Em tramitação no Congresso, o Projeto de Lei 412/2022 pretende estabelecer regras para o mercado de carbono no Brasil ao criar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

O projeto integrará o Plano de Transição Ecológica prometido pelo governo federal e é inspirado no sistema europeu, ETS na sigla em inglês, que adota modelo cap and trade, que define limite para as emissões e regras para comercialização de créditos de carbono por quem tem excedente com as empresas que emitem além do permitido.

A intenção é que esse sistema entre em vigor a partir de 2024, mas a pergunta que fica é: o mercado de crédito de carbono é suficiente para controlar as mudanças climáticas?

Todos os dias o noticiário traz informações sobre inundações que destroem casas e plantações e, ao mesmo tempo e em outra localidade, dados sobre calor intenso e seca que também inviabilizam a produção agrícola.

Isso demonstra a urgência da busca por soluções que evitem um colapso do clima e, com ele, a redução da capacidade de suprir a crescente demanda mundial por alimentos.

Mesmo com Europa e Estados Unidos intensificando regras para a compra de produtos, exigindo compromissos ambientais não apenas da cadeia do agronegócio, mas também de empresas processadoras de alimentos, ainda faltam regras globais e métricas quantitativas para mensurar com critérios únicos e universais o quanto grandes empresas processadoras de alimentos estão comprometidas com o mercado de carbono.

O The New Nature Economy Report, do Banco Mundial, aponta que metade do PIB global – ou cerca de US$ 44 trilhões - depende da natureza. O estudo, de 2020, analisou 163 setores industriais e suas cadeias de abastecimento.

Entre as três maiores indústrias analisadas estão agricultura e alimentação e bebidas, com US$ 2,5 trilhões e US$ 1,4 trilhão, respectivamente, movimentados a partir de recursos naturais. Construção é a primeira, com US$ 4 trilhões.

No entanto, as empresas parecem ainda não ter se atentado para esses dados – apesar de a onda ESG ter tomado conta de boa parte do discurso corporativo.

Do total de empresas que já tem compromissos ESG em vigor – são signatárias de ODS da ONU ou do acordo de Paris – apenas 36% têm alguma ação efetiva. Ou seja, 64% ainda não tem metas para compensar os impactos de suas operações no clima.

Nos EUA, Reino Unido e União Europeia, reguladores querem avançar na implementação de regras e penalidades mais rigorosas para empresas que assumiram compromissos e estão atrasadas na evolução dessas melhorias.

Na UE, as empresas poderão enfrentar uma multa no valor de 5% das suas receitas e ficar expostas a litígios se não conseguirem fundamentar as suas alegações climáticas até 2026.

A análise e os dados são da Farm Animal Investiment Risk & Return (FAIRR), instituição que representa mais de 370 investidores globais que administram juntos cerca de US$ 70 trilhões em ativos, que avaliou o compromisso de gigantes como Bunge, ADM, Mondelez International e Tyson Foods.

Da ampla lista, apenas quatro – Nestlé, PepsiCo, Sodexo e a brasileira JBS - investiram recursos significativos para apoiar práticas sustentáveis, entre elas a produção agrícola regenerativa.

A agricultura regenerativa, aliás, tem sido vista como alternativa para a redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE). De acordo com a FAIRR, de um grupo de 79 empresas que atuam no agronegócio e em alimentação, 63% a consideram como oportunidade para compensação e obtenção de créditos de carbono.

Em recente relatório a investidores, Jeremy Coller, diretor de investimentos da FAIRR, ressaltou que as gigantes multinacionais da alimentação têm falado muito sobre compromissos com a agricultura regenerativa, mas que ainda faltam mecanismos capazes de mensurar de forma efetiva e padronizada se elas estão de fato cumprindo suas promessas.

Oportunidades para o Brasil

“No Brasil, a regulação do mercado de carbono do ponto de vista macro, é muito mais uma oportunidade do que um risco para o agronegócio”, afirma Roberto Strumpf, diretor da Radicle, empresa especializada no desenvolvimento de plataformas para mensurar, apurar e qualificar emissões de GEE.

Hoje, o Brasil é o sexto maior emissor de GEE no mundo e cerca de 70% dessas emissões estão ligadas ao uso do solo e de áreas de floresta, segundo dados da Radicle.

Nos últimos anos, as emissões em termos relativos diminuíram, mas em termos absolutos aumentaram – entra nessa conta o impacto do acionamento de usinas térmicas para manter o fornecimento de energia devido à seca que impactou os reservatórios das usinas hidrelétricas.

Segundo Strumpf, o investimento em práticas mais sustentáveis só irá beneficiar o Brasil, do ponto de vista tanto de ampliação da produtividade, quanto de acesso a novos mercados, com melhora da imagem do país internacionalmente. E a agricultura regenerativa terá um peso importante nessa transição.

A maior adoção de agricultura regenerativa poderá gerar US$ 1,4 trilhão e 62 milhões de empregos até 2030, segundo estimativas do Banco Mundial.

No Brasil, a rotação de culturas, o cultivo direto e maior uso de insumos biológicos já são realidade em grande parte do agronegócio nacional. Além dos sistemas integrados de produção, os sistemas de agroflorestas e de integração lavoura-pecuária-floresta também tem crescido, o que permite a produção de diversos produtos numa mesma área. Isso otimiza o uso do solo, diminui custos de produção e reduz o impacto ambiental.

Culturas como sorgo e milheto vem ganhando espaço nas entressafras nacionais. Além de serem capazes de ajudar na recuperação do solo, esses grãos são apontados como alternativa para atender a demanda global por alimentos por se adaptarem melhor às condições climáticas mais adversas – o que não ocorre em lavouras de soja, milho e arroz.

A agricultura regenerativa, o aumento no uso de insumos biológicos, a redução de áreas de pastagens com aumento da produção de carne – mostrando como o investimento em tecnologias ajuda no ganho de produtividade - são alguns fatores que tendem a beneficiar o Brasil na disputa global por redução do impacto ambiental das colheitas.

Desde 2020, a taxa média de adoção de controle biológico no Brasil subiu para 28% do total da área plantada em lavouras no País na safra 2021/22. Na safra 2019/2020, a taxa média de adoção girava em torno de 17%, de acordo com pesquisa da CropLife com a S&P Global.

“A despeito da diplomacia ambiental praticada especialmente pelos europeus, que tentam criar regras que tem o objetivo de proteger suas próprias indústrias, o Brasil terá muitas oportunidades ao praticar a agricultura de baixo carbono”, afirma Strumpft.