Nos anos 1980 e 1990, a cidade de Ribeirão Preto, a pouco mais de 300 quilômetros da cidade de São Paulo, ganhou fama nacional. Impulsionada pela ascensão do agronegócio e pelo arrojo de empresários locais, crescia em ritmo acelerado e se modernizava rapidamente.
Tornou-se conhecida como a “Califórnia Brasileira”, numa referência ao ensolarado estado norte-americano onde a tecnologia e a produção de alimentos (além do cinema de Hollywood) tinham produzido fortunas e desenvolvimento.
Um nome se destacava entre os empreendedores desse boom econômico. A família Biagi, então sinônimo da indústria sucroalcooleira no Brasil, liderava o ciclo que colocou a cidade como uma das capitais brasileiras do agronegócio, criando em torno de si um polo de indústrias e serviços para atender ao setor.
Hoje, um ramo dos Biagi se mantém no setor, com a Usina da Pedra, por exemplo. E outra família da região, os Ometto, assumiu o protagonismo nessa área com a Raízen, maior grupo sucroenergético brasileiro.
A influência e o espírito inovador da dinastia Biagi, porém, permanecem vivos na cidade. E hoje tem papel relevante em uma nova etapa de transformação no perfil empreendedor da região.
Se há algumas décadas o progresso veio da iniciativa isolada de homens ou famílias de espírito empreendedor, agora o que se vê é a formação de ecossistemas de inovação em que negócios estabelecidos emprestam conhecimento e aportam recursos em empresas nascentes.
É em um empreendimento erguido pela família Biagi para abrigar um grande centro empresarial, o Dabi Business Park, que floresce um desses vibrantes hubs de inovação.
Ali estão hospedadas mais de 90 startups, que convivem com escritórios de empresas como São Martinho, Serasa, Sicoob e a própria Pedra Agroindustrial.
“O investimento inicial foi de R$ 70 milhões. Mas esse número já deve estar muito maior, com as ampliações que já foram feitas”, conta Ricardo Agostinho, chefe do hub de inovação do Dabi.
O centro está encravado em uma área total de cerca de 110 mil metros quadrados, sendo 40 mil de área bruta locável. E o aluguel cobrado das grandes companhias que utilizam o centro empresarial tem contribuição decisiva na manutenção dos espaços reservados para as startups.
O Dabi Business Park conta com um espaço aberto que pode ser utilizado pelos empreendedores durante o dia. E também um local reservado para startups que aderem a programas abertos por empresas parceiras do Dabi, chamado de Área 51.
É aí que a mágica acontece. Startups têm espaços reservados para suas equipes, que ficam próximas dos times de inovação de grandes empresas que procuram soluções para seus problemas via parceria com essas empresas iniciantes.
“A contrapartida é que o programa parceiro entrega para todas as startups o que ela entregaria somente para a empresa que aplica a solução”, afirma Agostinho.
A área comum, além de servir como base para startups que não têm uma sede física, é um centro de negócios, como explica Gabriella Delfante, Community Manager do Dabi.
“Acabam surgindo muitas parcerias, muitos negócios. Mas não é voltado para prospecção, promoção comercial. Nós levamos muito a sério o conceito de comunidade, de relações humanas mesmo”, diz Delfante.
Ela conta que houve inclusive um caso em que empresas que eram vizinhas de sala acabaram promovendo uma fusão.
Outra marca do Dabi é o número de eventos, inclusive o Agro Innovation Week, que acontece esta semana e que teve entre os organizadores duas residentes do hub, a Arara Seed e a Treesales.
O Dabi começou a operar em fevereiro de 2022, com a família Biagi optando por realizar o investimento durante o auge da pandemia de Covid-19 no Brasil. Agora, o hub já prepara uma ampliação, por conta da forte demanda tanto de grandes empresas quanto de startups para ter um espaço no local.
“Tivemos que fazer uma expansão no prédio atual para receber mais empresas. Mas vamos ter um novo espaço, que ainda está em fase de planejamento, de desenho, e deve ficar pronto em 2025”, diz Agostinho.
O plano inicial era começar a pensar em expansão somente em 2024, mas o alto nível de ocupação do espaço atual forçou a antecipação do início dos planos para o final de 2022. “Foi tudo feito de forma muito orgânica. Não fizemos qualquer tipo de promoção, tudo aconteceu no boca a boca mesmo”, conta Delfante.
BioEnergy e Supera
Iniciativas como o Dabi fazem Ribeirão voltar a ser vista como uma capital também de inovação no agro, concorrendo com projetos já estabelecidos como o de Piracicaba – puxado pelos hubs AgTech Garage, hoje pertencente à PwC, e o Pulse, da Raízen.
O dinamismo empresarial na região hoje se reflete na existência de pelo menos mais dois projetos, de modelos diferentes, reunindo agtechs e empresas do agronegócio sob o mesmo teto.
Um deles tem foco em uma das principais vocações tecnológicas da região, a bioenergia. Iniciativa do empreendedor Marcos Oliveira, o BioEnergy Hub teve origem em um hackaton realizado em 2019 durante o evento Fenasucro & Agrocana, um dos principais do setor sucroenergético, realizado na vizinha Sertãozinho.
No ano seguinte, por conta da pandemia, a feira não aconteceu. Mas o hackaton foi mantido. “Depois do evento, não havia uma continuidade. Tínhamos as grandes empresas procurando soluções, os estudantes de universidades apresentando estas soluções, só faltava uma conexão”, conta Oliveira.
Hoje, o BioEnergy Hub tem 10 startups em seu ambiente, que funciona, por enquanto, em ambiente virtual. Como o nome sugere, o foco é em bioenergia. Mas Oliveira afirma que as empresas conseguem expandir suas áreas de atuação. “As soluções que servem para cana de açúcar podem ser aplicadas em outras culturas”.
Neste momento, o hub está em fase inicial de montagem de um fundo que vai aplicar recursos em até 20 startups. A meta é captar R$ 20 milhões.“As empresas e produtores estão interessadas em investir nas startups. Vamos fazer um modelo de cotas, em que os investidores não vão investir em uma única startup. Estamos pensando em cotas entre R$ 50 mil e R$ 100 mil”, diz Oliveira.
Outro plano, esse mais de longo prazo, é ter um espaço físico. Oliveira inclusive utiliza o espaço do Dabi para tocar seu hub.
Ribeirão Preto tem ainda um hub de inovação tocado pelo poder público. Uma parceria entre a prefeitura e a Universidade de São Paulo (USP) formou o Supera Parque, que fica em uma área de 150 mil m² cedida pela USP.
Atualmente, o Supera está em fase de expansão, com a construção de uma área formada por contêineres. E essa expansão vai continuar, seguindo um plano que prevê que toda a área esteja urbanizada e ocupada por prédios em até 10 anos.
Já há cinco empresas negociando a construção de suas sedes no local. Três já estão praticamente fechadas.
O próprio hub vai realizar uma expansão, com um prédio voltado para as startups que atuam no setor de saúde, que atualmente representam 70% das 90 residentes do Supera. Dentro destes planos para os próximos cinco anos, está a construção de um novo prédio, que seria ocupado exclusivamente pelas startups de saúde – outro segmento forte na região, em virtude da relevância da faculdade de Medicina local.
O agronegócio é o segundo maior setor de atuação das empresas que têm espaço no Supera. Os espaços para as startups não são de graça, mas o custo é bastante acessível, variando entre R$ 3 e R$ 4 o metro quadrado. É terreno fértil para se plantar uma ideia.