As pressões para que a produção agrícola mundial se alinhe às necessidades climáticas ganharam fôlego no último final de semana, durante a 18ª Cúpula do G-20 – grupo que reúne 19 das principais economias do mundo e a União Europeia –, em Nova Delhi, na Índia. O Brasil assume a liderança do grupo a partir de dezembro.
Além da agenda de combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável está no centro do debate à medida que se aproxima a data da reunião da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP28), que acontece entre 30 de novembro a 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes.
Composto por alguns dos maiores produtores e consumidores de alimentos do mundo, os países em desenvolvimento que integram o G-20 tentam dividir com nações da Europa e os Estados Unidos as pressões para que sejam feitas mudanças nas políticas de subsídios ao agronegócio, apontado como fator de estímulo às emissões de gases do efeito estufa.
Essa pressão ganhou um apoio tão inesperado quanto poderoso. Um grupo de 32 investidores globais que integram a Iniciativa FAIRR – e que, juntos, controlam mais de US$ 7,3 trilhões em ativos – produziu um documento cobrando do G20 um alinhamento de suas políticas agrícolas aos objetivos de sustentabilidade firmados em fóruns como o Acordo de Paris, as últimas COPs e em reuniões das Nações Unidas.
A cobrança dos investidores – cujo documento foi divulgado pela Reuters -- se baseia em um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2021, que aponta que os subsídios agrícolas além de aumentarem a desigualdade, afetam o meio ambiente.
De acordo com o relatório, elaborado pela agência para agricultura e alimentação da ONU, a FAO, os subsídios agrícolas somam US$ 540 bilhões por ano, ou 15% do total da produção mundial. Desse montante, 87% têm efeito distorcivo, levam à ineficiência e são distribuídos de maneira desigual, pois colocam grandes negócios agrícolas à frente dos pequenos produtores.
“Esses recursos destinados à produção agropecuária no mundo são responsáveis por distorcer preços e causar danos ao meio ambiente e à sociedade”, alertou a FAO. A organização enfatiza que a continuação dessa tendência fará com que o ritmo dos subsídios aumente, chegando a US$ 1,8 trilhão em 2030, onerando cofres públicos e provocando efeitos prejudicais à natureza.
O relatório da FAO aponta que a agricultura é um dos setores que mais contribuem para as mudanças climáticas por causa da emissão de gases de efeito estufa de diferentes fontes, incluindo esterco em pastagens, fertilizantes sintéticos, cultivo de arroz, queima de resíduos agrícolas e mudança no uso do solo.
Ao mesmo tempo, reforça que os produtores agrícolas são também os mais vulneráveis aos impactos da crise climática, já que o calor extremo, aumento do nível do mar, secas, enchentes e ataques de pragas, como gafanhotos, prejudicam a produção.
À Reuters, Helena Wright, diretora da Iniciativa FAIRR, disse que um outro relatório, produzido no Reino Unido, informa que os subsídios ao agronegócio causaram danos avaliados entre US$ 4 bilhões e US$ 6 bilhões ao meio ambiente e à biodiversidade mundial.
“Apesar de o acordo para preservar a biodiversidade a partir da reforma dos subsídios ter sido assinado em Montreal, no Canadá, em dezembro do ano passado durante a COP-15, muito pouco avançou até agora”, diz.
O pedido dos investidores é de que os compromissos fechados pelos países que integram o G20 – entre eles Brasil, China e Índia, além da União Europeia - sejam de fato cumpridos. Eles exigem que o grupo dê o exemplo para que outras nações se conscientizem da importância da preservação ambiental para a sustentabilidade do planeta.
Entre os integrantes do grupo estão o BNP Paribas e a Legal & General Investment Managers, que é a maior gestora de ativos do Reino Unido. Foi a primeira vez que um grupo de investidores se uniu em torno desse tema, mas não é uma novidade que grandes fundos de investimentos têm colocado a agenda ambiental entre suas prioridades.
Desde 2020, Larry Fink, fundador e CEO da BlackRock, considerada a maior gestora em ativos do mundo, com US$ 8,6 trilhões sob gestão, vem defendendo a necessidade investidores incorporarem critérios de responsabilidade de social e ambiental na hora de selecionar onde aplicar os recursos.
Fink defende uma transição para a economia de baixo carbono, embora a Blackrock ainda tenha entre seus investimentos empresas de petróleo e gás.
A iniciativa FAIRR foi lançada em 2016 para realizar pesquisas e oferecer dados sobre riscos e oportunidades envolvendo questões climáticas e segurança alimentar. Apesar de as discussões sobre esses temas estarem ganhando espaço nos fóruns internacionais, pouco de fato avançou.
Há uma sensação de descrença entre os investidores, considerando que pouco evoluiu por parte dos países em relação ao cumprimento das metas firmadas nas últimas COPs, especialmente em relação à mitigação nas emissões dos gases do efeito estufa.
O alerta tem sido feito com frequência pela FAO. De acordo com relatórios emitidos pela entidade da ONU, o atual arcabouço de apoio aos produtores é baseado sobretudo em incentivos de preços, com subsídios às exportações e tarifação sobre importações.
Segundo a FAO, o impacto negativo no clima é mais relevante nas nações com renda mais elevada, que consomem mais laticínios e produtos à base de carne animal, como a bovina.
Nos países em desenvolvimento, cuja produção é de alimentos básicos, como cereais, os subsídios estimulam essas culturas, reduzindo apoio para diversificação da produção e para a oferta de alimentos mais nutritivos.
Como solução, a ONU sugere uma reorientação dos subsídios – e não apenas a sua remoção. Pesquisas, desenvolvimento tecnológico e infraestrutura precisam ganhar fôlego para que assim, seja possível manter a oferta de alimentos, com redução de emissões do CO2.
De acordo com a ONU, apenas os investimentos em infraestrutura reduziriam as emissões de gás carbônico em mais de 70 milhões de toneladas.
O Brasil destinou ao Plano Safra (2022/23) R$ 340,88 bilhões em créditos para apoiar a produção nacional, um aumento de 36% sobre o ano anterior.
Desse total, R$ 115,8 bilhões tiveram juros rebaixados pelo governo por ser voltado à agricultura familiar e programas especiais, como o de agricultura de baixo carbono.
Esse valor, segundo cálculos feitos pelo ex-secretário de Agricultura de São Paulo Xico Graziano, em artigo recente, representa 2% do Valor Bruto da Produção, considerando ainda os orçamentos dos ministérios da Agricultura e Desenvolvimento Agrário.
É pouco em termos globais. Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica que esse percentual chega a 59% na Noruega, 41,4% no Japão, 13% na China e 12% nos Estados Unidos.