Em um ano marcado por aperto financeiro no campo, o Banco do Brasil, líder no crédito rural, busca formas de ajudar produtores a reorganizar o fluxo de caixa e, ao mesmo tempo, conter o avanço da inadimplência, que chegou ao maior nível da série no terceiro trimestre deste ano, em meio ao aumento das recuperações judiciais no setor.

A resposta do BB tem sido acelerar as renegociações previstas na medida provisória de reestruturação do crédito rural, a MP 1.314/2025.

“A nossa expectativa é que, com a medida provisória, tenhamos perspectiva de melhora porque estamos conseguindo, com essas linhas de crédito, dar ao produtor uma possibilidade maior de reequilibrar as suas finanças”, afirmou Gilson Bittencourt, vice-presidente de Agronegócios e Agricultura Familiar do banco, em entrevista ao AgFeed durante a realização da COP 30, em Belém (PA).

Assinada no início de setembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a MP destinou R$ 12 bilhões para o financiamento destinado à liquidação ou à amortização de dívidas de produtores rurais prejudicados por eventos climáticos adversos entre 2020 e 2025. As taxas de juros são reduzidas, variando conforme o porte do produtor: 6% ao ano para pequenos, 8% para médios e 10% para os demais.

Dos recursos públicos previstos pela MP, o banco recebeu R$ 4,3 bilhões, e registrou quase R$ 1,8 bilhão em operações, sendo R$ 1,2 bilhões em propostas aprovadas e R$ 522 milhões em análise.

Na linha com recursos livres, já foram aprovadas R$ 13,5 bilhões em renegociações de dívidas rurais. Outros R$ 4,8 bilhões estão em análise. Considerando o que já foi negociado e o que está em análise, o total chega a R$ 18,3 bilhões.

Nesta semana, Bittencourt e representantes do Ministério da Agricultura e Pecuária e Ministério do Desenvolvimento Agrário estão em viagem ao Rio Grande do Sul, um dos principais estados que demandam recursos, para se reunir com representantes da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) e outras entidades para entender como destravar os empréstimos.

De modo geral, a missão de Bittencourt, que assumiu seu posto no BB em julho deste ano, não está sendo fácil. Isso porque o crédito rural vem sendo um forte detrator dos resultados do banco ao longo do ano: a inadimplência saiu de 3,05% no primeiro trimestre de 2025, subiu para 3,49% no segundo trimestre e alcançou um pico de 5,34% no terceiro trimestre.

“A maior parte dos produtores está adimplente. Na maior parte das culturas, os produtores estão gerando receita e estão no nível de capitalização normal”, disse Bittencourt.

“O que vemos é que, em algumas regiões, por problemas climáticos e, às vezes, algumas concentrações em outras microrregiões por uma questão de tipo de atividade, há um aperto no fluxo de caixa”, reconheceu o executivo.

Bittencourt lembrou que o aperto de uma parte dos produtores decorre de um mix de problemas: parcelas de custeio prorrogadas por quebra climática, investimentos feitos entre 2020 e 2021 em máquinas agrícolas caras, arrendamentos contratados no auge das margens das commodities e financiamentos assumidos com juros baixos.

“Tem um conjunto, especialmente produtores de maior porte, que pode ter juntado um, dois, três, quatro, cinco desses fatores, e que agora está com o fluxo de caixa mais apertado. Isso tem gerado algum nível de inadimplência”, afirmou.

No fim de outubro, Felipe Prince, vice-presidente de controle internos e gestão de riscos da instituição, chegou a dizer que o banco iria negar novos empréstimos a produtores que entrarem com pedido de recuperação judicial.

“Eles não terão crédito hoje, amanhã nem nunca mais”, afirmou Prince à agência Bloomberg. “A recuperação judicial é uma armadilha para o produtor – ele perde acesso ao crédito e não consegue plantar a próxima safra.”

Ao fim do terceiro trimestre, a quantidade de produtores clientes do BB em recuperação judicial era de R$ 6,6 bilhões, ante R$ 5,4 bilhões no trimestre imediamente anterior. Ao todo, o banco contabilizava 928 clientes de crédito rural em RJ em setembro deste ano, ante 608 em dezembro do ano passado.

“Em relação aos custeios, logicamente que, numa ampliação da inadimplência, você passa a ter um olhar mais crítico em relação a cada concessão”, afirmou Gilson Bittencourt.

Em setores específicos, emendou ele, a instituição reforçou a exigência de garantias como alienação fiduciária – uma prática que, segundo Bittencourt, já vinha sendo adotada não somente pelo BB, mas por todo o sistema financeiro.

“O conjunto das instituições financeiras já vinha exigindo isso. Mantemos penhor em algumas atividades e em outras estamos avançando com alienação, mas sempre numa perspectiva de preservação da nossa carteira”, disse.

Caminho Verde

Se, de um lado, a agenda imediata do BB no agro está voltada em resolver os problemas do crédito rural, de outro, a estratégia de longo prazo da instituição envolve a construção de um modelo para financiar a recuperação de áreas degradadas que o Mapa tenta colocar de pé, com o programa Caminho Verde Brasil.

Até o momento, a pasta conseguiu mobilizar R$ 16,5 bilhões em um leilão do Eco Invest Brasil, programa de hedge cambial do Tesouro Nacional. Esse montante está sendo emprestado a dez bancos, que deverão multiplicar os valores recebidos em pelo menos 1,5 vez, com apoio de investidores nacionais e estrangeiros, para ofertar financiamentos destinados à recuperação de pastagens degradadas pelos produtores rurais.

Mas esse volume de recursos cobre apenas a recuperação de cerca de 1 milhão de hectares – o montante de área é relevante, mas que representa uma fração dos 40 milhões de hectares de áreas degradadas que o Caminho Verde busca recuperar ao longo da próxima década.

Por isso, o Ministério da Agricultura vem estudando outras saídas, de olho especialmente em atrair investidores estrangeiros, para trazer mais recursos e viabilizar os planos do programa.

Bittencourt diz que o BB vem dialogando com o Mapa para um arranjo que concilie os interesses de três agentes: o investidor que aporta capital, o produtor que executa a recuperação, e o banco, responsável por financiar e gerir o processo.

Ele afirmou que, historicamente, a discussão tende a focar apenas o investidor, mas que isso é insuficiente. “Muitas vezes você tem só uma perspectiva do investidor. A gente não quer olhar só o investidor, mas ele também é fundamental, porque se eu não tiver o investidor tendo interesse em entrar com recurso, o processo não vai funcionar”, disse.

O executivo explicou que o desafio maior está em criar uma modelagem que também garanta a rentabilidade para os produtores – uma vez que esse público é heterogêneo e dividido em grupos com realidades distintas.

“A gente está olhando, e esse talvez seja o que demande mais trabalho, é fazer uma perspectiva de rentabilidade do produtor”, afirmou, acrescentando que essa análise precisa considerar diferentes perfis e situações no campo.

O desenho se apoia na valorização do ativo recuperado, lembra o vice-presidente do BB. Em algumas regiões, Bittencourt lembrou que um hectare degradado custa cerca de R$ 20 mil. Após a recuperação das áreas, esse valor pode chegar a R$ 120 mil, estimou.

“A tese não é só a produção anual. É o ganho patrimonial. A recuperação reduz risco e amplia o retorno potencial”, avalia o executivo.

Para isso, o banco lida com três perfis distintos de produtores, explica Bittencourt. Um deles são os agricultores que já estão capitalizados e tem área degradada. “Esse é o mais simples de todos”, analisou o vice-presidente do BB. Nesse caso, segundo ele, basta financiar a recuperação, sem necessidade de buscar recursos externos.

O segundo cenário envolve produtores com área degradada, mas sem capital para investir. Nesses casos, disse ele, a modelagem precisa ir além do crédito tradicional. “Só o financiamento não vai resolver, porque ele já está com dívidas. Então eu tenho que resolver o problema da dívida dele e ao mesmo tempo injetar novo capital para recuperação”, explicou Bittencourt.

Há ainda um terceiro grupo: produtores capitalizados que querem investir na recuperação, mas não possuem terra disponível. Para esse público, o desafio é diferente.

“Eu tenho um produtor capitalizado, mas eu não tenho terra para recuperar”, afirmou. Nesses casos, é necessário estruturar mecanismos que permitam a aquisição de terras, já que o Caminho Verde não financia a aquisição efetiva da terra, ressaltou Bittencourt.

Por isso, segundo o executivo, o banco estuda a criação de um instrumento capaz de atender simultaneamente as três realidades. “A discussão é como é que eu monto um fundo que possa ter todas essas visões”, afirmou BIttencourt, ressaltando que o modelo ainda está em desenvolvimento e que o desenho final deve ser construído ao longo dos próximos meses, em diálogo com o Mapa.

Parte da estrutura pode envolver instrumentos de blended finance, embora Bittencourt destaque que isso não significa depender somente de recursos internacionais.

“Blended não é sinônimo de dinheiro de fora. É a combinação de recursos públicos e privados para alavancar investimento”, disse. Em operações de longo prazo, a exposição cambial será tratada por meio de mecanismos de hedge já disponíveis no Eco Invest Brasil.

O modelo não está concluído. Mas, para o BB, a direção está traçada: um sistema capaz de atrair capital, dar sustentabilidade financeira ao produtor e transformar áreas improdutivas em ativos valiosos.

Resumo

  • Banco do Brasil já soma quase R$ 15 bi em renegociações aprovadas e tenta conter inadimplência recorde no crédito rural
  • Instituição trabalha com o Mapa em um modelo para financiar recuperação de áreas degradadas, alinhado ao programa Caminho Verde Brasil
  • Novo desenho busca atrair investidores, garantir rentabilidade ao produtor e estruturar instrumentos para diferentes perfis de beneficiários