O avanço do mercado de carbono, a necessidade de uma integração mais profunda entre indústria e campo e a inclusão dos pequenos produtores rurais na transição para a agricultura regenerativa formam, na avaliação de Otavio Lopes, sócio-líder em agro para a América Latina da Ernst & Young (EY), uma das maiores consultorias empresariais do mundo, o presente e o futuro do agro brasileiro.
Lopes conversou com o AgFeed nos bastidores da COP 30, a conferência da ONU, realizada em novembro em Belém (PA), onde a consultoria montou um espaço próprio na região central da capital paraense, e promoveu debates que contaram com a participação de representantes do agro.
Nessas discussões, ficou evidente para Lopes que o agro está entrando em uma nova fase: mais complexa, mais financeira e mais exigente.
A mudança ficou nítida logo nas primeiras conversas com clientes, quando Lopes percebeu que o mercado de carbono, por exemplo, deixou de ser uma discussão periférica, e também entrou no vocabulário do agro.
“Existe um frenesi enorme em torno do tema, mas ainda com uma assimetria muito grande de conhecimento”, afirma. Na avaliação dele, ninguém quer perder o timing, ainda que nem todos saibam muito bem como agir. “Todo mundo entende que isso vai ser uma oportunidade, mas ninguém tem o quadro pronto. É um caminho sem volta.”
O sócio da EY observa que bancos, certificadoras, fintechs e gestores passaram a disputar espaço num mercado que ainda está nascendo.
“Está se desenhando um novo ecossistema. Bancos vão ter um papel diferenciado. As fintechs vão aparecer cada vez mais. Vão aparecer outras certificadoras. Esse processo todo vai precisar passar por uma certificação. É um novo formato de cadeia.”
A outra discussão recorrente nas conversas que Lopes teve com clientes foi o custo de capital e as condições financeiras ruins no campo.
Para Lopes, os juros elevados, a escassez de crédito no mercado e o alto nível de endividamento criaram um ambiente em que profissionalização e governança deixaram de ser opcionais, avalia o sócio da EY.
“As empresas entenderam que transparência e tecnologia não são acessórios. Entre comprar uma máquina nova e investir em governança, a decisão ficou dura, mas não dá mais para adiar.”
Lopes reforça que a pressão por um maior ritmo de profissionalização do setor não é apenas financeira, mas também estrutural.
“As empresas estão preocupadas em se profissionalizar para que elas possam capturar capital a uma taxa mais efetiva e entendem que governança e transparência é muito importante”, diz Lopes, ressaltando que esse tipo de investimento hoje também é fundamental para a continuidade dos negócios.
“Afinal, as normas estão excludentes. A lei antidesmatamento da União Europeia, por exemplo, é excludente. É difícil de um produtor médio ter capital para fazer adequação. E a voz do pequeno e do médio produtor simplesmente não aparece nessas discussões.”
A falta de participação dos pequenos produtores, na avaliação de Lopes, pode piorar a distribuição de renda e comprometer a transformação da cadeia.
“Se o pequeno não entra, a mudança não acontece. Podemos modernizar metade do setor e continuar com o mesmo problema”, afirma.
Entre as conversas, outro ponto chamou atenção do executivo da EY: a continuidade da dependência brasileira das rotas tradicionais de exportação das commodities, especialmente soja.
“A gente ficou preso num modelo. Se, amanhã, a China mudar a política de compras, o impacto seria brutal. E isso vale para outras cadeias também.” Por isso, Lopes defende uma nova onda de industrialização. “Tem tanta coisa que dá para fazer com soja, com biomassa, com resíduos, e a gente continua exportando o básico.”
O setor sucroenergético, diz ele, mostra que há caminhos. “O biometano já é realidade. A Copersucar está levando açúcar para Santos em caminhões abastecidos com biometano produzido a partir de torta de filtro e vinhaça. É quase um modelo perfeito de circularidade”, analisa.
O problema, lembra Lopes, é que toda essa eficiência não aparece no preço. “mas a gente não consegue “premiumizar”, fazer a “premiumização” disso. Tem uma matriz energética privilegiada e não captura valor.”
Sobre agricultura regenerativa, Lopes foi objetivo em seu diagnóstico. Em sua avaliação, ao redor do mundo, há capital demais no mercado, mas projetos de menos. “Existe muito mais dinheiro disponível do que projeto qualificado para capturar esse capital.”
No Brasil, essa assimetria se acentua, uma vez que grandes empresas e produtores conseguem acessar esse capital por terem projetos na mesa para apresentar. Mas pequenos e médios produtores não têm.
“A gente tem duas realidades bem distintas. A gente tem as empresas que estão melhores preparadas para capturar essa oportunidade, e talvez seja quem está menos dependente desse tipo de capital. Enquanto, mais uma vez, a gente volta aos pequenos e médios, e vemos uma dificuldade muito grande de acessar esse capital. E ficam muitas vezes sem isso.”
Nesse sentido, Lopes entende que há a necessidade de se combinar capital público, privado e filantrópico para destravar o acesso a todos, além da criação de novos projetos.
“Acho que falta um pouco da combinação de capital público primeiro para dar uma garantia e fazer o kickstart desse negócio. O capital privado precisa de apoio de capital filantrópico para poder dar capilaridade”, avalia. “Essa questão de capilaridade é muito importante hoje para o Brasil, porque o percentual de agricultura que está na mão de pequenos e médios agricultores não é pequeno.”
Resumo
- Sócio-líder de agronegócios da consultoria EY para América Latina, Otávio Lopes, vê o agronegócio brasileiro entrando numa fase mais complexa e financeira, em que carbono, governança e custo de capital passaram a pautar as conversas com clientes.
- Lopes defende uma nova industrialização do agro e a expansão da agricultura regenerativa, mas alerta para a assimetria de acesso à capital entre pequenos e grandes produtores
- Na visão do consultor, “existe muito mais dinheiro disponível do que projeto qualificado para capturar esse capital”, no que se refere ao tema da agricultura regenerativa.