À medida em que as águas baixam no Rio Grande do Sul, sobem os números no cálculo dos prejuízos provocados por um dos maiores eventos climáticos já vistos no País. A estimativa mais recente, da Confederação Nacional de Municípios (CNM), é de quase R$ 9 bilhões em perdas, considerando apenas 73 cidades que começaram a contabilizar as perdas.
A previsão avalia o impacto no setor público, no privado, na infraestrutura, logística e, principalmente, na destruição de propriedades – que somam, sozinha, R$ 4,6 bilhões – 51% do total. Segundo a CNM, 446 municípios gaúchos foram afetados pelas enchentes.
O impacto econômico da tragédia, entretanto, pode durar anos, comprometendo atividades econômicas em vários setores, inclusive safras que serão plantadas nos próximos meses e anos. Levantamento, da Embrapa Territorial, unidade de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária sediada em Campinas, no interior de São Paulo, mostra que ao menos 21,5 mil imóveis rurais e 1.559 estabelecimentos agropecuários foram atingidos - e devem sentir efeitos duradouros em seus negócios.
As análises feitas pelos pesquisadores a partir de imagens de satélite mostram que a área inundada no Estado abrange mais de 500 mil hectares, incluindo 11% da área de arroz, 1,4% da soja, 1,2% das pastagens e 2% de outras culturas anuais. Além disso, 85 unidades de armazenagem de produtos foram inundadas, somando uma perda potencial de 749 mil toneladas.
O impacto não se restringe ao que já estava em solo. As projeções para a safra de inverno – de culturas como trigo, aveia e cevada – estão à espera do baixar das águas. O período de plantio dessas lavouras, historicamente, começa entre maio e junho – e tudo indica que irá atrasar ou não ocorrer em determinadas regiões.
“A principal incerteza é justamente a janela de plantio”, afirma Carlos Cogo, da Cogo Inteligência em Agronegócio. Além disso, em algumas regiões, a camada fértil do solo foi literalmente “lavada”, o que eleva custos e dificulta o processo de preparação do solo para o plantio.
No caso do trigo, a previsão da Conab era de que a produção no Rio Grande do Sul chegasse a 4,4 milhões de toneladas, ou 45,3% da produção nacional. “Mas se as chuvas não cessarem, a janela ideal de plantio pode ficar comprometida, impactando a produtividade”, alerta o Itaú BBA no seu Radar Agro.
Tiago André Amaral, pesquisador da Embrapa Trigo, não arrisca fazer projeções, mas lembra que existem trabalhos com manejo de conservação de solo focados na produção de cereais de inverno que poderão ajudar e acelerar a recuperação de áreas de cultivo. “Para agora, é difícil prever, mas para as culturas de verão pode haver tempo para recuperar o solo”, disse.
Amaral menciona que há regiões do Rio Grande do Sul onde a semeadura das culturas de inverno começa em meados de junho, o que traz algum alívio no sentido de que algum trigo pode vir a ser plantado. “Elas estão concentradas no Norte e Noroeste do E]estado e são áreas onde os problemas com enchentes no campo são menores”, disse ao AgFeed.
Bruno Santana, gestor da Kijani Investimentos, afirma que, no caso do trigo, há também preocupação com a oferta global do cereal, pois uma diminuição da oferta brasileira tem impacto nos preços internacionais.
“Com o cenário de maior custo de produção e menor produtividade, os produtores podem enfrentar uma redução na margem de lucro”, alerta, lembrando que a oferta global poderá atender a demanda interna pelo produto, reduzindo risco de desabastecimento.
Cenário semelhante se apresenta para cevada e aveia. No caso da cevada, os municípios afetados representam 47% da produção estadual e 17% da produção nacional. Na aveia são 33% da produção nacional e 47% da estadual – segundo Santana.
Segundo o gestor, como o período de semeadura de grãos de inverno, como o trigo e a aveia, não começou, ainda não é possível saber qual será o tamanho do impacto nessas lavouras, apesar de já se ter quase certeza de uma redução na área plantada.
“O que dá para saber é que o plantio de pastagens de inverno (que servem de alimentos para o gado) foi prejudicado, pois as sementes já estavam em período de germinação”, diz.
Cogo reforça: “Qualquer balanço é parcial, uma vez que ainda há municípios debaixo d’água e bloqueios em ruas e estradas”, diz. Ele lembra que as enchentes atingiram mais de 2 milhões de pessoas e impactaram 94,3% da atividade econômica do Rio Grande do Sul.
Segundo a Embrapa Territorial, o Rio Grande do Sul ainda tem 49 bloqueios parciais e 42 totais devido à queda de barreiras e de pontes, além de rodovias que estão ainda submersas ou com trechos intransitáveis por causa do excesso de água.
Outros impactos
O Rio Grande do Sul é responsável por 11% da produção nacional de aves e 17% da produção de suínos, além de ser um importante exportador de proteína animal, mas desde o início das chuvas uma dezena de plantas frigoríficas de aves e suínos foram paralisadas. Apenas duas continuavam fechadas nesta quarta-feira, 22 de maio.
No setor de aves, as perdas chegam a R$ 183 milhões, segundo a Organização Avícola do Rio Grande do Sul (OARS). Entre os entraves para retomada, estão os problemas com logísticas, pois parte das granjas que não foram inundadas segue isolada porque as estradas estão bloqueadas.
Na pecuária de corte, as inundações desencadearam problemas como erosão do solo e o arraste de sementes de forrageiras, prejudicando a produção de cereais de pastagens de inverno e a oferta de forragem. “Em algumas regiões, os danos são irreparáveis”, diz Cogo, lembrando que o encharcamento das áreas de pastagens dificulta o manejo dos animais.
“As regiões atingidas vão demandar estratégias de recuperação que passam pelo manejo de solo e implementação de técnicas de contenção de enxurradas e, assim, imunizar danos que possam ocorrer no futuro”, diz Amaral, da Embrapa.
A despeito das incertezas, os especialistas arriscam calcular os impactos das chuvas nas produções de arroz, soja e milho – que estavam em fase final de colheita antes de as chuvas começarem.
No caso da soja, a estimativa do Itaú BBA é que o impacto das enchentes na produção seja de 5 milhões de toneladas, enquanto arroz e milho primeira safra terão reduções de, respectivamente, 1,3 milhão de toneladas e 870 mil toneladas.
A Cogo é mais otimista e estima perdas de 2,5 milhões de toneladas para a soja e 400 mil toneladas para milho e arroz. Para essas culturas, as áreas plantadas devem recuar em 15% na soja, 14% no arroz e 12% no milho primeira safra.
Para a Cogo Inteligência em Agronegócio, a safra 2023/2024 da soja no Rio Grande do Sul deve chegar a 20 milhões de toneladas – ante projeção inicial de 22,5 milhões. Já o arroz deve reduzir da estimativa inicial de 7,5 milhões de toneladas para 7,1 milhões, enquanto o milho primeira safra terá produção de 4,7 milhões – ante projeção anterior de 5,1 milhões.
“Acreditamos que a produção de arroz, soja e milho serão bem menores que o impacto potencial”, diz o Itaú BBA, que vê como improvável o desabastecimento.