Uma previsão de tempo errada pode estragar um final de semana no litoral de alguma família por aí. Até aí, o problema não é grave, pois um dia de chuva na praia é melhor que um dia de chuva na cidade.
Mas uma chuva inesperada para um produtor rural com margens apertadas, que deixou para comprar seus insumos de forma atrasada e precisa adubar uma planta o quanto antes, pode ter um peso muito maior.
Isso tudo acontece quando a previsão de tempo para uma região no Brasil é feita por um sistema adaptado do hemisfério norte. “A questão é que nos trópicos, o jogo muda”, afirma Lília Medeiros, diretora da startup sueca Ignitia no Brasil.
Em regiões como o Brasil, diz, a volatilidade do clima e a mudança da temperatura muitas vezes colocam o produtor em cheque. Foi com essa variável em mente que os cientistas suecos Liisa Smiths e Andreas Vallgren criaram a empresa há 12 anos.
A companhia é anunciada como a primeira a atuar com inteligência climática do mundo e entregar previsão com modelo específico para climas tropicais e de maneira hiper localizada.
A atuação da empresa está concentrada na África, seu maior mercado até agora, e na América Latina, onde está há três anos no Brasil.
A Ignitia afirma conseguir prever com precisão as condições meteorológicas que uma determinada área de no mínimo 8 mil hectares terá nos próximos dias. Essas previsões são enviadas ao produtor tanto via SMS ou Whatsapp quanto por um aplicativo próprio, a depender do plano escolhido.
“Aqui [no Brasil] nós conseguimos agregar muito valor aos produtores, mas na África chega a ser uma questão de sobrevivência”, afirma Fernando Bastos, diretor de desenvolvimento de negócios para a América Latina da Ignitia.
Para dar uma dimensão da precisão oferecida pela startup, seria como dividira área do município de São Paulo, que possui 1,5 mil quilômetros quadrados, em um pouco mais de 30 partes iguais. A Ignitia conseguiria fazer, portanto, 30 previsões de tempo diferentes para essa área.
Lília Medeiros, que atua diretamente com os clientes da Ignitia no Brasil, afirma que a empresa, que conta atualmente com 2,6 milhões de clientes ao redor dos trópicos, a grande maioria na África.
Por aqui, iniciou a jornada com fundações governamentais e ONGS, para buscar dados e oferecer a tecnologia.
“Em alguns casos, elegemos algumas fundações com produtores associados, como a Fundação do Mato Grosso. Lá oferecemos a tecnologia numa espécie de degustação, que serviu também para calibrar e verificar a acurácia aqui”.
Hoje, a executiva afirma conseguir entregar um serviço com precisão média de 84%, “podendo chegar a 100%, a depender do caso”.
A Ignitia recebe informação de satélites da Nasa. Os dados são tratados com modelos de machine learning, que permitem com que seu sistema “aprenda” com o histórico e elabore boletins localizados.
Os serviços são vendidos a partir de quatro tipos de assinatura para o produtor. No mais simples, que custa R$ 22 por mês, ele recebe por SMS, já de manhã, a informação meteorológica na localidade informada para o dia e nos dias subsequentes.
No segundo plano, a informação é enviada via Whatsapp. “É algo atualizado diariamente, como se fosse um boletim diário”, diz a diretora.
No terceiro plano, chamado de Enterprise, os clientes têm acesso a uma plataforma em queconsegue mesclar dados da própria região e um histórico de clima do local. “Quando fazemos esses estudos para um local específico, o aproveitamento é ainda maior”.
No último plano, a Ignitia fornece os dados para uma empresa, que pode repassar aos clientes. “Estamos buscando algumas parcerias com outras companhias para receber dados via API e associar a outros modelos”, comenta Lília Medeiros.
Nesse formato, um produtor recebe uma informação útil para o cultivo vinda de sua fornecedora de insumos, por exemplo, ou de um banco ou financeira de quem tomou crédito.
Em mais ou menos um ano, a diretora espera que a empresa já esteja atuando com inteligência artificial na elaboração desses dados.
Enquanto isso, a Ignitia planeja expandir sua expansão para mais países na África, além de Nigéria, Mali e Gana, e conquistar outros territórios da América Latina. “Temos a expectativa de, nos próximos dois anos, estarmos fortes na América Latina. Já temos conversas no Paraguai, Argentina e Uruguai. Além disso, a expansão no Brasil também está no radar.
Atualmente, a Ignitia possui mais clientes no Mato Grosso, mas também atua no Mato Grosso do Sul, no interior de São Paulo, Minas Gerais e em algumas poucas regiões do Sul e Nordeste.
Em seu site, a companhia afirma que consegue ajudar o produtor a elevar em 10% a receita e diminuir em 14% o uso de fertilizantes por identificar o melhor momento para a aplicação.
A companhia é avaliada em cerca de US$ 20 milhões e já recebeu cerca de US$ 5,3 milhões em aportes até aqui. Na última rodada, que ocorreu em 2021, levantou US$ 4,2 milhões por investidores europeus como a Novastar Ventures, a IKEA Social Entrepreneurship, Future Foodways, Mercy Corps, Norrsken e Finca International.
A primeira rodada aconteceu em 2018, quando levantou US$ 1,1 milhão, ainda em estágio inicial do negócio.
“Provavelmente no ano que vem podemos partir para uma nova rodada. Mas provavelmente será para buscar novos investidores se tiverem uma condição de fazer parcerias. A saúde financeira da empresa está tranquila”, afirma Medeiros.