Quem acompanha o mercado e gosta de chocolate, provavelmente já ouviu falar do Sítio Ascurra, localizado em Medicilândia, no estado Pará. Liderado pelos agricultores Sarah e Robson Brogni, o cacau produzido no local foi premiado como o melhor do país para fabricação de chocolates finos e tem versão vegana 70% vendida em empórios de luxo como o Casa Santa Luzia, em São Paulo.
O casal Brogni é um exemplo, mas não o único, do potencial de escala a que pode chegar o cacau produzido na Amazônia. O Pará, sozinho, já é responsável por 51,5% da produção brasileira de cacau, mais que Bahia e Espírito Santo somadas.
Foram 148 mil toneladas na safra 2023 e a expectativa é que chegue a 199 mil toneladas em 10 anos, segundo estimativas do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
O cacau, ao lado do açaí, da palma e da pimenta do reino, está na lista de produtos produzidos na Amazônia considerados ideais para o desenvolvimento de sistemas agroflorestais (SAFs), que combinam cultivos perenes, com ocupação de áreas degradadas.
Aliados com o uso de tecnologia, são apontados como alternativas para que agricultura da Amazônia cresça de forma responsável, com abertura de espaço para exportações e, ao mesmo tempo, desenvolvimento para os cerca de 29 milhões de habitantes da região.
Esses cultivos, ao lado da piscicultura e da hortifruticultura integram uma lista de 64 produtos exportados pelos estados da Amazônia Legal que geraram uma receita de US$ 298 milhões em 2021, segundo o Projeto Amazônia 2030 - iniciativa para desenvolver um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira, que reúne instituições como o Centro de Empreendedorismo da Amazônia, o Imazon e a PUC do Rio de Janeiro.
Isso representaria, pelas estimativas da entidade, 0,17% de um mercado global de US$ 176,6 bilhões – dos quais o Brasil poderia ampliar participação a até US$ 2,3 bilhões se conseguisse explorar todo o potencial da floresta.
“Para a Amazônia, o que existe é um desenvolvimento que precisa ser o mais responsável possível”, afirma Alfredo Homma, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental.
Segundo ele, o investimento em tecnologias que ajudem a ampliar produtividade e transformar os negócios, especialmente de pequenos produtores, é essencial para que esse objetivo se torne realidade e o Brasil consiga, de fato, cumprir a meta de zerar o desmatamento até 2030.
A Amazônia tem 83 milhões de hectares desmatados – três vezes o tamanho do estado de São Paulo – e 60% dessa área é destinada a pastos.
Se a tecnologia for utilizada para melhorar a produtividade a partir do uso de áreas degradadas que estão sendo recuperadas, é possível ampliar a produção e, ao mesmo tempo, preservar a floresta e angariar créditos de carbono.
“Queremos estimar o estoque de carbono em áreas de restauração e de sistema agroflorestal com cacaueiros”, afirmou Fernando Mendes, da Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (Ceplac), após reunião realizada em Belém para definir critérios do projeto de mensuração do carbono em áreas antropizadas a partir da restauração florestal.
A conta precisa incluir também os pequenos produtores, que representam o universo de 83% dos estabelecimentos identificados no Censo Agropecuário, que registra duas realidades da Amazônia: a da agricultura de alta produtividade e mecanizada e a extrativista, baseada na coleta de frutos e em sistemas agroflorestais – com potencial de vender serviços ambientais e créditos de carbono.
“Alguns desses pequenos produtores ainda dependem de apoio estatal, pois não conseguem fazer o manejo de culturas e de suas produções com a mesma eficiência de médios e grandes”, explica Homma, da Embrapa.
É o caso de pequenos produtores de gado que vivem da comercialização de leite. Na região amazônica se produz 1 litro por dia, enquanto a média nacional é de 15 litros diários. A solução, segundo ele, está na tecnologia, que já existe, mas que ainda não é acessível a esses produtores rurais – e vale também para o gado criado para abate. “A melhoria da produtividade é a saída para reduzir o avanço de pastos sobre áreas de floresta”, diz.
Produção em larga escala
Cacau, palma e açaí são exemplos de que é possível produzir em larga escala e com qualidade, envolvendo pequenos agricultores e grandes complexos industriais.
No caso do açaí, o uso de sementes com qualidade genética superior e práticas de manejo adequados, resultaram em crescimento exponencial na área de cultivo da última década.
De acordo com a Embrapa, a área destinada aos açaizeiros na Amazônia aumentou em 675% entre 2010 e 2022. Apenas no Pará, foi de 6.886 hectares em 2010 para 53.375 hectares em 2022, com uma produção de mais de um milhão de toneladas e que movimentou R$ 5 bilhões em 2021, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
A indústria do cacau não fica atrás. Medicilândia é considerada a capital nacional do cacau, seguida em volume de produção por outras cidades do Pará, como Altamira, Anapu e Vitória do Xingu.
Para o bioma Amazônia, que considera, além do Pará, o cacau produzido em Mato Grosso e Rondônia, a estimativa é de 238 mil toneladas até 2033 – 1,3 vez maior que a produção em áreas de Mata Atlântica (Bahia e Espírito Santo).
Foi graças às expectativas de crescimento desse mercado que o Grupo BBF (Brasil BioFuels) anunciou recentemente que irá inaugurar o conceito de sistema agroflorestal (SAF) em suas operações no Pará e em Roraima.
O projeto envolve o cultivo consorciado da palma com cacau e açaí e terá como objetivo a recuperação de áreas degradadas e com o cultivo de espécies nativas, que permitem a captura de carbono da atmosfera.
Maior produtor de óleo de palma na América Latina, com mais de 75 mil hectares cultivados de palma – e previsão de adicionais mais 100 mil hectares até 2026, o Grupo BBF estima em 25 milhões de toneladas de carbono o estoque obtido pela companhia com o cultivo sustentável da palma na região amazônica.
“Temos um verdadeiro ‘pré-sal verde’, visto que o óleo de palma é uma importante matéria prima para produção dos biocombustíveis de segunda geração e a palma possui produtividade 10x superior de tonelada de óleo por hectare quando comparada com a soja”, afirma o CEO do Grupo BBF, Milton Steagall.
Desde 2010 o país conta com o Zoneamento Agroecológico da Palma de Óleo, definido pelo decreto 7.172 do Governo Federal. A iniciativa proíbe a derrubada de floresta para esse fim e determina que o cultivo seja feito apenas em áreas previamente aprovadas, que tenham sido desmatadas até dezembro de 2007.
Após o lançamento, o cultivo de palma saiu de 60 mil hectares para 200 mil hectares – das quais apenas 10% são ligados a pequenos produtores.
Soja, milho e algodão
Soja, milho e algodão são outras três culturas que crescem na região – e na esteira da maior demanda internacional. Elas têm avançado em sistemas de produção mecanizados, em áreas de reflorestamento e tem impulsionado investimentos em inovação na agricultura amazônica.
“É importante desmistificar a informação de culturas como a soja ampliam o desmatamento. A cultura da soja não se desenvolve em área de floresta densa”, afirma Homma, lembrando que a soja que está plantada na Amazônia está em área que foi degradada por pasto – o que acontece também com o milho e o algodão, que vem ocupando áreas antes improdutivas.
Além dessas culturas, essas áreas têm recebido também manejos com açaí e cacau que, ao se combinarem, ajudam na conservação do solo, potencializam a produção e até reduzem os índices de pragas.
A mandioca e a pimenta do reino são outras culturais apontadas como alternativas para se alcançar o almejado desenvolvimento sustentável da Amazônia. No Pará, a produção mecanizada de mandioca, por exemplo, ocupa entre 80 hectares e 100 hectares – mas ainda demanda melhoria nos índices de produtividade.
Além do cacau, é preciso incentivar outras modalidades extrativistas perenes como a borracha e a castanha. “A produção de castanha do Pará escapou da biopirataria que afetou a borracha e por isso poderia existir muito mercado para ela se a produção não estivesse no limite”, diz Homma, lembrando que o cultivo precisaria ter incentivos para se desenvolver, pois uma castanheira demora de 15 a 20 anos para chegar no ápice de sua produtividade.
Atualmente, 80% das cerca de 33.400 toneladas de produção de castanha produzidas na Amazônia são destinadas ao mercado doméstico.
Os 20% que sobram são exportados para uso, especialmente, na indústria de chocolate, com cotação que chega a R$ 120 o quilo.
Os principais compradores são os fabricantes de chocolate suíço – que usam produtos desenvolvidos por famílias como o casal Brogni para se posicionar em prateleiras de supermercados espalhados por todo o planeta.