Quem chega ao escritório da KPTL - uma das maiores gestoras de fundos de venture capital do Brasil, com mais de R$ 1 bilhão de ativos sob gestão -, no primeiro andar de um edifício comercial junto ao complexo Brascan, no Itaim Bibi, zona sul de São Paulo, vê logo na entrada um escrito luminoso: “Innovation creating the future”.

Mas não se engane. Apesar de inovação ter se tornado uma palavra repetida à exaustão e que até perdeu um pouco de seu significado original, Renato Ramalho, CEO da KPTL, detesta os clichês de seu próprio mercado.

Não quer nem ouvir falar mais em unicórnios, já está exausto do uso vazio de ‘inteligência artificial’ e acha isso tudo improdutivo para a dinâmica dos negócios.

"Esses termos trazem uma pobreza de raciocínio e me irritam um pouco. Ao invés de ajudar, trazem uma infantilidade para o mercado, que é super sério, profissional. A gente cuida de capital de terceiro, somos iguais a um fundo de ações, de private equity", afirma em entrevista ao AgFeed.

O que tem motivado Ramalho é justamente o agronegócio, setor que ele acredita ter um grande potencial de inovação.

“Eu sou mega empolgado com o agro, porque é um ecossistema muito grande, pode falar de logística, de grão, de proteína, biotecnologia, hardware, e agora anda de mãos dadas com o clima.”

Hoje, em seu portfólio, a gestora tem 12 startups focadas no agronegócio, mas já investiu em mais de 20 ao todo.

Entre os aportes nas empresas da carteira, o primeiro foi feito em 2014, na Tbit, que tem uma tecnologia de classificação digital de grãos. E o mais recente, na Gado Certo, uma plataforma digital de compra e venda para a pecuária.

Como é possível perceber, o perfil das investidas é bastante diversificado e vai de empresas com soluções de rastreabilidade como a Agrotools, que tem contratos com gigantes como McDonalds e JBS, e Ecotrace, até a Raizs, um e-commerce que conecta agricultores familiares produtores de alimentos orgânicos ao consumidor final.

O que se destaca no horizonte

Apesar do manancial de oportunidades que o agro traz, Ramalho vê alguns temas se destacando mais no horizonte das agtechs daqui para a frente e que fazem parte de sua tese de investimentos: biogás, biotecnologia, drones e agroflorestas, áreas nas quais já atuam algumas das investidas da KPTL.

A CHP Brasil, por exemplo, investida da gestora desde 2016, fabrica geradores de energia movidos a gás, biogás e biometano. Dessa forma, uma fazenda pode não apenas gerar a sua própria demanda de energia elétrica a partir dos resíduos orgânicos da produção.

“Quando você vai para essa fronteira norte do Brasil, onde o grid de energia não atende, você começa a ter algo interessante dentro da porteira para oferecer para o cara também”, afirma ele.

Ramalho acredita que as condições climáticas brasileiras também favorecem a implantação de novos negócios envolvendo biotecnologia.

“O Brasil, até por ser tropical, vai continuar consumindo bastante disso e a gente deveria vender essa competência mundo afora, pensando que Índia e África poderiam demandar também esse tipo de produto”, afirma ele.

Já o interesse do CEO da KPTL por drones não está exatamente no equipamento em si, mas na tecnologia que está embarcada nele.

“O que é interessante é toda a parte de acompanhamento de território com drone, as possibilidades de usar drone na aplicação”, afirma. “Antes era brincadeirinha de acompanhar o plantio com GPS, agora o negócio é sério.”

“Fica a pergunta: como é que a Jacto vai reagir a isso? Quem pulveriza hoje é um cara que está lá no campo, com bombinha nas costas, ou com quatro pneus no solo”, afirma. “E aí você tem um bicho lá em cima, um drone, que em alguns tipos de cultura chega a ser 70 vezes mais eficiente que um trator.”

Todas essas possibilidades são permeadas pela união recente entre pautas climáticas e o agronegócio, na avaliação de Ramalho.

Uma das alternativas de agricultura regenerativa sempre mencionadas em planos do tipo são os sistemas agroflorestais, em que árvores e diferentes cultivos convivem em um mesmo ambiente.

Para Ramalho, os desafios desse tipo de manejo trazem oportunidades de negócio. Ele cita o exemplo da Smartbreeder, investida da KPTL desde 2018, que utiliza dados para modelar culturas e ajudar produtores na tomada de decisão uso de defensivos e insumos.

“Do mesmo jeito que uma Smartbreeder toma conta de cana-de-açúcar como ninguém, como é que você vai fazer com 15 tipos de espécies sendo plantadas num sistema agroflorestal? Não é para um ser humano normal tomar conta de tempos diferentes, pragas diferentes, sombra, água”, afirma ele.

“Você vai ter tecnologia, algo como uma Smartbreeder indicando: ‘faz assim, faz assado’”. Não existe ainda esse repertório para esse manejo. Isso é super sofisticado e quem faz esse controle é a natureza. Não chegamos lá ainda”, brinca.

Ramalho lembra, no entanto, que ainda existem nós básicos a serem desatados pelas agtechs.

O primeiro deles é educacional, ensinando o produtor a consumir inovação. Ter um smartphone, para ele, por si só não basta. “Celular para muita gente é só WhatsApp”, afirma.

“Esses dias eu estava com o pessoal da Jacto e o cara falou assim: ‘Meu pai só consome inovação com selo Jacto’. Ou seja: o pai dele é muito mais guiado pelos lançamentos que a empresa faz do que ele, por si só, de fato ter alguma curiosidade em termos de inovação”.

Ramalho também percebe que a combinação de mão-de-obra barata e terra gera um efeito contrário ao esperado. “Deveriam ser pressões para o produtor consumir inovação, mas o cara não quer saber de mexer com servidor, cloud, gerente de tecnologia. É mais barato contratar um peão”, afirma ele.

E é claro que a conectividade segue sendo um problema – e também uma oportunidade de negócio. “Eu poderia olhar para o copo meio vazio e dizer que só 20% está conectado. Mas olhando o copo meio cheio, ainda tem 80% para ser conectado, ou seja, é um universo a ser explorado.”

A hora de desinvestir

Apesar dos volumes expressivos de negócios gerados dentro do setor, Ramalho não acredita que, no futuro, vão existir grandes corporações baseadas em tecnologia vindas do agro.

“A gente não vai ter uma Totvs do agro. Não consigo ver isso. Ou vai ter que se passar muito tempo, ou alguma outra coisa vai ter que acontecer pra ter um bicho muito grande de tecnologia do agronegócio”, afirma ele.

Ele acredita também que as peculiaridades geográficas do Brasil favorecem a existência de startups focadas em desenvolver tecnologias adaptadas a cada realidade local.

“Tenho um pouco de receio quando se fala em ‘unicórnios do agro’. Acho que isso pode prejudicar muito dos 3, 4 mil empreendedores no agro que a gente tem no Brasil. Um cara bem sucedido é só esse cara de bilhão de dólares? Besteira”, afirma.

Em 2019, em uma entrevista ao site Brazil Journal, o CEO da KPTL disse, no entanto, que “o Google do agro iria sair do Brasil”. Cinco anos depois, ele teria mudado de ideia? Com a palavra, o próprio Ramalho:

"Quando falei sobre o 'Google do agro' em 2019, o que eu quis destacar foi a importância de um ativo tecnológico relevante surgindo aqui no Brasil, algo semelhante ao que o Google representa para o Vale do Silício. Não me referia ao tamanho, mas à relevância tecnológica. Tenho certeza de que teremos agtechs brasileiras com impacto global."

Para o ano que vem, no entanto, Ramalho não prevê novos investimentos em agtechs.

Ele explica que o fundo exclusivo para agtechs, o KPTL Fundo Agro, que tem Agrotools, AgriSolus, Laqus, Culttivo e Raizs em seu portfólio e começou a operar em 2019, está entrando em um processo de desinvestimento, que já estava previsto.

"A gente vai começar a pensar e discutir com os empreendedores o desinvestimento", afirma o CEO da KPTL. "Isso quer dizer que vou vender Agrotools em março de 2025? Não, nada disso. É que, por contrato, não posso investir em novas companhias, eu só posso agora pensar em desinvestir".

O fato de o fundo agro estar em processo de desinvestimento também não significa, no entanto, que a KPTL esteja impedida de fazer aportes em outras agtechs.

Dos nove fundos que a gestora toca, quatro deles que não são específicos para o agro têm investimentos em empresas do setor: Criatec 1, Criatec 3, Fundo de Inovação em Meio Ambiente (FIMA), do BNDES, e BRB Venture Capital, do Banco de Brasília (BRB). Todos esses fundos foram criados pelos bancos públicos e são geridos pela KPTL.

De acordo com Ramalho, se novas oportunidades surgirem, a gestora pode entrar em novos negócios a partir de seus outros veículos. Um exemplo é o investimento mais recente, na Gado Certo, feito no fundo do BRB.

A KPTL gere ainda veículos especializados em govtechs, blended finance, floresta e clima e bioeconomia na Amazônia.

"O fundo do BRB pode investir em novas agtechs, o fundo de govtechs poderia e o fundo de clima poderia, já que o agro é tão misturado com o clima”, afirma Ramalho.

Momento atual dos VCs

Ramalho é sincero sobre o momento de mercado de venture capital, que vem apresentando dificuldades há dois anos com a turbulência do cenário macroeconômico no Brasil e no exterior.

Por aqui, a taxa de juros subiu de montanha russa, fixou-se em dois dígitos e de lá parece não sair tão cedo. Já os Estados Unidos começaram recentemente um ciclo de flexibilização monetária. E as guerras seguem na Ucrânia e na Palestina.

Diante de tantos ventos contrários, o dinheiro para as startups secou.

"O ecossistema de venture capital está bem machucado por questões econômicas. O capital privado está na renda fixa. Quando falo de capital privado, estou falando de pessoas físicas, famílias, fundos de pensão, renda fixa. Esse é um câncer brasileiro", afirma Ramalho.

“O capital privado secou, desapareceu. Se o CDI caiu: ‘Uau, unicórnio’. Se o CDI subiu, não tem nem jegue na rua”, brinca.

Ele avalia ainda que o capital corporativo para o mercado de VC também é afetado pelos problemas macroeconômicos, mas de forma difusa.

“O dinheiro corporativo tem um ‘blend de impacto’. De um lado, com o juro alto, se diminui o dinamismo econômico, o cara fatura menos, tem menos capital para investir. Ele fala: ‘Vamos esperar um pouco’. Mas, no outro lado, ele busca eficiência operacional, tem que digitalizar as coisas, tem que trazer tecnologia para dentro”, observa o CEO da KPTL.