Coincidência ou destino? Qualquer que seja a resposta, dois fatos aparentemente isolados podem estar colocando a Adecoagro, empresa agrícola de origem argentina com forte presença no Brasil, no caminho de se tornar uma referência internacional na tokenização do agronegócio.

O fato mais recente foi a chegada de um novo “criptoacionista”: a Tether, gigante no universo das stablecoins — moedas digitais atreladas a ativos reais — fez um movimento aparentemente distante da sua área de atuação e investiu US$ 102 milhões na aquisição de uma participação no conglomerado agrícola.

Em um documento protocolado na na Security Exchange Comission (SEC), a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, o grupo informou que uma subsidiária da Tether Holdings Limited passou a deter mais de dez milhões de ações ordinárias da Adecoagro S.A.

Considerando o total de ações da companhia, a participação da Tether corresponde a 9,8% do capital da Adecoagro.

Em nota enviada ao AgFeed, o conglomerado argentino avaliou o investimento como uma “confiança em seus negócios” e “resultado de sua clareza e transparência”.

“O interesse da empresa Tether em uma empresa de produção de alimentos e energia renovável sob um sistema sustentável na América do Sul é uma boa notícia”, destacou o comunicado.

Já a empresa de produção de energia e alimentos havia demonstrado, há quatro anos, interesse em uma startup cuja proposta é tokenizar as commodities agrícolas, criando criptoativos lastreados em grãos, como a soja.

A Adecoagro é uma das primeiras investidoras na Agrotoken, agtech argentina que hoje tem no Brasil um dos seus principais mercados.

O aporte na agtech surgiu de uma conversa entre dois amigos de longa data. “Quando começamos com a ideia, com o projeto da Agrotoken, a primeira pessoa que eu fui falar foi com o Mariano (Bosch, fundador e CEO da Adecoagro), que é a pessoa que eu tenho confiança no agro”, conta Eduardo Astrada, também fundador e CEO, mas da Agrotoken, em entrevista ao AgFeed.

A conversa entre os dois não ocorreu em escritório ou por telefone, tão pouco, em plataformas de chamada de vídeo — amplamente utilizadas na época das restrições da Covid-19.

O bate-papo aconteceu na alma do agronegócio. “Quando falamos a primeira vez, lembro muito bem, falamos na fazenda, assim, no campo aberto, porque estávamos começando a pandemia”, relata Astrada.

Na ocasião ele pediu a ajuda do amigo, então futuro sócio. A resposta: “Eu não compreendo muito do que você está falando, o que você está fazendo, mas tem apoio”.

O respaldo do CEO da Adecoagro — que ficou com uma fatia de 10% da Agrotoken — ocorreu desde o primeiro dia, encarregando um dos homens de confiança da companhia, Santiago del Carril, para trabalhar ao lado de Astrada.

A confiança recebida do amigo foi fundamental para dar o pontapé inicial ao projeto de tokenização da produção agrícola, transformando-a em ativos digitais.

Esses ativos são representados por tokens que circulam em plataformas blockchain. Cada token corresponde a uma quantidade específica de grãos, como soja, milho ou trigo, com lastro físico e garantia de segurança.

Neste modelo de negócio, a Agrotoken expandiu seus negócios, com atuação além da Argentina e chegando aqui no Brasil.

Em 2023, a startup tinha uma base de 3 mil clientes e já tinha angariado investimentos de outras gigantes, como Bunge e Visa. E expandiu parcerias para o uso de suas criptomoedas para a comercialização de insumos como fertilizantes, com a Cibra, ou até mesmo máquinas agrícolas, com a New Holland, por exemplo.

A meta para este ano era dobrar os números. Ao AgFeed, Astrada adiantou que estão perto de atingir o objetivo, com 5 mil produtores já cadastrados no acumulado deste ano.

E para 2025 a jogada é ousada. Querem triplicar ou quem sabe, quadruplicar, esses números. “Estamos vendo que foi como uma evangelização dos produtores”, disse, entusiasmado, o CEO da Agrotoken.

Nesta rota digital, há projetos “muito grandes”, como define Astrada. Entre os quais está a tokenização de terras — um pedido feito por Mariano durante a conversa na fazenda.

Para atender a uma solicitação do amigo Bosch, este ano, foi criado o Grupo Justoken, que será o guarda-chuva maior da Agrotoken (voltada ao agro), Landtoken (registro em blockchain de terras), Pectoken (pecuária), Enertoken (energia) e Sayky (sustentabilidade).

Na Argentina, o processo de tokenização da segunda fazenda foi finalizado recentemente e, agora, a ideia é fazer o mesmo aqui no Brasil, "antes do fim de ano", adianta o CEO da Agrotoken. Ele se limitou a mencionar que estão trabalhando na parte legal, sem apontar o estado ou a região onde se localiza a área a ser tokenizada.

Com sua expertise no ramo dos criptoativos do agro, Astrada demonstra entusiasmo com o investimento da Tether na Adecoagro. O argentino enxerga a ação como uma validação do modelo que eles acreditam: a potencialização da tecnologia blockchain.

Apesar da felicidade dita e visível por ter a Adecoagro como acionista e por “estar mais perto de uma das principais empresas de blockchain”, entretanto, a Agrotoken não espera reflexos do investimento em seus negócios.

“Acho que o investimento da Tether na Adecoagro não está relacionado com o investimento da Adecoagro no Agrotoken”, afirmou Eduardo. “A Tether tem uma estratégia, que é investir em ativos reais e está mirando empresas que possuem valor significativo no mundo real, e acho a Adecoagro uma das empresas mais sérias”, contextualiza.

De fato, a companhia agrícola é uma aposta com esse perfil. No ano passado, a receita bruta da Adecoagro alcançou US$ 1,4 bilhão, com alta de 6,7% ante 2022. O lucro líquido registrado foi de US$ 226,7 milhões, mais que o dobro do que no ano anterior.

Os negócios da companhia vão desde a produção de grãos, arroz, passando pelo setor lácteo até a indústria sucroenergética, com uma produção anual que supera 2,8 milhões de toneladas de produtos agrícolas.

Para isso, a empresa conta com mais de 213 mil hectares de terras agrícolas e 14 unidades industriais espalhadas pela Argentina, Uruguai e Brasil.

Aqui no País, o investimento mais recente da Adecoagro foi em julho deste ano: R$ 225,7 milhões para quintuplicar sua produção de biometano na Usina Ivinhema, no Mato Grosso do Sul.

Questionada se a proximidade com a Tether levaria a uma intensificação de ações rumo a tokenização do agronegócio, a Adecoagro informou, em nota enviada ao AgFeed, que a “inovação faz parte dos valores empresariais” da companhia, que “tem em sua estratégia participar de empresas e startups que desenvolvam e ofereçam inovações que melhorem seu perfil sustentável, como é o caso da Agrotoken”.