Troque um pitch dentro de um escritório com ar condicionado ligado por um pé no barro, mão na massa e testes em um cafezal na Serra da Mantiqueira, no interior de São Paulo.

Foi assim que a startup Demetra Agroscience, que desenvolve insumos biológicos, conseguiu um aporte de R$ 2 milhões para estruturar sua biofábrica, acelerar o processo de registro de seus produtos e contratar um time comercial.

A agtech fundada por Renato Zapparoli, pesquisador que atua há mais de 25 anos com controle biológico, recebeu o investimento de Claudio Romualdo, um empresário da área da educação que também é produtor rural.

Antes desse investimento, a Demetra já havia recebido R$ 260 mil pelo venture builder piracicabano WBGI em 2019. Na época, o valor ajudou a companhia a se estruturar administrativa e financeiramente.

O principal produto da Demetra é um insumo biológico feito a partir de metabólitos bacterianos. O microorganismo é próprio da startup, com uma cepa exclusiva.

Diferente de biológicos tradicionais, essa tecnologia, que é de terceira geração, não utiliza organismos vivos, mas sim seu princípio ativo. “Isso aumenta eficiência e tempo de prateleira, além de dispensar refrigeração, ter mais compatibilidade com os químicos e poder ser utilizado em qualquer situação climática”, explica Zapparoli.

Zapparoli é um engenheiro agrônomo, com mestrado e doutorado pela Unesp de Jaboticabal. Desde o final dos anos 1990 ele atua com controle biológico e sua pesquisa foi focada nos nematóides.

Depois de uma carreira como professor na universidade, paralela à pesquisa, percebeu que o mercado de biológicos precisava de novas soluções. “Entre 2013 e 2015 vi que as dificuldades dos produtores mudaram pouco desde quando comecei a estudar, em 1999”.

A tecnologia foi testada num primeiro momento na cultura do café – e, então, a fazenda de Claudio Romualdo serviu como laboratório. “Verificamos um grande potencial no uso da tech nessa cultura, controlando pragas e doenças. verificamos que o produto possui ação biofungicida, biobactericida e bioinseticida”, afirmou o CEO da startup.

Foi na fazenda Estância Águas Virtuosas, em Caconde (SP), pertencente a Romualdo, que tudo aconteceu. Ali, ele cultiva 30 hectares de café, 12 hectares de macadâmia, 10 hectares de milho e mais dois hectares de pomar. Além disso, possui uma indústria envasadora de água, pela disponibilidade de nascentes no local.

Essa condição geográfica ainda permitiu que o cultivo de café seja feito 100% via irrigação na propriedade.

“Na primeira colheita que teve um manejo utilizando o produto da Demetra, notamos um café de qualidade melhor”, disse Romualdo.

O contato dos dois com o mundo da educação superior uniu a amizade de Renato e Claudio há alguns anos. Quando o produtor resolveu empreender também no campo, notou que a pesquisa do amigo poderia ajudar o negócio.

“Percebi na pesquisa dele algo diferente do que o mercado agro estava praticando. Na fazenda, estava com dores em relação ao manejo tradicional do café, mesmo com a adoção de tecnologia. Buscava esse olhar para virar a chave e decidi sair de um manejo químico tradicional para um biológico e disruptivo”, afirmou Claudio Romualdo.

Ao mesmo tempo que Renato Zapparoli cuidava da parte agronômica da fazenda de Romualdo, também começou testes com produtores de cana e citros. Mais recentemente passou a atuar com produtores de uva e abacate.

Além dos testes empíricos e da amizade com o pesquisador, o produtor rural decidiu entrar como investidor no negócio por acreditar que a startup tem “todas as características de uma companhia exponencial”.

No cafezal do produtor, o biológico da Demetra mostrou bons resultados no controle da broca-do-café, ferrugem e mancha aureolada.

Romualdo afirmou que a propriedade passou por uma “revolução em seis meses”. “Começamos a ter redução de custos e perceber que a produção mudou. Usamos a própria natureza em benefício da prodrução”.

Segundo o agricultor, o produto da Demetra permitiu que a fazenda reduzisse, em média, 50% das aplicações químicas na lavoura. Somado a isso, os dois notaram que “inimigos naturais” das pragas, como alguns insetos, voltaram para o campo.

Na startup, a ideia, enquanto o rito da aprovação burocrática do produto corre – algo que em até dois anos deve estar solucionado, na visão do CEO –, é seguir com os testes com outros produtores.

O público-alvo nesse momento são fazendeiros que, assim como Claudio Romualdo, possuem culturas diversas na lavoura. A ideia é auxiliar pequenos produtores e até agricultores familiares, que muitas vezes fazem aplicações de forma pessoal nos pés de café.

“Tem muitos pequenos produtores de café que estão só esperando o produto ser lançado comercialmente. São pessoas que veem uma grande possibilidade em diminuir o uso de químicos, até por questões de saúde”.

A biofábrica será construída em Jardinópolis, local onde Zapparoli vive e que é próxima de Ribeirão Preto. “Às margens da rodovia Anhanguera, o que facilita em termos de logística o escoamento”, diz Zapparoli. O CEO estima que a produção inicial da fábrica permitirá atender de 30 mil a 50 mil hectares por ano.

Assim que a aprovação do produto estiver finalizada, o recurso também será utilizado para contratar uma equipe comercial.