A startup Docket nasceu com um pé no campo. Seu primeiro cliente, lá em 2016, foi uma grande multinacional de defensivos agrícolas. Em seguida avançou no mercado financeiro e imobiliário, mas hoje já conta com 40% de clientes agro em sua carteira – uma fatia que deve crescer de forma mais acelerada nos próximos meses.
Em entrevista ao AgFeed, o CEO da Docket, Pedro Roso, revelou com exclusividade o “pulo do gato" mais recente da startup no agronegócio: uma tecnologia capaz de ler e analisar as chamadas certidões de penhor. “Uma grande dor das tradings, que, segundo ele, precisavam checar se uma safra já estava penhorada antes de fechar transações com os produtores rurais.
Roso diz que, com a ajuda do novo produto, espera que nos próximos 18 meses a participação do agro na receita da startup suba dos atuais 40% para 60%, apesar de todas as dificuldades com a safra 2023/2024.
A empresa já vinha crescendo no agro, principalmente, pela emissão de CPR (Cédula do Produto Rural) 100% digital. Com a chamada "Nova Lei do Agro", a partir de 2021, passou a ser obrigatório o registro destes títulos, com o objetivo de estimular o uso das ferramentas do mercado de capitais como fonte de financiamento do agronegócio.
A plataforma digital da empresa também oferece outros produtos que atendem o setor, como a análise de documentos para as seguradoras.
A novidade agora é a funcionalidade de leitura via Inteligência Artificial (IA) para extração e análise de dados de certidões de penhor e de alienação fiduciária.
“Essa certidão de penhor comprova que a trading, ou outra empresa que queira conceder o crédito agrícola, pode penhorar”, explica o CEO.
A IA da Docket é capaz de analisar, por exemplo, 100 certidões simultaneamente, lendo e interpretando os dados em 25 minutos. Quando não existia essa solução, o trabalho demorava 11 horas. Para cada página, são necessários apenas 32 segundos de processamento.
“Sem a Docket, o processo todo poderia levar uns dois dias. Com nossa ferramenta, uma empresa pode colocar 30 mil documentos para rodar de uma vez e entregamos os resultados em 30 segundos. Antes, ele entrava numa fila demorada, pelo volume de safra que ele tem que lidar”, ressaltou Roso.
O uso da IA entrou em massa na operação da Docket em julho deste ano, com o avanço do ChatGPT e plataformas similares. Com isso, a Docket aprimorou, com a IA, a própria solução de análise.
Ao longo deste ano, a empresa analisou de forma automatizada 72 mil certidões de penhor e alienação fiduciária, o que proporcionou o aprendizado necessário para desenvolver com segurança sua própria inteligência artificial, com foco, principalmente, nas operações de crédito.
A expectativa da empresa é otimista, porque "a solução veio numa safra em que o plantio sofre um certo atraso pelas condições climáticas, quando a agilidade nas operações de análises de certidões é crucial para que as instituições que ofertam crédito e as tradings do agro saiam na frente, fechando os melhores negócios".
Rumo ao break even
A Docket realiza análises com IA de mais de 50 tipos de documentos atualmente e deverá ampliar a oferta destas soluções já no início de 2024.
“Queremos apoiar as grandes empresas de setores como o agronegócio, indústrias, bancos, seguradoras em seus processos de busca, análise de dados e controle de documentos, tornando-as mais ágeis e eficientes nas tomadas de decisão estratégicas para seus negócios”, afirmou o CEO.
A empresa não divulga o faturamento, mas o CEO garante que a Docket "dobra de tamanho todos os anos", e que em 2024, deverá atingir o seu break even, ou seja, o equilíbrio entre receitas e despesas.
Ao longo dos anos, a empresa já levantou várias rodadas de investimentos. A última ocorreu em dezembro de 2022, quando captou, numa série B, R$ 110 milhões com aportes vindos do InovaBra, do Bradesco, e da Gerdau Ventures, da mineradora Gerdau.
Antes, a rodada série A ocorreu em 2020, quando a empresa levantou R$ 35 milhões, e contou com a participação da Kaszek, Canary, Valor Capital, ONEVC e Wayra. Os três últimos também participaram da série B.
Pedro Roso diz que o volume financeiro captado até hoje está sendo aplicado no desenvolvimento de novas tecnologias e que boa parte dos R$ 110 milhões "segue no caixa".
Em 2023 ele admite que as dificuldades enfrentadas pelo setor também foram sentidas na Docket. "Foram fechados mais contratos no agro, mas o volume de operações foi menor". Por esse motivo, ele diz que a receita com o agro ficou igual, mas que o crescimento da empresa foi mantido devido a diversidade de setores em que atua.
Para 2024, mesmo com a possibilidade de quebra de safra no horizonte e as margens ainda apertadas para o produtor, a Docket deve continuar a crescer e “mais uma vez dobrar o faturamento”, segundo o executivo.
Segundo o CEO, o crescimento no agro deve vir tanto de novos clientes quanto de novas soluções. “Temos contratos para fechar e mais soluções usando IA para ofertar. Do lado da produção, a retomada de volume no agro ainda é incerta”, afirmou o executivo.
Origem no agro
Roso fundou o negócio com Flávio Castaldi e Rodrigo Lopes, que atuam, atualmente, como vice-presidente de operações e CTO, respectivamente.
Flávio Castaldi trabalhava no time jurídico de uma grande construtora, onde se via perdido em meio a documentações e tabelas de Excel. Com os sócios, criou primeiro um software de controle do vencimento das certidões de matrícula de imóveis.
De outro lado, Pedro Roso, tinha uma certa familiaridade com o campo. Ele contou que seus tataravôs eram produtores de café, no interior de São Paulo. A propriedade da avó hoje está arrendada para produtores de cana-de-acúcar, mas ele testemunhou a burocracia já que a fazenda tinha documentos parte em um município, parte em outro, que ficava há 1 hora de viagem.
Nesses casos, cartórios, fóruns e prefeituras distintas entravam no jogo, atrasando a emissão de documentos, sem contar a distância física entre esses locais.
"Uma das pernas que faltava no agro era alguém que trouxesse mais agilidade, é tudo muito moroso. Tem fazenda que passa por 3 municípios. Nós digitalizamos estes processos”, destacou o executivo.
As soluções, que já faziam sentido desde o início da atuação no agro, em 2016 ganharam impulso ainda maior com a CPR eletrônica, há 3 anos. Hoje os principais fabricantes de insumos, tradings de grãos e diversas cooperativas utilizam os serviços da Docket para agilizar o processo de concessão de crédito ao produtor.
Dentre os atuais clientes agro, estão gigantes como a Bunge, Amaggi, Cargill, Viterra, Minerva, LDC e Mosaic. Ao todo, a empresa atende mais de 40 setores, além do agronegócio, presta serviços também para bancos e construtoras.
Roso acredita que o agro ficou mais competitivo ao longo dos anos, o que trouxe uma urgência maior para fechar a operação.
"A internet via satélite acelerou muitos processos como acompanhar cotações e obter análises. A pandemia também acelerou isso e o produtor, cada vez mais digitalizado, passou a exigir um processo mais rápido, sem burocracia", um inimigo que a Docket ajuda a combater.
“As grandes tradings do Brasil chegam para o produtor e oferecem, via Docket, a chance de elas mesmas resolverem a documentação. Isso virou um diferencial competitivo”, diz.
“A ferramenta da Docket vira uma facilidade para esse cliente. Ao mesmo tempo, reduz custos e melhora o NPS. A trading chega só com o contrato de uma operação de CPR por sacas de soja, por exemplo, para o produtor assinar. Esse produtor não quer correr atrás das documentações”, completa.
A maior parte de operações intermediadas pela Docket são de CPRs, mas a empresa também atua com documentos de monitoramento de seguradoras e resseguradoras, além de toda a parte de crédito de carbono e florestas, que precisam de muita certidão e diligência ambiental.
O ano de 2023 serviu para a empresa incorporar de vez a Inteligência Artificial no negócio. Todo o processamento dos documentos está integrado com o OpenIA, do Chat GPT e outros módulos de IA.
Uma CPR, por exemplo, que demorava 60 dias num mundo normal para ser formalizada, reduziu seu tempo em 10 dias com a Docket. Com a IA, esse processo, dentro da startup, caiu para cinco dias.
A empresa já tinha um time de IA e, quando o tema se popularizou globalmente, a legaltech diz que já estava preparada para utilizar a tecnologia. “No nosso caso, foi só conectar e extrair valor. Mudou tudo”, diz.
Ele conta que, para os clientes, o tempo médio de análise caiu 80% e, dentro da própria empresa, acelerou o desenvolvimento de produtos.
A funcionalidade de leitura via Inteligência Artificial (IA) para extração e análise de dados de certidões de penhor e de alienação fiduciária, por exemplo, foi desenvolvida em um mês pela empresa. "Sem o ChatGPT, esse produto poderia demorar dois anos para ser lançado", disse Roso.