Ao pensar na cidade de São José dos Campos, que fica a 120 quilômetros de São Paulo, o mais natural é que o primeiro pensamento envolva Embraer, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o famoso ITA, ou uma viagem entre a capital paulista e o Rio de Janeiro pela Via Dutra.

Mas existe um trabalho, iniciado recentemente, que quer retomar o status de potência agropecuária que o Vale do Paraíba, onde fica São José dos Campos, já teve até o final do século XIX.

Às margens da Via Dutra, que liga as duas maiores cidades brasileiras, o Parque de Inovação Tecnológica sempre foi conhecido por abrigar empresas inovadoras no segmento aeroespacial. Há dois anos, o PIT São José se voltou também para o agronegócio e tem como principal parceira nessa nova área a Agrotools, empresa que presta serviços de dados e monitoramento para bancos e grandes empresas.

A Agrotools é a empresa “âncora” do Agropolo Vale, hub de agronegócios do PIT São José. É o mesmo status que a Embraer tem no Cluster Aeroespacial Brasileiro.

Hoje, o Agropolo já reúne mais de 60 empresas, segundo o presidente da instituição, Jeferson Cheriegate, integrando as tecnologias já existentes no local às demandas do agronegócio. “Muitas empresas do segmento aeroespacial começaram a prestar serviços para o agronegócio nos últimos anos”, conta.

Um caso lembrado por Cheriegate é de uma startup que trabalhava com drones de exploração submarina. A Nestlé, que tem uma base dedicada à inovação no PIT São José, precisava vistoriar os tanques de leite que serviam para fabricar o Leite Ninho.

“São tanques com 30 metros de profundidade, com um processo muito complexo de vistoria. Resolveram chamar essa startup para tentar utilizar os drones para esse fim e deu certo”, conta o presidente do PIT.

Assim, foram surgindo diversas soluções para os problemas do setor. Uma startup consegue fazer análise de composição de solo usando correntes elétricas. Outra utiliza um sistema de tubos para retirar o excesso de água das terras após fortes chuvas.

Por ter financiamento público e privado e ter toda a bagagem tecnológica trazida pelas empresas que estão alocadas lá, o PIT São José comanda um programa para revitalizar áreas degradadas e retomar a “pujança agrícola” que o Vale do Paraíba já teve, como diz Cheriegate.

“O Vale do Paraíba já é uma potência industrial, uma região com 2,5 milhões de habitantes, que pode se tornar também um destino turístico com o agronegócio e deixar de ser só um local de passagem entre São Paulo e Rio de Janeiro”, projeta o presidente do PIT.

Cheriegate ressalta que esse é um plano de muito longo prazo. “Estamos falando de um processo de 20 anos”. Mas aponta que as condições da região para o agronegócio são ótimas.

“Temos um clima ótimo e uma infraestrutura que os principais estados agrícolas do país, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, gostariam de ter”.

O papel do PIT São José é fazer com que os novos métodos de agropecuária cheguem inclusive aos 17 mil produtores que já estão na região.

“A grande maioria atua na pecuária leiteira. São pequenos, com produção de 3 litros por vaca ao dia. Nós queremos colocar na região o que fomos pesquisar sobre integração entre agricultura e pecuária, para diversificar o perfil”, diz Cheriegate.

Duas alternativas que têm muito potencial no Vale do Paraíba, segundo o presidente do PIT, são a piscicultura e a silvicultura. “Temos muitos rios aqui, então é possível ter uma produção de peixes mais robusta. E o mesmo vale para florestas e não só de eucaliptos, mas também de pinos e até araucária”.

Cheriegate destaca que desde a implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), em 2012, a cobertura de vegetação nativa na região quase dobrou, passando de 13% para 25%. “Uma prova de que é possível integrar muito bem produção agropecuária com meio ambiente. Isso faz parte do potencial de turismo rural que o Vale do Paraíba tem”.

Do Vale para a América do Norte

A empresa âncora do Agropolo é uma startup que chegou à maioriadade. Fundada há 18 anos pelo empreendedor Sergio Rocha, a Agrotools tem uma lista de clientes que vai desde gigantes do agronegócio, como JBS, Seara, BRF e Bayer, passando por redes de varejo como Carrefour, McDonald’s e Walmart, até bancos, como Bradesco, Itaú BBA e Inter.

“Nós atuamos na linha de financiamento, fornecendo dados a bancos e seguradoras. Ajudamos também na prática ESG das empresas, monitorando de onde vêm as matérias primas, caminhão por caminhão”, conta Rocha.

Sergio Rocha, fundador e CEO da Agrotools

A empresa projetava fechar 2023 com uma geração de receita média pelos clientes, indicador conhecido pela sigla LTV, acima dos R$ 160 milhões. Isso quer dizer que os contratos fechados pela Agrotools - que segundo Rocha, têm prazos entre três e cinco anos - gerem esse faturamento anual.

Se toda esse iniciativa do PIT São José depende das empresas que estão conectadas com o hub, a Agrotools começa a expandir seus negócios para manter sua relevância dentro do parque.

Rocha conta que a empresa já tem um executivo buscando novos clientes nos Estados Unidos e também possui um técnico no Canadá. “Estamos buscando contratos que podem gerar entre US$ 6 milhões e US$ 7 milhões, no começo”.

A companhia tem mais de 200 milhões de hectares monitorados, com mais de 300 mil análises diárias. Ainda de acordo com as informações da Agrotools, cerca de 60% do gado abatido na Amazônia passa pelo monitoramento da empresa.

Mas além do monitoramento e do levantamento de dados de produção, a Agrotools mira principalmente o setor financeiro na América do Norte. “Eles estão muito atrasados lá, especialmente quando se trata de agronegócio”, conta Rocha.

Outro segmento no qual a Agrotools começou a atuar recentemente é o poder público. A empresa começou a se preparar há dois anos, contratou um executivo em Brasília com experiência nesse tipo de atuação e já tem um contrato assinado com o Instituto Mato-Grossense da Carne (IMAC) para reinserir no mercado produtores bloqueados por desmatamento ilegal.