A adoção de sistemas de rastreabilidade no agronegócio brasileiro não é uma novidade. Há anos diversas ferramentas vêm sendo implementadas e seus dados usados como estratégia para posicionar o Brasil no exterior e responder a demandas cada vez maiores, especialmente da Europa, pelo fornecimento de dados que comprovem a origem de tudo que é produzido por aqui - do café até a carne bovina.
Mas, para além de atender demandas do mercado internacional, a adoção de ferramentas de controle é vista como necessária também para promover melhorias da porteira para dentro.
Pelo menos é o que aponta pesquisa realizada pelo Insper Agro Global, que ouviu representantes da cadeia da pecuária de corte bovina entre abril e agosto desse ano com o objetivo de entender como os atuais modelos de monitoramento são avaliados e implementados.
A conclusão unânime da pesquisa é de que ter um sistema de rastreabilidade é uma necessidade. Mas o uso com fins exclusivos de prestar contas aos compradores externos não é um consenso.
Para quem atua na produção, a geração de dados que ajudem a melhorar gestão e entendimento do negócio é tão importante quanto dar transparência sobre a origem do rebanho.
Esse “dentro da porteira” consiste em ter ferramentas que ajudem a aprimorar dados mais técnicos, como ganho médio de peso diário do gado, além de ter apoio para a gestão financeira.
A possibilidade diferenciar produtos, de ajudar no controle dos pastos, da biodiversidade, questões climáticas e fitossanitárias são outras vantagens apontadas pela pesquisa.
“Cada vez mais países produtores como o Brasil têm sido cobrados a oferecer evidências de que a sua produção agropecuária não oferece riscos à saúde humana, não contribui para a crise climática e não compromete a biodiversidade”, afirma Camila Dias de Sá, pesquisadora e uma das autoras do estudo, assinado ainda por Fernanda Lemos, pesquisadora, e Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global.
Segundo a pesquisadora, apesar de o Brasil ter iniciativas de rastreabilidade, ainda há muito a se avançar. Falta, segundo ela, uma política única, que envolva o setor privado e que seja regulada e fiscalizada pelo governo federal em parceria com os estados que possuem áreas destinadas à rebanhos.
“Precisamos de algo amplo, que associe dados públicos e privados e que atenda tanto a demanda sanitária, que é o foco do governo, quanto a governança de produção, que é uma necessidade do setor produtivo que exporta e que é muito cobrado no exterior”, explica Camila.
Melhorar o que já existe
Na avaliação dos pesquisadores, o Sisbov (Sistema de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos) foi uma experiência de implementação malsucedida para estruturar a rastreabilidade da cadeia pecuária no Brasil.
Coordenado pelo Ministério da Agricultura e da Pecuária (Mapa), o Sisbov é baseado em adesão voluntária – ou seja, só se cadastra quem quer. A obrigatoriedade existe apenas para o gado que é produzido para ser exportado para a União Europeia, que exige o monitoramento.
“O Sisbov é um sistema que atende os produtores que exportam carne para a Europa”, afirma Camila, lembrando que não existe no Brasil um sistema de fato nacional, como os implementados na Austrália e Uruguai. Dos estados brasileiros, apenas Santa Catarina faz rastreabilidade completa da pecuária.
No Uruguai, o sistema de rastreabilidade é integrado, com monitoramento realizado a partir do compartilhamento de informações entre governo, indústria e produtores, de forma obrigatória desde 2006.
Além disso, o acompanhamento dos animais é individual e não por rebanho, o que aumenta a acuracidade dos dados.
No Brasil, além do Sisbov, que é uma plataforma do Mapa, e de outros sistemas que monitoram produções agrícolas de café e outras commodities, existem iniciativas privadas – especialmente de grandes produtores que tem a Europa como destino de suas carnes. O Grupo de Trabalho dos Fornecedores Indiretos na Pecuária Brasileira (GTFI) é um exemplo.
O GTFI é formado por ONGs e empresas – entre elas JBS, GPA, Minerva Foods, Marfrig, Frigol, Fazenda Urupiara e Masterboi. O principal objetivo é pesquisar soluções de rastreabilidade, monitoramento e transparência que possam ser implementadas pelos produtores de carne – em especial os pequenos e médios que fornecem abastecem as empresas exportadoras.
A JBS é uma delas. Maior produtora de proteína animal do mundo, a empresa financia projetos de monitoramento por meio do Fundo JBS pela Amazônia. A iniciativa mais recente foi a criação de um projeto para a formação de hubs de pecuária na Amazônia, com o objetivo de facilitar a rastreabilidade de animais da região e, assim, coibir o desmatamento na floresta – o impacto que isso traz para os seus negócios globais.
Ao todo, o Fundo JBS promete investir R$ 100 milhões para ajudar pequenos produtores a adotar tecnologia e processos de monitoramento que gerem dados sobre a origem e a circulação do gado que é comercializado, na ponta e no exterior, pela companhia.
“A integração entre monitoramento ambiental e rastreabilidade desde a origem são interessantes para dirimir problemas de ilegalidade ou compra de animais de mercados imbuídos em “lavagem de dinheiro em quatro patas”, dizem os pesquisadores do Insper Agro Global na conclusão do estudo.
Os dados da pesquisa apontam ainda que entre os fatores associados ao sucesso de adoção de um sistema de rastreabilidade estão incentivos.
Exemplos disso são instrumentos de crédito e de isenção tributária, além de mecanismos privados para apoiar a implementação da estrutura que ajude na rastreabilidade das propriedades menores, permitindo distribuição de valor ao longo de toda a cadeia.
Isso acontece porque, quanto maior o rebanho, mais o produtor consegue diluir custos sobre o total por animal – o que fica mais difícil quando se trata se pequenos produtores rurais.
Além da tecnologia, a adoção de sistemas de rastreabilidade envolve custos com formação e manutenção de mão de obra, necessária para a gestão das ferramentas de controles.
Seja por meio de sistema de monitoramento por satélite ou drones ou dispositivos que são acoplados nos animais, definir regras claras e que sejam as mesmas para todos e que facilitem a prestação de contas é fundamental para o bom funcionamento e credibilidade do sistema e da pecuária nacional. E, claro, para a imagem do Brasil e de suas exportações.