Em seu prospecto para a abertura de capital (IPO) na Bolsa de Valores de Toronto, em 2021, a agtech Farmers Edge mencionou quase 120 vezes a palavra carbono.

Uma das mais renomadas empresas de agricultura digital do mundo, a companhia apontava que a utilização de ferramentas como as que comercializa podiam ajudar produtores a reduzir as emissões em suas propriedades, gerando assim, tanto para a startup quanto para seus clientes, milhares de dólares em créditos no mercado de carbono.

Com base nessa premissa, a Farmers Edge desenvolveu um programa de compensação, em que oferecia aos clientes a possibilidade de, através do pagamento de uma taxa variável para os agricultores e do fornecimento dos dados de produção capturados pelos softwares da empresa, serem compensados futuramente pelas vendas dos créditos de carbono gerados.

Dois anos depois, porém, ninguém viu a cor do dinheiro. Sem a liquidez projetada pela empresa, os créditos foram vendidos e, com isso, não foi possível reembolsar, com dólares de carbono, os clientes - que, no entanto, continuam sendo cobrados pela taxa variável.

Segundo o site canadense Manitoba Co-operator, grupos de agricultores parceiros afirmam hoje que os retornos que esperavam de seus créditos de carbono não se concretizaram. Eles dizem que foram cobrados milhares de dólares por serviços que achavam que seriam cobertos pela receita desses créditos de carbono.

“Fizemos um bom trabalho na serialização dessas compensações. Onde não fizemos um bom trabalho foi vendê-los”, afirmou Amit Pradhan, vice-presidente de Estratégia da Farmers Edge, ao site. “A razão pela qual não conseguimos vendê-los é porque o mercado em si é muito, muito fraco.”

Para que o programa funcionasse como prometido, os créditos precisavam valer um determinado valor no mercado. Uma estimativa de renda fornecida a um produtor mostrou números promissores, mas apenas se o carbono fosse vendido por US$ 20 a tonelada.

O problema é que o mercado de carbono ainda não está totalmente regulado, o que traz volatilidade aos preços dos créditos, cenário que a Farmers Edge chamou de “hostil”.

Com isso, a empresa está tendo dificuldade em encontrar compradores para os créditos de carbono dos agricultores. Até que eles sejam vendidos, os agricultores não podem ser pagos.

No mercado de capitais, a ação da empresa despencou de lá pra cá, passando dos 18,80 dólares canadenses no primeiro dia de negociações para os atuais 0,20, uma queda de quase 99%.

A companhia está mudando seu discurso. Pradhan declarou que era lamentável que os produtores tenham criado expectativa de uma receita nesses moldes.

Somado a isso, afirmou que a ideia de compensar os gastos dos produtores com a renda do carbono era uma premissa da antiga gestão da companhia, e não da atual.

Problemas em série

Como se não bastasse, a companhia canadense acaba de sofrer um revés em uma disputa judicial, nos Estados Unidos, em torno de propriedade intelectual movida pela Farmobile, que também atua com agricultura digital.

A Farmobile apresentou uma reclamação de violação de várias patentes contra a agtech. Dentre as acusações, alegou que a Farmers Edge utilizou indevidamente tecnologias relacionadas a sistemas e métodos de captura e compartilhamento de dados agrícolas, bem como a coleta de dados operacionais.

Essas tecnologias seriam parte do Farmobile PUC, um sistema que coleta pontos de dados da máquina a cada segundo via celular e os padroniza para baixar e compartilhar.

A Farmers Edge tem um sistema semelhante, que permite sua oferta de agricultura de precisão, chamado CanPlug.

A penalidade financeira resultante da perda da ação nos EUA ainda não está definida, mas processos semelhantes movidos pela Farmobile no Canadá levaram a acordos que custaram à Farmers Edge cerca de US$ 20 milhões.