“Quando você pede um café, quantos ou quantas atendentes perguntam se é com ou sem açúcar?”. O consumidor ou consumidora tem 100% de certeza na resposta. Já quem produz a commodity tem 100% de incerteza, o que leva o autor da pergunta acima e sua equipe a procurarem uma resposta.
Assessor para Novos Negócios da São Martinho, Marcelo Eskenazi fez a mesma indagação à plateia no painel “Inovação como catalisadora da transformação do agro”, no One Agro, realizado pela Syngenta esta semana.
A ideia do executivo era mostrar o nível de incerteza que uma das maiores produtoras de açúcar do País (e do mundo) enfrenta no mercado e como a Inteligência Artificial (IA) pode mitigar os riscos, além de atuar na eficiência operacional da companhia.
“Vivemos em um ambiente de riscos e os riscos podem colocar os negócios a perder”, resumiu o executivo.
Com quase 90 anos de história, a São Martinho migrou de uma empresa familiar do interior de São Paulo para uma companhia global de capital aberto em 2007 e, há quatro anos, decidiu construir seu centro de inovação.
Com R$ 150 milhões investidos, a unidade foi inaugurada há dois anos com o objetivo de suportar a conectividade aos mais de 350 mil hectares de lavouras e às usinas da companhia. Um problema logístico que a tecnologia disponível poderia resolver.
Mas o avanço rápido e a facilidade com que a IA lida com os considerados “casos intangíveis” tornaram a nova tecnologia a grande aposta da São Martinho em busca de respostas cada vez mais complexas e até, quem sabe, para a pergunta inicial de Eskenazi.
A inteligência de softwares e hardwares atua em ao menos cinco grandes projetos dentro da companhia sucroenergética.
“A operação da unidade de etanol de milho de Goiás é 100% controlada por IA”, exemplificou o executivo.
Recém-inaugurada, a planta opera integrada à Usina Boa Vista, em Quirinópolis (GO), que já processava cana-de-açúcar e produzia etanol. Com investimento de R$ 740 milhões no projeto, a Boa Vista é uma das maiores produtoras individuais de etanol do mundo, com 640 milhões de litros de etanol de cana e milho por ano.
Além dos 210 milhões de litros de etanol anidro, a unidade de milho produz 150 mil toneladas de DDGS (Distiller’s Dried Grains with Solubles) – coproduto utilizado para ração animal e 10 mil toneladas de DCO (Distiller Corn Oil) – e óleo de milho.
Por estar integrada à usina de cana, a unidade é 100% abastecida pela energia de bagaço, o que a torna uma das mais eficientes do planeta. A maioria das unidades de etanol de milho no Brasil utiliza cavaco de madeira como combustível para a geração de energia elétrica.
Prever quando um canavial pode sofrer incêndio como aqueles devastadores de 2024 é uma realidade para a IA nas lavouras da São Martinho. Câmeras nas torres de monitoramento da companhia já têm embarcadas a inteligência artificial nos sistemas.
De acordo com Eskenazi, esses sistemas são alimentados com dados históricos e conseguem apontar os riscos de queimadas em regiões específicas das lavouras.
O alerta é enviado aos funcionários da companhia que atuam no monitoramento para mitigar os riscos e para priorizar o combate a um possível foco.
Ainda nas lavouras, a IA atua no monitoramento e combate às pragas e às plantas daninhas, previsão de planos de voo para a aplicação de defensivos agrícolas.
Com a evolução desse combate segmentado, a São Martinho tem 85% de suas lavouras tratadas com defensivos biológicos, considerados mais sustentáveis e menos nocivos que os químicos.
“Anjo da Guarda”. É como foi batizada outra iniciativa da São Martinho com o uso de IA. Um sistema instalado em máquinas e caminhões da companhia consegue detectar, por meio da análise da retina do olho, uma possível fadiga de motoristas.
Quando isso ocorre, explica Eskenazi, o profissional é orientado a retornar e passar por avaliação e até mesmo tratamentos. Em último caso, esse operador é mudado de função para preservar a segurança.
Se ainda é uma incógnita para a São Martinho a escolha do café com ou sem açúcar pelo consumidor, descobrir o futuro dos preços da commodity é cada vez mais plausível para a companhia.
O último projeto citado pelo assessor para Novos Negócios da São Martinho é também um dos maiores desafios. Segundo Eskenazi, a companhia desenvolve em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) uma IA que deve ser capaz de prever o comportamento futuro do mercado e ajudar a indicar a melhor época para fixação ou comercialização da commodity.
Além dos projetos, ele citou o uso da IA em programas de barter digital para a compra de insumos e até mesmo comprovar a rastreabilidade de matéria-prima para a emissão de uma certificação de sustentabilidade que a companhia obteve.
Para o executivo, mesmo com o avanço rápido da tecnologia, a IA é fundamental para auxiliar, mas não será capaz de substituir as decisões humanas que seguirão sendo tomadas pelos gestores da companhia no curto prazo. Curto prazo, no ramo dele, são pelo menos cinco anos.
Moderna e ágil no desenvolvimento de novas tecnologias, a São Martinho segue engessada quando em comunicá-las. A reportagem do AgFeed procurou a companhia para detalhar os projetos citados por Eskenazi no evento desta semana, bem como os próximos desafios, mas São Martinho informou que não iria se manifestar.
Resumo
- Um dos maiores grupos sucroenergéticos do país, São Martinho usa a Inteligência Artificial em pelo menos cinco grandes projetos
- Entre eles está a usina de etanol de milho construída em Qurinópolis (GO), cuja operação é totalmente controlada com ajuda de IA
- Nos 350 mil hectares de canaviais, tecnologia já usada na prevenção de incêndios e na detecção de pragas e na definição de planos de voos para drones pulverizadores