como um país portador de algo assim tão importante não soube, em sua trajetória, usar essas vantagens competitivas e comparativas em favor do desenvolvimento de seu povo? Nem mesmo em suas relações internacionais, seja no comércio ou importância geopolítica?

A COP 30 nos dá nova chance de ser um player de verdade nesse bagunçado e novo teatro geopolítico mundial. A COP de Dubai confirmou isso.

Mas, por incrível que pareça, nem tudo está perdido. Estamos na liderança do G-20 e ao final dessa etapa já estaremos na boca da COP 30 no Brasil.

Essa COP nos dá nova chance de ser um player de verdade nesse bagunçado e novo teatro geopolítico mundial. A COP de Dubai confirmou isso.

Apesar de já iniciamos com divergências, essas eu julgo muito boas. Alguns querem chamar de a COP das Florestas, outros de a COP da Natureza. Num mundo de profundos distúrbios cognitivos, até essa escolha terá influência na agenda e de como ela irá reverberar mundo afora.

A COP da Floresta é ilustrativa da visão atual que o mundo tem do Brasil. É inclusivo e clama para a importância delas, principalmente as tropicais, para o equilíbrio do planeta. O temor que tenho é que essa simplicidade aumente ainda mais a visão da Amazônia como centro mundial de preservação obrigatória pura e simples.

Apesar de a COP 30 ser realizada em Belém, aos olhos do mundo ela será a COP da Amazônia e, antes de tudo, a COP do Brasil. Nesse caso, a COP da Natureza passaria a ser aquela que igualmente proporá agendas para floretas e seus povos, mas também para os outros biomas, para os agora famosos sistemas alimentares e agricultura, energia limpa e indústria, para a reinvenção de uma mineração responsável, pois sabemos que sem ela é impossível fazer a transição para a nova economia verde, para a bioeconomia, enfim, para todo os potenciais existentes nesse nosso Brasil e ainda pouco explorados em favor do Brasil.

Se a nova e desequilibrada geopolítica mundial nos levou a COP no Egito, depois aos Emirados Árabes e em 2024, ao Azerbaijão, para discutir clima, nada terá mais legitimidade mundial que a COP da Natureza de Belém, na Amazônia, no Brasil.

A COP dos povos da Natureza, dos produtos, serviços e mercados da Natureza, do combate às mudanças climáticas a partir da Natureza. Ou restauramos essa rota ganha-ganha a partir das soluções baseadas na Natureza ou o mundo desenvolvido irrigado pela indústria do petróleo ainda irá nos impor as soluções baseadas na Ciência, onde os países da Natureza como o Brasil continuarão irrelevantes. Deu-se início a formulação de nossa agenda e eu estou otimista.

Marcello Brito é coordenador do Centro Global Agroambiental e Academia do Agro na Fundação Dom Cabral (FDC).