Se o documento final da COP 30, a conferência do clima da ONU, não trouxe uma mensagem clara ao agro – ao menos diretamente – um relatório paralelo, da Agenda de Ação, que apresenta as soluções de cada setor da economia para o enfrentamento às mudanças climáticas, reforça a sensação para o setor produtivo de que as bases para uma agricultura mais sustentável começam, enfim, a ganhar forma, com o Brasil à frente de várias dessas ferramentas.

A Agenda de Ação, existente desde a COP 20, de Lima, reúne projetos e iniciativas criadas por iniciativa privada e sociedade civil de forma paralela às negociações diplomáticas e mostra, de maneira concreta, o que avança – e o que ainda precisa avançar – no processo de mitigação e adaptação às mudanças climáticas desenvolvido pela economia real.

Reformulado pela presidência brasileira da COP, esse mecanismo ganhou ferramentas de acompanhamento e verificação do que está sendo proposto e foi dividido em oito eixos. O terceiro deles é dedicado à agricultura, com foco na transformação de sistemas agrícolas e alimentares.

O documento reconhece que parte do caminho já começou a ser percorrido, mencionando que “centenas de milhões de hectares de floresta, terra e oceano” estão “protegidos ou restaurados” e que “milhões de agricultores estão fazendo a transição para práticas de agricultura regenerativa“.

O relatório também apresenta alguns números superlativos. Ao todo, segundo o texto, já existem US$ 9 bilhões em investimentos comprometidos para a transformação de sistemas alimentares, abrangendo mais de 210 milhões de hectares de terra e alcançando 12 milhões de agricultores em mais de 90 produtos agrícolas e alimentícios de mais de 110 países até 2030.

O documento traz duas realidades. De um lado, a Agenda de Ação diz que, ao redor do mundo, já há “crescente atuação nos sistemas de agricultura, alimentação e uso da terra”, com queda na intensidade de emissões em alguns segmentos, maior integração entre políticas públicas e participação crescente do setor privado.

Mas, em contrapartida, o avanço ainda está longe de ser homogêneo, lembra o texto. O progresso é desigual e esbarra em problemas estruturais: subinvestimento crônico, degradação generalizada do solo, ausência de incentivos adequados e políticas habilitadoras e, sobretudo, a dificuldade de fazer com que pequenos produtores e pequenas e médias empresas do setor alimentício tenham acesso a apoio técnico e financeiro.

É justamente nesse hiato, entre o que já funciona e o que emperra, que aparece o conjunto de soluções aceleradas ou lançadas em Belém e reunidas pelo relatório. A boa notícia é que o Brasil lidera ou está por trás de várias dessas soluções.

A mais emblemática delas talvez seja a Raiz, uma iniciativa global de restauração de terras degradadas liderada pelo Brasil e apoiada por mais oito países: Arábia Saudita, Austrália, Canadá, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Peru e Reino Unido.

Inspirada no Caminho Verde, programa de recuperação de áreas degradadas do Ministério da Agricultura e Pecuária, a Raiz pretende escalar o modelo para o mundo, servindo como um mecanismo que ajude países a mapear áreas degradadas, estruturar projetos sólidos e criar instrumentos capazes de atrair capital privado em volume.

O projeto é hospedado pelo Mapa, mas tem apoio de FAO, Banco Mundial, entre outros atores relevantes.

Na mesma direção, mas com foco na agricultura familiar, o relatório destaca o Terra, plano apresentado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário brasileiro em parceria com FAO, IFAD e outras entidades globais.

A proposta busca reposicionar agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais como protagonistas da transição agroambiental. Para isso, trabalha com cinco “alavancas de aceleração”: fortalecimento organizacional, capacitação, financiamento via blended finance, bioinsumos e sementes adaptadas ao clima, além de maior acesso a mercados e valor agregado.

“A gente quer acelerar a transição agroecológica. Existem muitas iniciativas espalhadas pelo mundo, mas nós queremos colocá-las juntas, em sinergia”, explicou o chefe da assessoria internacional do Desenvolvimento Agrário, Thomas Patriota, durante o lançamento da iniciativa na semana passada.

Outro eixo que ganha força no documento é o dos fertilizantes — um dos maiores desafios da cadeia do agro, já que os métodos tradicionais de produção de adubo liberam quantidades significativas de CO2 e geram impactos ambientais estimados em US$ 3,4 trilhões por ano, segundo o relatório.

E, mais uma vez, o Brasil aparece na linha de frente: o texto menciona que o País, junto com o Reino Unido, anunciou durante a COP um plano para acelerar soluções de fertilizantes de baixa emissão, promovendo padrões industriais mais limpos, melhor eficiência no uso de nutrientes e instrumentos de incentivo à transição.

Ao mesmo tempo, Brasil, Índia e Quênia se uniram para formar a Global Carbon Harvest Coalition, que vai acelerar pesquisas sobre sequestro de carbono em terras agrícolas, biochar e intemperismo acelerado.

A meta é criar a base metodológica que permita a inclusão dessas práticas em mercados regulados de carbono até 2030.

“Ao reunir países e instituições de excelência, aceleramos soluções que beneficiam produtores, fortalecem sistemas alimentares e contribuem para resultados climáticos concretos”, disse Bruno Brasil, diretor do Departamento de Produção Sustentável do Ministério da Agricultura e Pecuária, em painel realizado no dia 15 de novembro.

As emissões de metano – especialmente nas cadeias de gado e arroz, intensivas na liberação desse tipo de gás – também ganharam destaque na Agenda de Ação.

Um plano coordenado por organizações multilaterias como CATF e CCAC propõe acelerar a adoção de tecnologias e práticas capazes de reduzir metano e óxido nitroso, integrando metas de NDC, financiamento e ferramentas de mensuração.

Já o Global Methane Hub, organização filantrópica dedicada a reduzir as emissões de metano em todo o mundo, anunciou um aporte inicial de US$ 30 milhões no Rice Methane Innovation Accelerator, iniciativa voltada a desenvolver soluções para diminuir a pegada de metano dos arrozeiros ao redor do mundo por meio de genética, manejo, microbiologia do solo e métodos avançados de medição.

O projeto busca mobilizar até US$ 100 milhões em recursos públicos, privados e filantrópicos e já conta com o apoio da Fundação Gates, Philanthropy Asia Alliance, Quadrature Climate Foundation e Temasek Life Sciences Laboratory.

Financiamento na mesa

Não faltam soluções, como fica evidente. O que falta, de fato, é dinheiro para tirá-las do papel. A diferença nesta edição da COP, porém, é que pela primeira vez em muito tempo o sistema financeiro parece disposto a entrar no jogo.

“É a minha vigésima COP e eu nunca fui numa COP com tanta gente de finanças falando do agro como parte dessa discussão. Simplesmente não tinha. E agora tem um monte de gente falando em Eco Invest, Caminho Verde, Raiz, querendo entender como participar, como entrar.”, contou Eduardo Bastos, CEO do Instituto Equilíbrio, ao AgFeed, durante a realização da COP em Belém. “Fizemos um golaço na agenda de financiamento. O espaço que a gente tinha que cavar, cavamos e a semente está plantada.”

O entusiasmo não diminui o tamanho do desafio. Isso porque as cifras necessárias para essa transformação são bilionárias e variam conforme a fonte, mas convergem para números gigantescos. A consultoria BCG, por exemplo, calcula que apenas o Cerrado brasileiro demandará aportes de US$ 55 bilhões nos próximos 25 anos para modernizar seus métodos produtivos e alinhar o bioma a práticas sustentáveis e regenerativas.

Os valores impressionam, mas o potencial também. Para Jai Shroff, chairman global da UPL, a agricultura vive hoje um ponto de inflexão semelhante ao dos carros elétricos na última década.

“Há 10 anos, ninguém pensou que os carros seriam elétricos. Hoje, pelo menos 25% dos carros do mundo vão se tornar EV ou estão se tornando EV”, disse Shroff em entrevista ao AgFeed no início da semana passada.

Rodrigo Santos, CEO global da divisão de Crop Science da Bayer, vê similitude em outro setor: o de energias renováveis. Santos lembra que esse mercado só ganhou escala porque contou, no início, com apoio público, envolvendo linhas de crédito diferenciadas, subsídios pontuais e financiamento de longo prazo. “É o paralelo que eu faço com o agro”, afirmou em entrevista à reportagem em Belém.

Mas, assim como ocorreu com a energia limpa, recursos públicos não bastam para sustentar uma transformação dessa magnitude. Por isso, o Ministério da Agricultura e Pecuária estuda novos caminhos para viabilizar iniciativas como seu programa de recuperação de áreas degradadas, Caminho Verde.

O aporte de R$ 16,5 bilhões do Tesouro Nacional no leilão do Eco Invest, programa de hedge cambial do Ministério da Fazenda, voltado ao Caminho Verde, foi bem-vindo, mas está longe de atender à demanda de todo o programa.

“Não podemos contar que todos os anos vai ter aporte do Tesouro. Temos que propor outras saídas”, disse o assessor especial do Mapa, Carlos Ernesto Augustin, durante painel em Belém na semana passada. Entre essas saídas, estão a atração de recursos via equity e um modelo semelhante ao de contratos do tipo barter, que a pasta tenta viabilizar com o governo chinês.

Em outra raia, o Ministério do Meio Ambiente se esforçou ao longo da COP para viabilizar seu TFFF, fundo de restauração florestal, que foi bem recebido por outros países e já atraiu mais de US$ 6 bilhões em investimentos. A ideia do governo é chegar a pelo menos US$ 10 bilhões em aportes para viabilizar o veículo.

O desenho do fundo, que prevê aportes contínuos e de longo prazo para manter a floresta em pé em países tropicais, foi tratado pelo governo federal em Belém como uma das principais apostas brasileiras para estruturar fluxos estáveis de financiamento climático.

A COP da Amazônia mostrou, portanto, que há um caminho possível para um agro mais integrado às demandas climáticas deste século. Mas nenhum desses caminhos se percorre sem capital e coordenação. As sementes foram lançadas, resta saber quem terá disposição de regá-las, acompanhá-las e garantir que floresçam – para não serem mais uma promessa perdida nos corredores da Blue Zone, a área restrita da COP.

Resumo

  • O relatório da Agenda de Ação indica que a transição da agricultura global para uma produção mais sustentável começa a ganhar contornos mais concretos, apesar dos gargalos de financiamento e das assimetrias entre países
  • As iniciativas aceleradas ou lançadas em Belém mostram que o Brasil assumiu protagonismo em temas como restauração de terras, redução de emissões de metano e busca por fertilizantes de baixa emissão
  • A COP 30 evidenciou que o sistema financeiro finalmente entrou no debate do agro, mas o volume de recursos exigido para transformar sistemas produtivos ainda está muito distante do necessário