Todas as projeções indicam que 2024 será mais um ano de produção e exportações recordes para a pecuária brasileira. As vendas externas seguem batendo recordes e a abertura de novos mercados – além da possibilidade de maiores vendas para a China – podem compensar a expectativa de consumo interno ainda morno.

A grande dúvida que ainda paira entre os analistas é em relação aos preços pagos ao pecuarista pelo boi gordo. Em que medida eles podem se recuperar?

“O ciclo de preços baixos tende a continuar pelo menos até o meio do ano”, afirma Alcides Torres, da Scott Consultoria. Tanto no mercado interno quanto no externo, o que influencia essa perspectiva é a economia básica: oferta maior do que a demanda.

No Brasil, há o aumento do abate de fêmeas como resultado da queda nos preços do leite – elevando a oferta de carne para um mercado consumidor ainda desaquecido. No exterior, outro grande exportador, a Austrália, também tem oferecido preços menores para escoar sua produção, que bateu recorde no ano passado e que tende a crescer 12% este ano, segundo estimativas do Rabobank.

Em meio a esse contexto está a abertura de mais mercados para as exportações brasileiras. De acordo com o Ministério da Agricultura, desde o ano passado foram 49 países, entre eles o Egito – que essa semana liberou, para o Brasil, a venda de carne bovina e miúdos de caprinos e ovinos – e a China, que na semana passada habilitou 38 frigoríficos, dos quais 25 de carne bovina.

A maior demanda na China, que é hoje o principal comprador de carne do Brasil, eleva a competição entre os frigoríficos brasileiros. Muitos, especialmente os de menor porte que até então não tinham acesso a esse mercado, vão reduzir margens para conquistar seu espaço na disputa com grandes exportadores como JBS, Marfrig e Minerva.

“Abrir mercado é sempre motivo de alegria e essa habilitação da China amplia o número de praças no Brasil com possibilidade de exportação para o país”, afirma Torres, da Scott Consultoria. “Mas, ao mesmo tempo, aumenta a oferta do ‘Boi China’, que faz o preço recuar”.

‘Boi China’ é como se chama o animal que segue os critérios estabelecidos pelos chineses para a importação de carne. O principal deles é a idade: o boi precisa ser jovem, com no máximo 30 meses de vida, para evitar risco da doença da vaca louca – que costuma atingir animais mais velhos. Essa é uma condição imposta pelos chineses para importar carne do Brasil.

Exportação em alta, receita em queda

No ano passado, as receitas com exportações de carne bovina (in natura e processada) caíram 17%, apesar do aumento de mais de 8% no volume das vendas. É um cenário que vem se repetindo nos primeiros meses de 2024.

Em janeiro e fevereiro, as exportações de carne bovina subiram 28% e 41,7%, respectivamente. Na primeira semana de março, o Brasil exportou, por dia, quase US$ 40 milhões em carne - são 8.400 toneladas – alta de 50% em relação ao mesmo período do ano passado.

Mas os preços não acompanharam os percentuais de alta. Segundo a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), o valor médio das exportações de carne caiu 14,16% em janeiro e 12,35% em fevereiro – com a tonelada da carne sendo negociada a menos de US$ 4.000 – um recuo de quase US$ 500 em relação ao valor das negociações do mês anterior.

No mercado interno não é diferente. Na última semana, os preços oscilaram entre R$ 207 por arroba, em Cuiabá, e R$ 228, em São Paulo. Ainda é menos do que a média estimada pela Abrafrigo para esse ano, de R$ 270 a arroba – acima dos R$ 180 de 2023, mas ainda abaixo dos R$ 350 que eram cobrados em 2022.

“A exportação segue firme, mas a demanda dos brasileiros, ainda o grande consumidor da carne que produzimos, não tem renda para absorver e o excedente pesa sobre os preços”, afirma, em relatório recente, o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq-USP.

É esse preço menor, no entanto, que tem impulsionado as exportações, pois deixa a carne brasileira mais competitiva em relação a concorrentes como Estados Unidos, onde o preço está alto, e Austrália, que registrou aumentos no último mês.

Frangos e suínos

Assim como o mercado bovino, as vendas externas das carnes de frango e suína in natura também vêm registrando expansão. Em fevereiro, o volume exportado de frangos subiu 4,2% e o de suínos 20,9%, com o preço médio do frango tendo alta de 3,1%.

“Mas vale ressaltar que os valores da carne de frango que apresentavam tendência de alta desde meados de janeiro, começaram a cair na segunda quinzena de fevereiro, pressionados pela fraca demanda”, ressaltam pesquisadores do Cepea.

Tendência semelhante tem sido verificada na média de preços do suíno vivo – que registram queda em março. Segundo o Cepea, na região de Bragança Paulista, Campinas, Piracicaba, São Paulo e Sorocaba, o preço médio do suíno vivo ficou em R$ 6,71/kg na parcial até 12 de março, queda de 0,3% em relação a fevereiro.

“Apesar dos recentes aumentos, a baixa demanda da indústria neste início de março vem pressionando para baixo a média mensal de preços”, explica o Cepea, lembrando que cenário semelhante tem sido registrado para a comercialização de carne de frango resfriada.

Jorge Luis de Lima, diretor executivo do Sindicato das Indústrias da Carne e Derivados no Estado de Santa Catarina (Sindicarne-SC), explica que os preços do frango estão em patamares menores que os de 2021. Já o mercado de suínos, enfrenta oscilações que variam de acordo com a inflação e com a oferta de grãos utilizados como ração desses animais.

“Apesar do volume maior, o preço do ticket médio foi 5% menor para as exportações de aves e suínos”, afirma Lima, lembrando que instabilidades como os conflitos no Mar Vermelho e que elevam custos de logística e grãos, impactam na formação de preços.

“Se não surgir um fator novo que impacte diretamente, seja as rotas ou o custo de fretes, podemos ter um ano de crescimento no mercado externo tanto em preço quanto em volume”.

A expectativa de Lima para o trimestre é que ele seja “menos difícil” que o do ano passado. “Se olharmos o que tivemos de estimativa de preços nos últimos anos, Santa Catarina tem tido crescimento orgânico de 2% a 3%. É isso o que esperamos para os próximos meses.”

Em fevereiro, Santa Catarina teve o terceiro mês consecutivo de alta nas exportações – que cresceram 3% em relação ao mesmo período do ano anterior e impulsionadas pelas vendas externas de carne suína e de aves.

As exportações de carnes suína e de aves cresceram apesar da queda nas vendas para a China – e tiveram os Estados Unidos como principal destino.

“A China é uma grande economia, mas precisamos lembrar que ela não compra o ano todo e que, para o suíno, os Estados Unidos são um mercado até mais consistente”, explica Lima, do Sindicarne.

Para ele, a habilitação de novos frigoríficos anunciada pelo governo chinês pode incrementar as vendas externas, mas o quanto vai depender de como serão as negociações entre os exportadores brasileiros e os importadores chineses.

O diretor de mercados da ABPA, Luís Rua, lembrou que o Brasil já tem 55% do total que a China compra e que, no ano passado, o país asiático respondeu por 14% das exportações brasileiras de frango.

“A habilitação de novos frigoríficos foi uma grande vitória”, disse, otimista com a possibilidade de ampliação das vendas brasileiras.

O apetite chinês

De acordo com o Ministério da Indústria e Comércio Exterior, a China importou 8,8 milhões de toneladas de carnes brasileiras, somando US$ 23,5 bilhões no ano passado.

Foram 3 milhões de toneladas de carne bovina, 5 milhões de toneladas de frango e 1,2 milhão de toneladas de suínos – totalizando 9,2 milhões de toneladas exportadas, segundo dados da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne) e da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).

Após o anúncio feito pela Administração Geral de Alfândega da China (GACC), a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Brasil estimou em até US$ 10 bilhões o potencial de impacto da autorização chinesa na balança comercial brasileira.

As principais empresas de proteína animal do País foram contempladas. A Marfrig, cuja operação é a que já tinha o maior número de plantas habilitadas para exportação para a China na América do Sul (17), recebeu mais duas habilitações, entre elas a autorização inédita para venda de carne bovina industrializada a partir da planta do complexo Pampeano, na cidade de Hulha Negra (RS).

O diretor de exportação da Marfrig, Alisson Navarro, disse em nota que as novas habilitações ampliam o portfólio de produtos que a Marfrig comercializa com a China, que é o maior mercado mundial de carne bovina hoje. Também a BRF, controlada pela Marfrig, conseguiu aprovação da China para o embarque de aves pela unidade de Chapecó (SC).

A Minerva conseguiu habilitação para duas de suas unidades, uma em Janaúba (MG) e outra em Araguaína (TO), ambas produtoras de carne bovina.

Já a JBS foi a companhia que teve o maior número de plantas autorizadas – 10 no total. A maioria é para venda de carne bovina de unidades localizadas no Centro-Oeste, mais a unidade Seara Santo Inácio (PR) e a Seara de Itajaí (SC), que poderão exportar aves e suínos.