A falta de chuvas, com estresse hídrico, é um dos principais temores de qualquer produtor agrícola em qualquer parte do mundo. E cada vez mais, tem se mostrado um agravante para a sensível logística das commodities agrícolas em alguns dos principais corredores hidroviários do planeta.

Dos rios da Amazônia ao americano Mississipi, do Canal do Panamá ao europeu Reno, níveis de água bem abaixo do normal afetam simultaneamente grandes regiões produtoras, paralisando barcaças, encarecendo fretes e comprometendo o abastecimento a populações.

A seca prolongada na Amazônia, por exemplo, é a mais severa dos últimos 40 anos e impacta 80% das áreas agrícolas de oito estados da região. Já nos Estados Unidos, o mesmo problema atinge o leito do rio Mississipi, por onde são escoados 50% dos produtos agrícolas provenientes do Meio Oeste, principal região produtora do país.

Os níveis de água no grande rio americano estão perto das mínimas históricas, de acordo com dados da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) e do Serviço Geológico dos Estados Unidos. Os impactos no escoamento e na produção de produtos como soja e algodão começam a se avolumar.

Na Europa, o rio Reno, o mais extenso e o mais importante para o transporte de matérias-primas e produtos industrializados europeus, vem perdendo volume, com impactos também no transporte de cargas.

E, no Panamá, a redução do leito de rios que abastecem o canal que liga os Oceanos Atlântico e Pacífico obrigou a Autoridade do Canal do Panamá (ACP) a limitar a passagem de navios, especialmente os de grande porte.

A situação crítica em vários pontos do mundo é um efeito claro da ação do fenômeno El Niño sobre o clima global. A NOAA divulgou esta semana um relatório que aponta uma anomalia de temperatura da superfície do Oceano Pacífico, que está entre 1,5ºC a+1,9ºC mais quente.

O fenômeno natural é apontado como responsável pelas secas extremas que atingem a região Amazônica, parte dos Estados Unidos, Oceania e a Europa – que no último verão registrou calor recorde. Em contrapartida, no Sul do Brasil, o El Niño traz fortes chuvas – e perdas de outra natureza para agricultura e pesca.

A perspectiva do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) é de que a seca na região amazônica dure pelo menos até dezembro, quando o El Niño deve chegar no seu pico de intensidade. Por causa do fenômeno, a intensidade de chuvas no interior de estados como Amazonas e Pará foi a menor dos últimos 40 anos.

“A diferença do impacto da crise hídrica nos Estados Unidos, Europa e o Brasil é que eles têm mais opções para escoamento da produção”, afirma o diretor para a FGV Transportes, Marcus Quintella, referindo-se à infraestrutura ferroviária e rodoviária de melhor qualidade disponível para europeus e americanos, quando comparado com o Brasil.

A falta de chuva, o aumento da temperatura e a redução na umidade do solo já afetam áreas destinadas para a agricultura e a pecuária em 79 municípios da região amazônica, de acordo com o Cemaden.

A Agência Nacional de Saneamento Básico (ANA) declarou como crítica a situação do rio Madeira, que está no seu menor nível em 56 anos. A hidrovia do Madeira é uma das mais importantes da região Norte por concentrar movimentação de contêineres para a Zona Franca de Manaus e terminais graneleiros do estado do Amazonas. O rio também faz conexão com Rondônia.

É com as águas do Madeira que também funcionam as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, que foi desligada essa semana por causa situação crítica de seu reservatório. Santo Antonio abastece a maior linha de transmissão do país, que interliga a região Norte ao Sudeste, também desligada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).

“Essa é a maior seca já vivida pela região”, afirmou recentemente Muni Lourenço, presidente da Federal de Agricultura e Pecuária do Amazonas.

No Pará, por exemplo, 55 cidades estão sendo impactadas pela seca, com uma média 60% e 80% das áreas destinadas à produção agrícola e à pecuária comprometidas. É percentual similar ao verificado em Roraima, de acordo Cemaden.

No rio Amazonas, o nível da água está abaixo da normalidade segundo o Serviço Geológico. Associado ao calor extremo – que chegou a quase 40ºC, a Defesa Civil decretou estado de “emergência ambiental” em 55 municípios do estado do Amazonas. O Acre também está em situação de emergência. No estado, a seca atinge rios como Purus e Juruá.

E as perspectivas não são das melhores. A pesquisadora Ana Paula Cunha, do Cemaden, diz que as previsões de chuva indicam volume abaixo do esperado nos próximos meses. “Isso vai comprometer safras de milho e feijão”, afirma.

Investimento em dragagem

Em resposta ao cenário crítico da região, os ministérios dos Transportes e de Portos e Aeroportos anunciaram investimento de R$ 140 milhões para dragagem de 8 quilômetros do Rio Solimões, no extremo oeste do Amazonas, e do rio Madeira.

Do total de investimento previsto, R$ 40 milhões já estão liberados para o trabalho de dragagem do Solimões, que será feito em trechos que estão assoreados e considerados críticos para a navegabilidade.

“Temos que garantir o escoamento da produção e a chegada de insumos para a população”, afirmou o ministro dos Transportes, Renan Filho. Esse trabalho inicia essa semana e deve ser concluído em 45 dias, segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).

Já a dragagem do rio Madeira, deve demorar um pouco mais. A previsão da assinatura da autorização está prevista para a segunda quinzena de outubro. Também conduzida pelo DNIT, a dragagem do Madeira vai acontecer em dois pontos críticos para a navegação – na região de Tabocal, próximo de Manaus, e na foz do rio, em Itacoatiara. Para esse projeto serão investidos R$ 100 milhões.

Além do plano emergencial, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) trabalha num plano geral de outorgas que visa implementar melhorias em hidrovias já existentes, como Rio Madeira, Rio Tapajós, Rio Paraguai, Barra Norte, Rio Tietê – Paraná e São Francisco, além de estimular investimentos em outros trechos.