Um dos principais desafios do executivo Alejandro Chocolat, diretor executivo da Dassault Systèmes na América Latina, é explicar que a empresa vai muito além do que a sua reputação indica.
“Muita gente nos conhece exclusivamente pelo negócio aeroespacial”, afirma ele sobre o grupo francês conhecido pela fabricação dos caças supersônicos Mirage e Rafale. “Mas ele representa menos de 20% do nosso tamanho”.
Globalmente, a Dassault Systèmes faturou 1,5 bilhão de euros no primeiro trimestre de 2024, 6% acima do resultado obtido no mesmo período do ano anterior. As Américas como um todo representam 41% desse valor.
Quando a conversa deriva para o agronegócio, então, Chocolat precisa de algum tempo extra do interlocutor para explicar como a companhia já atua em várias frentes do segmento – e já tira dele quase um quinto de sua receita na América Latina (os números isolados da região não são públicos).
“A gente não está no campo, mas eu trabalho na área dos equipamentos industriais, máquinas, pulverizadores, plantadeiras, semeadoras, distribuidores, carretas, plataformas e até nas sementes”, diz ele ao AgFeed.
É um trabalho invisível, de bastidores, junto a grandes empresas do setor. E que se inicia, é claro, lá na aviação, negócio original da companhia surgida nos anos 1980.
Chocolat lembra que o desenvolvimento de tecnologias aeroespaciais tem muitos desafios de ponto de vista tecnológico, que vão do design ao processo de manufatura, sempre passando por rígidos ambientes de segurança, inclusive intelectual.
“Nesse negócio, você está colocando pessoas a voar. E lá no ar não tem acostamento”, afirma. Por esse motivo, a indústria aeroespacial virou um padrão para setores como o automobilístico, de equipamentos industriais ou o offshore, de petróleo e gás.
“Imagina que na indústria aeroespacial você tem que baixar por 3% ou 4% do consumo de combustível por conta do preço do combustível. E, além de tudo, da questão da pegada verde. Então, a pressão de mercado para você incorporar novas tecnologias, o que seria tanto na parte de motorização, turbinas, quanto os materiais e o design, é muito forte”, continua.
“E o processo nessa indústria, quanto mais você encurtar, sem ter erro de engenharia, maiores são as chances de você ganhar mercado e sobreviver como empresa”.
Por conta de sua especialização, diz Chocolat, a Dassault Systèmes executa processos de design, engenharia e simulação para sete em cada 10 fabricantes de automóveis e para uma grande quantidade de fabricantes de equipamentos industriais.
A companhia atua dentro do conceito de ciclo de vida de produtos – no jargão do setor conhecido pela sigla PLM, de Product Life Cycle Management, com uma tecnologia que permite desenvolver e simular inovações, seja em produtos em desenvolvimento ou já existentes.
“Quando fui fazer a apresentação desse conceito para um cliente, falei de setores em que atuávamos e citei agribusiness, todo mundo falou ‘como assim?’”
Embora o agro não esteja descrito explicitamente entre as áreas de atuação da empresa, segundo Chocolat o segmento está incluído dentro do item equipamentos industriais, que englobam uma série de setores em que a Dassault Systèmes atua.
Um dos trunfos da companhia está no uso de uma tecnologia chamada por ele de gêmeos virtuais. Nela, a empresa utiliza softwares para criar representações digitais de um produto ou até mesmo de uma molécula e, a partir delas, fazer simulações.
Chocolat diferencia os gêmeos virtuais dos digitais, em que se tem apenas a representação do físico, sem inseri-lo em um mundo virtual. “O gêmeo virtual, bem explorado, te permite simular diversas possibilidades, como ele interage no mundo, quais possibilidades você tem de otimizar esse produto, o processo ou o ambiente onde ele está sendo implementado”, diz Chocolat.
O executivo cita como exemplo dois contratos fechados recentemente, mas cujos clientes ainda não pode divulgar, para demonstrar o que os gêmeos virtuais podem oferecer. Um deles é com uma empresa do setor de transporte ferroviário que transporta cargas do agronegócio.
“Um dos problemas que eles têm é como otimizar o staff, o tipo de maquinário para carga transportada ou por tipo de formação, as velocidades dos comboios, entre outras variáveis”, conta. “Então, você tem que poder simular virtualmente todos esses diversos cenários.”
Outro projeto é com um fabricante de equipamentos. “Eles utilizam tecnologias da Dassault Systèmes, seja para design, seja para fazer o processo de teste e simulação”.
Assim, quando o modelo está projetado, antes mesmo de leva-lo à linha de montagem é possível saber como ele vai funcionar, o centro de gravidade do equipamento, se ele não vai tombar, qual a visão do operador a partir da plataforma de comando onde ele está a cinco metros de altura e assim por diante.
“Você precisa simular tudo isso em ambientes virtuais, ao invés de produzir um equipamento para ir a testar a campo, descobrir os erros e voltar novamente para a prancheta”.
No caso de sementes, Chocolat diz que a empresa já executa projetos, no exterior, em que os clientes usam seus softwares para controlar os ciclos de desenvolvimento de tecnologia, de modo a proteger a propriedade intelectual de suas inovações.
“No beneficiamento das sementes, um dos grandes produtores mundiais utiliza as plataformas de manufatura, indústria 4.0 e supply chain da Dassault Systèmes para poder otimizar os processos e melhorar suas margens”, acrescenta.
Chocolat vê ainda potencial a ser explorado em outras áreas do agro. “Se na indústria de máquinas pesa nossa expertise na área aeronáutica, na biotecnologia somos levados por conta da nossa expertise na área farmacêutica”, afirma. “As vacinas da Pfizer e da Moderna contra a Covid-19, por exemplo, foram desenvolvidas em curto tempo e testadas virtualmente em plataformas da Dassault Systèmes”.
As tecnologias da empresa ainda não chegaram, por aqui, nas operações de campo. O AgFeed revelou, recentemente, o caso do uso de gêmeos digitais na Fazendas Reunidas Baumgart, em Goiás, mas o projeto foi desenvolvido por outra empresa.
“Eu gostaria muito”, afirma. “Meu problema, aqui na América Latina, é que a gente está tão forte em alguns setores e eles consomem tanto da nossa mão de obra, que muitas vezes o urgente fica na frente do importante”.