Há cerca de oito meses, em uma fazenda no interior de São Paulo, um lote de bovinos é acompanhado com lupa por uma equipe da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – parte em sistema de confinamento, parte com manejo em pastagem. Os animais têm recebido, em sua alimentação, um suplemento inédito desenvolvido pela startup australiana Rumin8, que ficou conhecida no início deste ano ao receber um aporte de um grupo de investidores que inclui o Breakthroug Energy Venture, fundo de investimentos climáticos liderado pelo bilionário Bill Gates.

“Este é o maior e mais longo processo de testes que realizamos em todo o mundo”, afirmou ao AgFeed o fundador e diretor-geral da Rumin8, David Messina. Iniciado em fevereiro, o estudo avalia a aplicação, na prática, de um produto criado com o objetivo de reduzir significativamente as emissões de metano provenientes da digestão dos rebanhos.

E, segundo contou Messina, acaba de ser estendido até fevereiro do próximo ano. “Então, teremos dados de um ciclo completo, como uma base sólida para buscar o registro do nosso produto no Brasil”, disse, direto da Austrália, em chamada por vídeo.

O desembarque no Brasil foi feito em silêncio, mas com apoio de parceiros locais. A responsável por trazer a empresa para o País foi a Good Karma Partners (GK), gestora criada pelo investidor Eduardo Mufarej e especializada em investimentos de impacto, que identificou os primeiros parceiros para que os testes fossem feitos aqui.

O primeiro contato entre as duas empresas aconteceu em novembro do ano passado. Desde então elas têm atuado juntas para abrir as portas do maior mercado do mundo na pecuária de corte. Mas a “parceria”, como chamam a relação entre ambas, só foi anunciada agora.

“Ao longo dos últimos anos observamos mais de vinte empresas, sempre com foco em investimentos capazes de gerar um impacto climático positivo”, afirma Raphael Falcioni, sócio e responsável por investimentos em Clima e Saúde da GK.

Segundo Falcioni, a gestora já vinha avaliando outras soluções que se baseavam no uso de algas marinhas como suplemento alimentar para a redução da emissão de bovinos, mas entendiam que o modelo, embora promissor, era difícil de ser escalado para grandes volumes. “Ao avaliar a Rumin8, vimos que eles entenderam como fazer isso criando um produto eficiente, seguro, de baixo custo e fácil de escalar”, comenta.

O que chamou a atenção da GK, assim como de Bill Gates, foi uma tecnologia patenteada pela Rumin8 para replicar, com o uso de substâncias químicas, os efeitos benéficos que os elementos existentes nas algas traziam à digestão do ruminantes. Para isso, a startup sintetizou e estabilizou um composto específico, o Tribromometano (TBM), e a partir dele desenvolveu um processo farmacêutico para produzi-lo industrialmente, sem a necessidade de colher algas.

Contou a favor da Rumin8 também o fato de Messina ser oriundo de uma família de pecuaristas na Austrália, país que, como Brasil, possui um grande rebanho de corte criado em forma de pecuária extensiva. “Quando conhecemos o David, vimos que, além de um produto promissor, havia por trás uma equipe que entende a mente do produtor rural, entende o problema global e o local”.

“Nos últimos anos temos realizados testes em escala global”, afirma Messina. Para a pecuária leiteira, por exemplo, os testes foram realizados na Nova Zelândia, país com forte tradição na produção de lácteos. No corte, havia experiências em vários países, mas a GK foi decisiva para acelerar o processo no Brasil, dono do maior rebanho de corte do mundo, com mais de 200 milhões de cabeças.

Segundo Messina, os testes em laboratório demonstram reduções de metano de até 95%. Em campo, afirma já ter obtido reduções na faixa de 80%, “inclusive em animais criados em sistema de pastagem”, diz.

Além disso, os primeiros dados obtidos no trabalho realizado pela UNESP apontaram que os animais com alimentação suplementada pelo produto da Rumin8 tiveram um aumento de 9% no ganho de peso, se comparados com o grupo de controle.

“Os números são muito encorajadores”, diz Messina. “Mas queremos mergulhar ainda mais fundo nos dados, por isso a decisão de estender os estudo por mais quatro meses”.

O período servirá também para a GK trabalhar em outras frentes, como a formação da primeira equipe da Rumin8 no Brasil e a identificação dos requisitos necessários para dar entrada no processo de registro do produto no País.

“Já começamos a anunciar os primeiros postos”, afirma Messina sobre a contratação de profissionais no mercado brasileiro. “Será um time pequeno, mas experiente e com bom relacionamento com produtores e a indústria”, afirma. O empreendedor quer ganhar tempo.

Segundo ele, construir relações é um processo demorado, por isso é importante identificar parceiros já com portas abertas e conhecimento dos mercados.

Outro processo que acontecerá simultaneamente à conclusão dos testes é a abertura da primeira pkanta piloto de produção da Rumin8, na Austrália. Segundo Messina, isso deve acontecer próximo do Natal deste ano e permitirá à companhia aprimorar o modelo de produção, criando um sistema facilmente replicável em qualquer parte do mundo.

É um passo crucial, de acordo com ele, já que a Rumin8 ainda não produzo sua solução em escala comercial. A partir da planta piloto, a empresa fica apenas na dependência da liberação das autoridades regulatórias dos diversos países para definir os investimentos necessários para avançar nos processos industriais.

Além disso, com a unidade em funcionamento, reforça-se a viabilidade de escala da solução e, como consequência, o discurso para abrir uma nova rodada de captação, de série A. Até o momento, a Rumin8 já recebeu US$ 17,5 milhões em duas rodadas do tipo “seed”, incluindo os valores investidos pelo BEV e pela Prelude, outra conhecida gestora de investimentos de impacto.

No caso da parceria com a GK, as duas empresas preferiram não revelar se os termos da “parceria”, incluem investimento do fundo na startup. Em maio passado, em entrevista ao AgFeed, Patricia Nader, outra sócia da gestora, havia antecipado que a firma poderia fazer aportes de até R$ 150 milhões – de um capital total de R$ 340 milhões – em até quatro empresas ainda este ano.

Na entrevista, ela havia antecipado também que, entre os temas buscados pelo fundo estavam bioinsumos e redução de emissões de metano na pecuária.

Disputa com gigantes

A Rumion8 corre contra o tempo. Um dos maiores desafios da pecuária, a redução de emissões de metano tem chamado a ate3nção de muitas empresas e grandes grupos como dsm-firmenich e Cargill já se posicionam para ocupar esse mercado.

A dsm-firmenich é a que está na dianteira, por enquanto, já tendo lançado inclusive no Brasil, o Bovaer, suplemento que, misturado à ração oferecida aos rebanhos, promete cortar em pelo menos 30% essas emissões.

Além disso, outras startups também atuam nesse segmento, também com a proposta de desenvolver produtos que tenham efeito semelhante ao das algas.

Messina sabe que a concorrência será pesada, mas garante que tem seus trunfos. Segundo ele, o produto da Rumin8 foi desenvolvido para não exigir dos produtores grandes modificações no manejo do gado em sua para adoção. “Além disso, acreditamos que podemos oferecer maior redução de emissões combinada com ganhos de produtividade e tudo isso com um preço significativamente mais baixo”, promete.